Sem lei e com a Constituição rasgada, o Brasil está entregue à violência, ao desmando, ao crime organizado que se instalou nos altos poderes da República. Não se pode aceitar que estas autoridades, que trilham as sendas da ilegalidade e do crime, punam arbitrariamente uns e salvem os maiores corruptos do país.
Por Aldo Fornazieri
Professor da Escola de Sociologia
e Política (FESPSP).
Professor da Escola de Sociologia
e Política (FESPSP).
A existência do governo Temer, por si só, expressava a
morte moral do Brasil. Temer não tem nenhuma dignidade política e
pessoal, não tem nenhum senso de honra, de dever, de responsabilidade.
Conduz o país a um processo contra-civilizatório, degradando direitos,
investindo contra a educação, a saúde, o meio ambiente, a ciência e
tecnologia, a cultura, a soberania, a moralidade e a dignidade nacional.
Agora se apresenta com a face infame de escravocrata. Não tem o menor
respeito pela dignidade das pessoas e nenhum sentimento de culpa ou de
arrependimento. Se os tivesse, ou renunciaria pedindo desculpa ao povo
brasileiro ou se suicidaria.
Se o Brasil já estava moralmente morto, nas duas últimas
semanas, o Supremo Tribunal Federal e o Senado decidiram realizar as
exéquias desse corpo mal-cheiroso e o fizeram com danças macabras e
palavras invocativas do mal, amaldiçoando o povo e brindando o triunfo
da legalização da existência de governantes criminosos nas três esferas
do poder. O féretro não levou o morto para os Campos Elíseos, mas para o
Tártaro. O Brasil poderá ficar neste lugar desgraçadamente terrível por
muito tempo, nas profundezas úmidas, frias e escuras, para penar os
crimes de seus governantes e a falta de dignidade e coragem do seu povo.
Neste lugar tenebroso, há uma lápide com a seguinte inscrição: "Tucano
algum jamais será punido".
O Brasil só poderá ser resgatado das profundezas se algum
dia o povo julgar a si mesmo, guiado por líderes corajosos. Neste juízo,
o povo terá que descobrir que pode confiar apenas nas suas lutas, que é
preciso ter coragem e virtudes e que a indignação precisa ser libertada
do seu momento subjetivo para tornar-se fúria real, devastadora se for
preciso, pois somente os povos que tiveram momentos de fúria contra as
indignidades, as injustiças, as misérias, as desigualdades e as
humilhações foram capazes de criar as fortalezas da coragem em suas
almas, sempre dispostas a marchar para o combate quando os direitos são
negados ou ameaçados.
Nos campos devastados do Brasil moralmente morto as pessoas
estão muito estranhas. Estão indignadas subjetivamente, passivas,
sentindo-se desmoralizadas e desmobilizadas. Estão como que aguardando
um acontecimento do destino ou um patrocínio dos deuses para tirá-las
desse torpor. Estão solitárias em meio a uma multidão na qual todos são
estranhos entre si. As pessoas sentem frio na alma, se vêem derrotadas
pela história, esvaziadas de esperanças, enfraquecidas na fé. Estão como
que a aguardar um Ciro, o Grande, para que as libertem do cativeiro,
não da Babilônia, mas de si mesmas, da sua própria apatia, da sua
imobilidade.
Sim, porque os povos, em toda a história, sempre precisaram
de líderes para que os conduzissem. E o que se vê hoje são partidos e
sindicatos progressistas e de esquerda semimortos, prostrados,
acovardados, desorientados, sem tática e sem estratégia. Quem poderia
ser o Ciro libertador? Lula? O próprio Ciro, o Gomes? Haddad? Boulos?
Talvez Lula seja a única esperança, a esperança possível. Tire-se Lula
da frente e pouco sobrará dos semivivos e semimortos. Não nos iludamos. A
luta será feroz e quem não estiver preparado sucumbirá.
Luta e desobediência civil
É preciso sair da letargia enquanto há tempo. É preciso
sair do frio enregelante da solidão e da internet para encontros
calorosos, criando círculos de debates e de lutas, grupos, movimentos. A
militância precisa romper nas bases a passividade e desorientação das
direções partidárias. Contra o burocratismo, os interesses mesquinhos e o
exclusivismo das cúpulas, é preciso construir uma unidade militante nas
lutas, mesmo que não se tenha a perspectiva de um candidato
presidencial único. A história dos progressistas e democratas só se
tornará edificante no Brasil se a síndrome de Caim e Abel das esquerdas
for derrotada.
É preciso transformar a indignação em ação para dizer com
ela que não se aceita esse processo anti-civilizatório, anti-social,
anti-cultural, anti-nacional e escravocrata que esse governo, o STF e o
Congresso estão impondo ao povo brasileiro. Não é possível obedecer
essas instituições que fizeram da Constituição e das leis letra morta
para fazer valer a vontade arbitrária de interesses conspiradores.
A desobediência civil é um direito consagrado nas
democracias para enfrentar leis injustas e inatuais e para desobedecer
autoridades arbitrárias e corruptas. Direito defendido por pensadores e
ativistas como John Locke, Thoureau, Gandhi, Luther King, Hannah Arendt.
Direito abrigado nas Constituições americana e alemã.
Não se pode obedecer a um STF casuístico, que abre mão dos
seus deveres constitucionais para entregá-los a antros corrompidos como a
Câmara e o Senado. Não se pode obedecer a um STF de um Gilmar Mendes,
que é estafeta de Aécio e conselheiro noturno de Temer. Não se pode
obedecer ao governo ilegítimo de Temer. Não se pode respeitar as
determinações políticas e arbitrárias de um juiz Moro, alegre conviva de
Aécio e de Temer, dois quadrilheiros, segundo as investigações.
Moro instrumentalizou a Lava Jato para fins políticos,
cometendo uma série de arbitrariedades e ilegalidades persecutórias para
favorecer seus amigos do PSDB. Não se pode respeitar uma operação cujo
objetivo principal foi tirar uma presidente eleita para colocar uma
quadrilha no governo e, cujo desfecho, consiste em inviabilizar a
candidatura Lula, salvando Aécio, Temer, Jucá e tantos outros.
Sem lei e com a Constituição rasgada, o Brasil está
entregue à violência, ao desmando, ao crime organizado que se instalou
nos altos poderes da República. Não se pode aceitar que estas
autoridades, que trilham as sendas da ilegalidade e do crime, punam
arbitrariamente uns e salvem os maiores corruptos do país. O Brasil vive
um estado de ilegalidade geral e de arbítrios seletivos. É preciso
enfrentar com destemor os desmandos das autoridades, no Congresso, nos
tribunais e nas ruas.
A desobediência civil se justifica porque o STF, o
Congresso e o Executivo violaram a Constituição e porque todos esses
poderes estão sob suspeita de serem instrumentos de conspirações
noturnas, urdidas em visitas furtivas, em encontros ardilosos em porões
escusos. Não se pode aceitar que esses poderes com a credibilidade e a
legitimidade comprometidas decidam que Lula não pode ser candidato. Este
é o ponto que em breve definirá se o Brasil poderá ou não ser resgatado
das profundezas terríveis do Tártaro. Este é o ponto que definirá se as
esquerdas, os democratas e os progressistas serão vistos pela história
como pessoas corajosas e dignas ou se serão lembradas nos memoriais da
vergonha e da covardia.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Fonte GGN