O conhecido sentimento de imunidade do Juiz Moro, comprovado na prática de crimes graves (como quebrar segredo de justiça, divulgando o conteúdo de interceptação telefônica), é uma agressão à consciência democrática do povo, que envergonha a Magistratura nacional e demanda ação disciplinar dos órgãos competentes, antes que o compulsivo ativismo político-partidário desse magistrado destrua a imagem da justiça criminal brasileira.
Por Juarez Cirino dos Santos, é Professor de Direito Penal da
UFPR, Presidente do ICPC – Instituto de Criminologia e Política
Criminal, Advogado Criminal e autor de vários livros nas áreas de
Direito Penal e de Criminologia.
1. A ideia genial de uma decisão histórica
A impetração de habeas corpus em favor de LULA, por Wadih Damous,
Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, foi uma ideia genial, fundada em
argumentos jurídicos:
a)a decisão de execução provisória da pena não tem fundamentação legal, necessária pela atual jurisprudência do STF;
b) a negação do direito de execução da pena próxima ao meio social e
familiar, permitida pelo art. 103, do LEP, impôs rigor desnecessário à
privação da liberdade;
c) a violação da garantia constitucional de pré-Candidato à
Presidência da República, de livre manifestação do pensamento (5º, IV,
CF), de livre expressão da atividade intelectual e de comunicação (5º,
IX, CF) e de garantia do acesso à informação (5º, XIV, CF).
A decisão do Desembargador Federal ROGÉRIO FAVRETO, regime de plantão
no TRF-4, de expedir alvará de soltura de LULA em medida liminar, foi
um acontecimento brilhante que recuperou, por alguns momentos heroicos, a
dignidade da justiça criminal brasileira: desafiou o poder, a ideologia
dominante, as conveniências burocráticas da jurisdição.
Foi um brilho intenso enquanto durou, mas de efeitos importantes na história da Justiça:
*primeiro, porque denuncia a ilegalidade da prisão de LULA por falta
de fundamentação, como determina o art. 93, IX da CF e exige a
jurisprudência do STF;
*segundo, porque o mandado de prisão de LULA foi expedido de modo
automático após condenação em 2º grau, contrariando posição do STF que
condiciona a prisão à verificação concreta das hipóteses do art. 312,
CPP;
*terceiro, porque existem embargos de declaração pendentes de
julgamento, impedindo o exaurimento da jurisdição de 2º grau e excluindo
a expedição do mandado de prisão contra LULA.
Mas a decisão desse grande magistrado teve outro fundamento:ofato
novo da condição de LULA como Pré-Candidato à Presidência da República
pelo Partido dos Trabalhadores – fundamento que exclui qualquer conflito
com a decisão da Suprema Corte no HC 152.752/PR, que não trata da
Pré-Candidatura de LULA.
Esse fato novo, de natureza notória e objeto de manifestação pessoal
de LULA, projeta-se no processo eleitoral em curso, fundado no princípio
da igualdade de condições entre os concorrentes.
Mas o princípio da isonomia eleitoral estaria sendo violado por
negativas judiciais do direito constitucional de expressão e de
comunicação com rádios, jornais e TVs (5º, IX, CF),que fraudam a
participação popular nas decisões democráticas sobre o futuro do País e
infringem o direito de imagem garantido aos cidadãos (5º, X, CF) –
somente excluídos com decisão condenatória transitada em julgado e,
portanto, vigentes durante a execução provisória da pena.
2. A reação ilegal de juízes políticos
Agora, começa o espetáculo de um contra direito judicial, instituído
no País pela obsessão punitiva da Operação Lava Jato,promovida pela
Força Tarefa do MPF, sob a tutela do Juiz Moro.
A liminar de suspensão da prisão de LULA, deferida por magistrado no
regular exercício de competência jurisdicional exclusiva, teve o efeito
de afetar as emoções do Juiz Moro, em férias no Primeiro Mundo.
A reação do Juiz Moro, o maior inimigo público de LULA, foi
sintomática: inconformado com a liminar concedida, pediu instruções ao
Presidente do TRF-4 sobre o que fazer, apesar de não poder pedir
instruções e de não ter o que fazer.
O presidente recomendou consultar o Relator do Caso Tríplex, apesar
de não ter que recomendar nada; o Relator sugeriu descrever a situação e
pedir orientação, apesar de não dever sugerir, nem orientar coisa
alguma, segundo regras universais de jurisdição.
