Seguir à risca a “cartilha” do “gilmarismo”, é fazer o que o ex-ministro Joaquim Barbosa acusou: “contribuir para uma imagem negativa do Poder Judiciário perante a população, "destruindo a credibilidade da Justiça brasileira". Ou pior ainda, o que já alertava o jurista Dalmo Dallari: “estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional". Enfim, é a "Degradação do Judiciário", profetizou Dallari, em seu artigo sobre a indicação do Gilmar Mendes ao STF.
Por Antonio Cavalcante Filho
Na última semana, manifestei-me quanto aos problemas gerados pelos
salários estratosféricos recebidos por algumas poucas e privilegiadas
carreiras do serviço público brasileiro, reforçando que a própria
Constituição Federal diz que o teto, ou seja, o maior salário recebido
dos cofres públicos é aquele pago aos ministros do Supremo Tribunal
Federal, no valor de R$ 33.763,00.
Lá, no STF, além do subsídio, suas excelências têm direito à
residência oficial ou receber auxílio-moradia de R$ 4,3 mil, plano de
saúde, onde podem incluir dependentes e cônjuges na cobertura, carro
oficial com motorista e gastos ilimitados com combustível. Ainda há uma
cota anual de R$ 42,8 mil para gastos com passagens. Já o presidente do
STF também pode viajar em aviões oficiais da FAB.
E quando integram outra Corte, no caso do STF (três deles são
indicados para atuar no Tribunal Superior Eleitoral), alguns desses
benefícios são adicionados em razão do novo cargo, mas o “novo” salário
recebido não é integral.
No primeiro grau de jurisdição, onde estão os juízes da comarca, além
daqueles “penduricalhos” que resultam em valores astronômicos, como
visto, na folha de pagamento do mês de julho a alguns juízes de Mato
Grosso, parece que a prática de pagar acessórios junto aos altos
salários é bastante comum. Não somente na justiça estadual.
Consultando o portal de transparência da Justiça Federal da Quarta
Região, onde atua o “herói dos coxinhas midiotas”, Sérgio Fernando Moro,
vimos que, em julho de 2017, o mesmo recebeu R$ 28.947,55 de subsídio,
mais indenizações no valor de R$ 5.261,73 e “vantagens” de R$ 8.862,63.
Justiça seja feita, no fim sobrou “somente” R$ 28.404,97.
Mas, em janeiro deste ano, o juiz Moro recebeu R$ 61.056,61, o que é
quase o dobro do que a lei prevê como salário legal, além do que os
juízes federais recebem penduricalhos, como o auxílio moradia,
alimentação e transporte, entre outros. Somente para pagar o auxílio
moradia para os juízes, a União gastou quase meio bilhão de reais em
2016. Tudo isso só serve para fazer do judiciário brasileiro o mais caro
do mundo, proporcionalmente mais caro do que da Alemanha. O Brasil
gasta 1,3% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com magistrados, enquanto a
Alemanha consome apenas 0,32%.
Sinto muito militonto do “impitimismo” golpista, mas seu herói é como os outros.
O que me deixa impaciente é a postura política partidária demonstrada
incessantemente por alguns magistrados, das mais diversas esferas de
atuação no Brasil, sem que haja qualquer espécie de união por parte das
corregedorias. É que a Lei da Magistratura proíbe manifestação política,
mas a “gilmarização” (militância partidária togada) parece que impera
em nossos tribunais.
Há alguns anos, subscrevi, junto com colegas e amigos de diversas
entidades, um manifesto em defesa da Juíza Selma Arruda, de Cuiabá, em
razão de sua atuação na Vara do Crime Organizado. Naquela época,
pedíamos que a associação de juízes oferecesse a ela a mesma proteção
dada aos juízes do escândalo da maçonaria, que foram expurgados do
quadro togado por causa de seus malfeitos.
A reação da entidade, ao invés de apoiar a iniciativa popular, foi de
atacar os que defendiam a juíza, e o argumento mais “consistente” foi o
de que defendíamos mensaleiros. Diante de fundamento tão raso,
preferimos o silêncio, mas insistimos na defesa da liberdade de atuação
dos juízes.
Agora, no caso dos nababescos salários de alguns juízes, vi uma nota
publicada na rede whatsapp, e diante do conteúdo, novamente me calei.
Porém, não me recuso a revelar. Para justificar o salário, disseram ali
que precisam de liberdade para julgar, e que não podem sofrer ameaças,
como os juízes da Venezuela, revelando assim uma tendência ideológica e
política altamente preocupante.
