quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

DOM PEDRO E A TERRA SEM MALES


A missa da Terra Sem Males é uma convocação a todos os oprimidos da América que marcharam durante séculos, e marcham até hoje em busca da “Terra Prometida”, a Terra Libertada. 



RD News

Por Antonio Cavalcante Filho



Apesar de tantos desmandos e péssimas notícias aladas ao golpe midiático, parlamentar e judicial, que vêm enevoando com cores tristes os céus do Brasil, esta sexta-feira é um dia para ser celebrado na escala cromática ascendente dos tons vibrantes da alegria e da esperança de quem sonha um mundo mais justo, humano e solidário.

Hoje, 16 de fevereiro, comemoramos o aniversário dos 90 anos do bispo Emérito da Prelazia de São Felix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, nascido em Balsareny, província de Barcelona, em 16 de fevereiro de 1928. Pedro, como gosta de ser chamado, como apóstolo, se fez povo, gente da gente, um companheiro da nossa resistência na luta por libertação.

Como pastor do homem integral, homens que têm necessidades e direito de viver com dignidade, e não apenas pastor de “almas”, seres incorpóreos, etéreos, que não comem, não bebem, não adoecem, não vestem, não estudam, não têm filhos para criar, não sofrem o desespero do desemprego, a agonia da fome, nem a aflição da incerteza do dia de amanhã.

Nosso Pedro fez a opção preferencial pelos seres humanos empobrecidos, que vivem aqui e agora, que precisam da floresta para viver, de educação e saúde pública de qualidade, de moradia e da terra para plantar e sustentar sua família.

O religioso Casaldaliga, compreendendo e amando a existência em toda sua dimensão, e não apenas metafisicamente, transcendeu as limitadas linhas geográficas de Balsareny, transmutou-se num cidadão do mundo, dedicando sua vida às causas indígenas, dos sem-terras, dos sem-tetos, dos despossuídos, das minorias, dos perseguidos, dos direitos humanos e da “Mãe-Terra”.

Para isso, calçou as sandálias do pescador, trajou as vestes do camponês, viveu entre os pobres, e, como bispo, em vez do anel de ouro da “realeza”, cúmplice das elites escravocratas, preferiu o anel de tucum, como símbolo de fé e compromisso às causas dos excluídos, dos abandonados.

Apesar de permanecer por mais de 50 anos nos confins do sertão de Mato Grosso, desde quando, ali, em plena ditadura militar, diziam que era a terra onde o filho chorava e a mãe não via, nem escutava, como se as selvas e os pantanais mato-grossenses pudessem abafar a acústica de sons indescritíveis de tiros e de gritos de morte, Pedro foi a voz vibrante da esperança, ecoando mundo afora o grito aflito dos oprimidos.

Naquela época, o nosso aniversariante, uma figura mundialmente conhecida, deu voz aos que não tinham, contribuindo com suas denúncias proféticas, para que o mundo visse e ouvisse as agruras de um povo que nem mesmo nós brasileiros podíamos vê-lo ou escutá-lo, pois a censura imposta pelos militares não permitia.

Ainda jovem, Pedro ingressou na congregação Claretiana (Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria), em1943, sendo ordenado sacerdote em Montjuïc, Barcelona, no dia 31 de maio de 1952. Em 1968, em plena Ditadura Militar, veio para o Brasil com a missão de fundar uma missão claretiana em nosso Estado.

Sua nomeação como administrador apostólico da Prelazia de São Félix do Araguaia foi publicada dois anos depois, em 27 de abril de 1970. O Papa Paulo VI autorizou sua ordenação episcopal no dia 23 de outubro de 1971.

Uma de suas ressignificações mais conhecidas, a missa da “Terra sem Males”, teve início nas ruínas de São Miguel, no Rio Grande do Sul. Escolheu, não por acaso, uma região fronteiriça entre a América espanhola e portuguesa, por ser a terra dividida pelo fogo dos conquistadores.

A missa da Terra Sem Males é uma convocação a todos os oprimidos da América que marcharam durante séculos, e marcham até hoje em busca da “Terra Prometida”, a Terra Libertada.

Nada mais atual, comemorar os 90 anos de Dom Pedro Casaldáliga, relacionando a sua atuação histórica na defesa da população Ameríndia, do seu enfrentamento ao colonialismo imperialista, a atual entrega das terras, das águas e das riquezas do nosso continente à sanha insaciável da dominação capitalista, redesenhada na política neoliberal, que, com o golpe de 2016, o Brasil dos militontos “manifestoches”, dos coxinhas nazi-doidos, do “conluio de bandidos” lesa-pátria, se prostrou de quatro.

Na década de 70, Pedro já nos alertava que o capitalismo é “intrinsecamente mau”, porque é o egoísmo socialmente institucionalizado, a idolatria pública do lucro pelo lucro, o reconhecimento oficial da exploração do homem pelo homem, a escravidão de muitos ao jugo do interesse e da prosperidade de poucos.

O Brasil, com Lula/Dilma, sonhou se colocar entre os grupos de países grandes, com a mudança de sua geopolítica a partir de outros interesses que não fossem o das nações imperialistas. Para isso, quitou os “papagaios” que tinha com o FMI (Fundo Monetário Internacional), e foi até mais longe, emprestando recursos financeiros para o Fundo.

Nosso país se colocou entre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), nações com cerca de 40% da população mundial, detentor de 15% do PIB (Produto Interno Bruto). Economistas diziam que essas seriam as nações que mais cresceriam nos próximos 50 anos, destronando o trio EUA, União Européia e Japão.

Os BRICs projetaram uma moeda própria, para evitar o dólar nas transações do bloco, e inclusive a criação de um banco, nos moldes do Banco Mundial. Só para ilustrar: juntando o Mercosul (12 países) aos BRICs, teríamos uma potência mundial de alimentos e água, somadas à capacidade de produção de petróleo. Somadas as produções petrolíferas da Venezuela e Brasil, seria ameaçada a liderança mundial da Arábia Saudita, um país fundamentalista, sem nenhuma liberdade de imprensa, enfim, uma ditadura.

Aliás, os EUA criticam a Venezuela, onde até um brasileiro se infiltra com facilidade para fazer espionagem, mas nada falam sobre a sua parceira, a Arabia Saudita, um país onde a liberdade de imprensa se situa na posição 165 entre 180 países pesquisados. Os EUA declaram guerra ao fundamentalismo religioso, mas é parceira desse país que usa o Alcorão como Constituição.

Esses elementos nos permitem reconhecer que estamos vivendo um período muito duro, muito difícil, que exige de cada um de nós resgatarmos a utopia de um mundo melhor, mais pleno e feliz. Um mundo sem dominação, sem opressão, sem senhores nem escravos: a “Terra sem Males”, uma terra de irmãos, construída por nós, aqui mesmo, nesse belo planeta.

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça, porque serão saciados”!

E viva Dom Pedro Casaldáliga!

Fonte RD News