As mortes de Marielle e Anderson devem ficar na cota da política desastrosa de Temer, Moreira Franco e Rede Globo
Vi o Mundo
por Wadih Damous, especial para o Viomundo
O dia 14 de março começou com professoras sendo espancadas pela
polícia do prefeito João Dória, em ato de protesto contra a reforma da
previdência de servidores municipais na cidade de São Paulo e terminou
com a covarde execução da vereadora Marielle de Castro, do PSOL, na
cidade do Rio de Janeiro.
Mas, o dia 14 de março não terminou e nem pode terminar, porque é síntese e prenúncio do que virá.
Marielle nasceu na favela da Maré, mesmo local que ficou sob
intervenção do Exército por quatorze meses, ao custo de 400 milhões de
reais, pela chamada Garantia da Lei e da Ordem.
Das palavras do próprio General Villas Boas: “gastamos 400 milhões de
reais e devo dizer que foi um dinheiro absolutamente desperdiçado”.
A verdade é que a única política séria que se tentou implementar nas
comunidades do Rio de Janeiro foram os CIEPs de Brizola, Darcy Ribeiro e
Niemeyer.
O projeto foi boicotado pela Rede Globo e outros personagens políticos que ainda hoje, como espectros, estão por aí.
O projeto era muito mais que educacional, pois resgatava a dignidade de milhares de crianças que se alimentavam de luz.
Depois disso, a única política pública que chegou nessas comunidades foi a do fascismo do estado policial.
Em 1998, Marielle teve a sorte de frequentar o primeiro curso pré
vestibular comunitário na Maré, formou-se socióloga pela PUC/RJ, com
mestrado pela Universidade Federal Fluminense.
É daquelas histórias de vida que contrariam o destino traçado e
imposto por uma sociedade cruel, assentada sobre a exploração de classe,
formada sob a lógica do consumo e que oprime, mata e estraçalha vidas
humanas sem qualquer pudor.
As mortes de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes devem ficar
na cota da política desastrosa de Temer, Moreira Franco, Rede Globo e
outros deletérios personagens da atual quadra da vida brasileira que, ao
mesmo tempo em que aprofundam fossos sociais com a retirada criminosa
de direitos de milhões de pessoas, irresponsavelmente tentam transformar
a tragédia social do Rio de Janeiro em caso de espetacularização
midiática.
As mortes do dia 14 de março retiraram o véu que tenta encobrir a
farsa da intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro e farão refluir
o discurso do ódio que prega a morte, praticado por protofacistas como
Bolsonaros e outros trágicos exemplos desses tempos. Refluirá por alguns
dias apenas, no entanto, se não formos capazes de transformar a
indignação em ação.
Felizmente, é o que se vê com atos marcados em oito capitais brasileiras.
Que assim como a vida, a morte de Marielle se torne um impulso da
luta contra o extermínio da população pobre e negra no Brasil, da
violência contra a mulher e contra o fascismo que já se instalou por
aqui.
Não é casual que no mesmo dia em que o rosto de professoras seja
coberto pelo sangue do cassetete de homens como João Dória, uma jovem
mulher negra seja assassinada no Rio de Janeiro, provavelmente a mando
de homens brancos e agentes do Estado.
Em sociedades terrivelmente desiguais como a nossa, o neoliberalismo
só se sustenta com a violência contra os corpos de mulheres, jovens e de
todos aqueles que ousam erguer sua voz e denunciar.
Que essa trajetória de vida belíssima nos sirva de exemplo e coragem
para seguir lutando e que a indignação contra essa tragédia possa servir
para alterar essa lamentável conjuntura.
Antes de ser covardemente assassinada, Marielle participou de um
evento com o nome que resume bem tudo isso: “jovens negras movendo as
estruturas”.
Wadih Damous é deputado federal (PT-RJ) e ex-presidente da OAB-Rio
Fonte Vi o Mundo