Estamos galopando rumo à ditadura dos ilustres togados, “seres humaninhos” sem-votos e sem legitimidade, que impõem sua vontade sobre a vida e patrimônio das pessoas, sem medir as consequências (...) A desobediência civil, diria o grande mestre da não violência, “está no mesmo patamar jurídico do direito de greve (para proteger os direitos dos trabalhadores), e o direito de revolução (para resguardar o direito do povo exercer a sua soberania quando esta é ofendida).
Por Antonio Cavalcante Filho

Tudo leva a crê que estamos galopando rumo à ditadura dos ilustres
togados, “seres humaninhos” sem-votos e sem legitimidade, que impõem sua
vontade sobre a vida e patrimônio das pessoas, sem medir as
consequências, sem avaliar danos colaterais, gerando prejuízos
irreparáveis à nação. Quando o juiz Bretas, em vez da caneta, posa para
fotos com fuzil, o recado está dado: ele sonha, que a velha deusa dos
olhos vedados, com a balança rota, e espada já cega de tanto decepar
pescoços de pobres, em vez de ditadura militar, como a de 1964, ela
própria acoberte agora, com o seu manto impuro, a sua própria ditadura
para nos impor a “política” dos rentistas nacionais e dos abutres
internacionais.
Não sabe ele, o juiz desajuizado, que, seja com a espada da velha
“deusa” que aqui, em nosso país, sempre servil aos poderosos, seja com a
caneta ou com o fuzil, a verdade é, como diria Gandhi, que também
cursou direito, foi advogado e membro do Supremo Tribunal de Bombaim:
“quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem,
obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo”.
A desobediência civil, diria o grande mestre da não violência, “está
no mesmo patamar jurídico do direito de greve (para proteger os direitos
dos trabalhadores), e o direito de revolução (para resguardar o direito
do povo exercer a sua soberania quando esta é ofendida). Ou ainda, “se a
lei não for um instrumento de realização da justiça, o seu
descumprimento é legítimo, vale como uma espécie de legítima defesa
contra a arbitrariedade e a injustiça”.
No início do próximo mês, por ocasião da abertura do ano judiciário,
poucos dias depois de já terem condenado sem provas o ex-presidente
Lula, está previsto uma mega manifestação em Brasília, em frente ao
prédio da Suprema Corte. Os promotores e juízes querem chamar a atenção
da opinião pública para si (que se dane a injustiça cometida dias antes
em Porto Alegre contra a esperança dos empobrecidos). Os jornais dizem
que o que eles desejam, na verdade, é manter alguns penduricalhos (o STF
vai julgar o tal auxílio-moradia).
Uma decisão do ministro Luiz Fux, do STF, de estender o
auxílio-moradia para todos os juízes federais do país levou os gastos do
governo federal com a moradia de magistrados e procuradores a crescer
20 vezes em apenas três anos. Segundo a BBC Brasil, o custo saltou de R$
96,5 milhões, de janeiro de 2010 a setembro de 2014, para R$ 1,3 bilhão
de outubro de 2014, quando o ministro ampliou as regras do benefício
até novembro de 2017.
Em sua defesa, uma associação de classe afirma que há uma defasagem
salarial de mais de 40%, mas que nada disso é motivo para manifestação.
Segundo ela, as categorias querem chamar a atenção da sociedade para a
valorização das carreiras da magistratura e Ministério Público, cuja
imagem perante a sociedade não vive o melhor momento.
Nisso eles têm razão!
Nunca houve tanta desconfiança em relação a atuação de alguns
togados, seja do Ministério Público ou de juízes, cujas manifestações
políticas, partidárias e ideológicas ultrapassaram o limite do
aceitável. Os órgãos de correição, inertes, permitiram os excessos, e
hoje todo o conjunto sofre com a desconfiança da sociedade. Há um claro
desejo de acabar com a vitaliciedade dos juízes (uma garantia de emprego
para a vida inteira). Um anteprojeto de lei que prevê a escolha de
juiz, por meio de eleição, retomou o andamento, e o fim de uma série de
benefícios pode ocorrer.
A culpa é de quem? Bom, se você, “meritíssimo”, viu um colega atuar
no processo de acordo com o “nome da capa dos autos”, e notou abuso de
autoridade ou exercício arbitrário do cargo público, e não pôs a “boca
no trombone”, ou não coibiu, parabéns! Você colaborou para que a boa
imagem dos togados e tribunais esteja fragorosamente derretendo.
No texto do jurista Streck, a que me referi na abertura deste artigo,
ele comenta as palavras do juiz federal Marcelo Bretas, 7ᵃ Vara Federal
Criminal do Rio de Janeiro. Após ter postado nas redes sociais algumas
fotos com um fuzil nas mãos, o juiz teria concedido entrevista a um
jornal do grupo da Globogolpe (antiga parceira dos golpistas, desde
Getúlio Vargas). Argumentou ele, que a justiça deve ser temida. Veja
bem, não disse que juízes e promotores mereçam respeito e admiração da
população. Para este juiz, as pessoas devem temer o sistema.