Todos sabem que a riqueza em petróleo que possui a República
Bolivariana da Venezuela é motivo de cobiça da águia imperialista
americana, e a burguesia de lá, tal qual a de cá, não se incomoda em
desestabilizar um governo de esquerda, contrário à entrega do ouro ao
bandido global da ditadura do capital financeiro. Assim como já fizeram
há 153 anos atrás contra o Paraguai, quando o Brasil, Argentina e
Uruguai, servindo aos interesses político-econômicos do Reino Unido, (a
potência hegemônica na época) se uniram na covarde destruição da nação
mais desenvolvida da América do Sul. Antes da guerra, o Paraguai possuía
uma produção agrícola auto-suficiente, sem escravidão, onde
praticamente não havia analfabetos.
Coincidentemente ou não, após uma recente declaração de Trump,
ameaçando uma intervenção militar na Venezuela, tudo indica que a
burguesia brasileira e o seu governo usurpador, agora chefiado pelo
golpista Michel Temer, o mais entreguista dos lesa pátrias, atendendo
imposição do “Tio Sam”, já articula o que parece uma “nova tríplice
aliança” com o Peru, Colômbia e tropas do Exército dos Estados Unidos,
visando operações militares no sul da Venezuela.
Contudo, voltando às tendências ideológicas dos nossos juízes e de
sua tão decantada liberdade para jugar, disse e repito, todas as pessoas
possuem a mais relevante das liberdades que é a opção pelo seu futuro, e
influenciá-lo por meio da política é algo que se faz desde que um
sujeito chamado Sócrates questionava às pessoas, e que, da mesma forma,
por elas era questionado nas ruas da Grécia Antiga. Como dizia Voltaire,
posso discordar do que a pessoa diz, mas ponho minha vida em defesa de
que ela possa dispor livremente sobre o que pensa.
Todavia, entendo que, se os togados querem manifestarem seus amores e
desamores políticos partidários, devem fazê-lo no ambiente próprio,
como já fizeram a juíza Denise Frossard (Rio de Janeiro), juiz Flávio
Dino (Maranhão), e outros menos sucedidos, como Sebastião Julier, em
Mato Grosso.
Seguir à risca a “cartilha” do “gilmarismo”, é fazer o que o
ex-ministro Joaquim Barbosa acusou: “contribuir para uma imagem negativa
do Poder Judiciário perante a população, "destruindo a credibilidade da
Justiça brasileira". Ou pior ainda, o que já alertava o jurista Dalmo
Dallari: “estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no
Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional".
Enfim, é a "Degradação do Judiciário", profetizou Dallari, em seu artigo
sobre a indicação do Gilmar Mendes ao STF.
O ambiente da prestação de justiça não se presta a essas
manifestações tendenciosas, e já vou alertando para o risco. Argumentei
aqui sobre o fim da vitaliciedade (emprego para a vida toda) do juiz, e
que ele se submetesse a processo de eleições a cada dez anos e ouvi
diversas opiniões favoráveis.
Aqui, em Mato Grosso, se faz muito barulho com os casos de corrupção
diários, entretanto, a trupe do PSDB, o partido do atual governador
continua gozando da “imunidade judicial”. No que pese o MPE já ter
pedido à PGR que investigue Pedro Taques e Nilson Leitão, não vislumbro
nenhuma sentença condenatória contra tucanos da alta plumagem. Taí o
caso do Azeredo em Minas Gerais, condenado há mais de 20 anos de prisão,
no processo do mensalão mineiro, ocorrido ainda em 1998, que, pelo
andar da carruagem, não ficará sequer um só dia na cadeia. Se o nosso
Judiciário é o mais caro do planeta, por que não ser também o mais
célere, justo e eficiente?
Portanto, se for justiça com seletividade político-partidária, não é
Justiça, sendo assim, não vale um tostão furado, quanto mais o preço
estratosférico que pagamos, 10 vezes mais altos do que o da Inglaterra e
o dos Estados Unidos, que gastam 0,32% do seu Produto Interno Bruto,
enquanto o Brasil, gasta, 1,34%.
Antonio Cavalcante Filho, o Ceará, é sindicalista e
escreve neste espaço às sextas-feiras - E-mail:
antoniocavalcantefilho@outlook.com
Fonte RD News
"A voracidade com que os políticos organizam negociatas e se apoderam do
bem público em detrimento da coletividade é uma manifestação predatória
e fanática do poder. É expressão de um narcisismo maligno que
desrespeita a coletividade e coloca multidões na miséria e no
desamparo". (Leon Frejda Szklarowsky)