O Juiz Moro, sem competência para interferir no caso, prolatou despacho/decisão, dizendo o seguinte:
a) determinou a prisão de LULA em cumprimento de ordem do TRF-4, que
decidiu sobre a execução provisória da pena e, assim, não é autoridade
coatora;
b) informa que a decisão monocrática do habeas corpus se fundamenta no direito de participar de campanha eleitoral;
c) confessa não ter poderes jurisdicionais para ordenar a prisão nem para autorizar a soltura de LULA;
d) afirma que o Desembargador Federal plantonista é absolutamente
incompetente para desafiar decisão da 8ª Turma ou do plenário do STF;
e) alega um dilema pessoal: se cumprir decisão de autoridade incompetente, estará descumprindo ordem de prisão da 8ª Turma;
f) define a situação como impasse jurídico e determina à Secretaria remeter cópia do despacho ao Relator;
g) determina notificação da autoridade policial para não descumprir a ordem de prisão do TRF-4.
3. Análise dos argumentos do Juiz Moro
O Juiz Moro somente poderia se manifestar se o Magistrado do habeas
corpus solicitasse informações sobre a prisão: se nenhuma informação foi
solicitada, então o ativismo judicial do Juiz Moro é ilegal e
tumultuário. Não obstante:
a) se a prisão de LULA foi determinada sem fundamentação da decisão,
então a prisão de LULA é ilegal, independente da origem da ordem de
prisão;
b) se o Juiz Moro reconhece o fato novo do direito de participar de
campanha eleitoral como fundamento da decisão, então improcede o
argumento de decisão monocrática contrária ao colegiado da 8ª Turma ou
ao Plenário do STH, que não decidiram sobre esse fato novo;
c) se o Juiz Moro não tem poderes para ordenar a prisão ou determinar
a soltura de LULA, não se segue que o Magistrado de plantão não teria
poderes para determinar a soltura de LULA, em decisão de habeas corpus
apresentado no plantão judiciário;
d) a incompetência para confrontar decisão do colegiado do TRF-4 ou
do Plenário do STF é reconhecida pelo Desembargador Federal de plantão,
mas a competência jurisdicional para conceder liminar fundado em fato
novo decorre da lei e não da vontade do Juiz Moro;
e) o dilema do Juiz Moro entre cumprir ordem de autoridade
incompetente ou cumprir ordem de órgão colegiado do TRF-4 é um falso
dilema, porque o Desembargador Federal plantonista é autoridade
competente para decidir habeas corpus fundado em fato novo – e assim não
existe contradição com decisão de colegiado fundada em fato antigo;
f) a definição da situação como “impasse jurídico” é criação
idiossincrática do psiquismo político-partidário do Juiz Moro, sem
relação com conflitos jurídicos do mundo real;
g) a ilegal notificação do Juiz Moro à autoridade policial para não
descumprir ordem de prisão do Tribunal – ou seja, a notificação para não
cumprir o mandado judicial de soltura de LULA -,pode constituir
desobediência a ordem legal de funcionário público (art. 330, CP), ou
mesmo prevaricação, por retardar ato de ofício para satisfazer interesse
ou sentimento pessoal (art. 319, CP).
4. Um epílogo digno de tribunais de exceção
Não obstante, a invocação do poder burocrático da ditadura judiciária
pelo Juiz Moro, produziu o estrago sabido: o Relator do Caso Tríplex
invadiu a esfera de competência do Desembargador de plantão, proibiu
qualquer mudança na decisão sobre a prisão de LULA e avocou os autos do
habeas corpus para o seu gabinete.
E nós ficamos com esta reflexão incômoda: o conhecido sentimento de
imunidade do Juiz Moro, comprovado na prática de crimes graves (como
quebrar segredo de justiça, divulgando o conteúdo de interceptação
telefônica), é uma agressão à consciência democrática do povo, que
envergonha a Magistratura nacional e demanda ação disciplinar dos órgãos
competentes, antes que o compulsivo ativismo político-partidário desse
magistrado destrua a imagem da justiça criminal brasileira.
Juarez Cirino dos Santos é Professor de Direito Penal da
UFPR, Presidente do ICPC – Instituto de Criminologia e Política
Criminal, Advogado Criminal e autor de vários livros nas áreas de
Direito Penal e de Criminologia.