Em parte, ele tem alguma razão!
Jamais me esquecerei de alguns episódios aqui, em Mato Grosso, em que
vi de perto o comportamento de certos “magistrados” na defesa dos
interesses de fichas-suja. Uma vez, eu estava em um ônibus me dirigindo
para uma manifestação contra um desses bandidões da politicalha e fui
impedido. Um oficial de justiça conseguiu me localizar e apreender
comigo os panfletos denunciando o poderoso corrupto. Outra vez, foi um
colega nosso do MCCE, que foi abordado pela polícia comandada pelo
coronel Paredes e pelo então procurador da Assembleia Legislativa,
Eduardo Jacob, advogado e depois juiz do TRE/MT. Além de perder os
impressos que denunciava José Riva, tido, na época, como o “maior
ficha-suja do Brasil”, o militante levou uns “sacodes” dos “meganhas”.
Em ambos casos, uma decisão judicial nos proibia de denunciar os
ladrões do erário num momento em que as penitenciárias de Mato Grosso
estavam superlotadas apenas de “batedores de carteira”, “ladrõezinhos de
galinhas”.
Sinceramente, não levo meus sonhos e frustrações para que um juiz ou
promotor me apresente uma “solução estatal para o conflito”. Mas tinha a
esperança de que, ao menos, o espírito democrático pudesse ingressar
nos tribunais, que decisões judiciais humanitárias pudessem diminuir a
dor dos nossos irmãos que não possuem terra para plantar, um teto para
viver com sua família, nem emprego ou política pública para estas
necessidades de primeira grandeza.
Sempre achei que as greves e manifestações dos trabalhadores devessem
ter a proteção dos juízes e promotores, mas pelo que vejo é exatamente o
contrário. Basta uma movimentação popular, fechando ruas exigindo
direitos fundamentais, que lá vem a gloriosa PM em nome da “ordem”, com
uma liminar judicial numa das mãos e cassetete, balas de borracha e
“bombas de efeito moral” na outra para reprimir os que têm fome e sede
de justiça. Mas se for, por exemplo, a televisão afiliada da Rede Globo
em Cuiabá, fechando a Avenida do CPA por uma semana (em defesa do
próprio lucro) não há problema algum!
Pois bem.
Vi, com vergonha e tristeza alguns juízes de tribunais superiores
decidirem de acordo com os interesses da bandidagem de determinados
grupos de políticoides, e em harmonia com os interesses econômicos dos
lesa-pátria e do grande capital. E isso é feito sem que nenhuma entidade
de classe de juízes, delegados de polícia e promotores se manifeste
questionando a legitimidade.
Agora mesmo, sabe-se que a chefe de gabinete do presidente do
Tribunal Federal da Quarta Região, lá de Porto Alegre, iniciou a coleta
de assinaturas pedindo a prisão do ex-presidente Lula que, por acaso,
possui recursos para serem julgados por aquele tribunal. Mas isso não te
incomoda, não é mesmo, “meritíssimo”? Bom, você pode não concordar com
as ideias do Lula, mas pode imaginar que uma pessoa, que lhe seja muito
próxima (ou mesmo você), tenha que se submeter a um julgamento em que
todos os funcionários do juiz estejam na sala de audiência gritando por
sua condenação? Imaginou o absurdo?
Fecho o raciocínio, retomando o texto do professor Lenio Streck. Ele
escreve que na sua infância tinha medo do “caminhão que levava
criancinhas”. Na cidade onde moravam, seus pais costumavam assustar os
filhos desobedientes com a ameaça de que seriam levados por um caminhão
que por ali passava recolhendo crianças que não se comportavam bem,
fazendo-as desaparecer, entregando-as às bruxas. É uma versão
interiorana do “bicho papão” e do “homem do saco”, entidades abstratas
que geravam medo às crianças.
Então, em vez de respeito ao sistema de justiça, devemos ter medo,
como diz o juiz Bretas? Mas, medo de que? Da tirania? Do abuso de
autoridade, da ditadura togada? Medo, quem devem sentir são eles, os
golpistas. A história da humanidade indica que no final os tiranos
sempre caem.
Mohandas Gandhi (chamado de “Mahatma” ou a “Grande Alma") pregou a
resistência à dominação e a luta contra o império britânicos por meio da
não-violência e da desobediência civil. E assim, desarmado, orando e
jejuando, dizia, “a posse de armas insinua um elemento de medo, se não
mesmo de covardia”.
Não será isso que o juiz Bretas, ao postar nas redes sociais suas
fotos armado com fuzil está sentindo? Um “medinho” da “bruxa, do “homem
do saco”, ou do “bicho papão” levar seus penduricalhos, suas regalias?
Antonio Cavalcante Filho, o Ceará, é sindicalista e
escreve neste espaço às sextas-feiras - E-mail:
antoniocavalcantefilho@outlook.com
Fonte RD News