“Ao invés de fazer croqui de bombas, escreva quantas vezes você foi ao Paraguai trazer muamba. Conte sobre os seus problemas no Mato Grosso. Verifique qual é o seu conceito na Brigada Paraquedista”, diz a missiva, em parte referindo-se ao episódio narrado pelo próprio Bolsonaro à Veja, de que preparava atentados à bomba para promover sua campanha por aumentos de salários.
Por Vinícius Segalla
Um dossiê formulado pelo Estado-Maior das Forças Armadas
concluído em 27 de julho de 1990, ao qual a reportagem teve acesso,
detalha informações nada abonadoras reunidas pelo alto-comando do
Exército desde o julgamento que arrancou Bolsonaro do anonimato, nos
anos 80, até o início da sua vida parlamentar, na década seguinte.
Na peça investigatória, há dezenas de anotações feitas
pelos oficiais com relatos da jornalista Cássia Maria Rodrigues, então
trabalhando na revista Veja, que disse ter sido ameaçada de morte por Jair Bolsonaro, conforme já informado pelo DCM.
Para além do que denunciava a repórter, chama a atenção uma
carta sem assinatura recheada de denúncias e comentários ofensivos
contra Bolsonaro. A investigação não descobriu quem era o autor, mas
constatou ser de um colega de farda do agora presidenciável.
As autoridades militares que fizeram o relatório trataram
de investigar as informações da carta apócrifa. Segundo informam,
constataram a veracidade de uma parte do que consta ali. De outra,
disseram não ter sido capazes de produzir provas.
O documento repercutiu dentro e fora da caserna, como
mostra reportagem do jornal carioca “Tribuna da Imprensa” do dia 22 de
abril de 1991.
Segundo consta no dossiê, uma cópia do relatório e da carta
foi distribuída aos alunos e professores da ESEME (Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército). O texto critica as intenções do capitão e faz
acusações. Em um dos trechos da carta incluída nos documentos, lê-se,
em mensagem a Jair Bolsonaro:
“Ao invés de fazer croqui de bombas, escreva quantas vezes
você foi ao Paraguai trazer muamba. Conte sobre os seus problemas no
Mato Grosso. Verifique qual é o seu conceito na Brigada Paraquedista”,
diz a missiva, em parte referindo-se ao episódio narrado pelo próprio
Bolsonaro à Veja, de que preparava atentados à bomba para promover sua
campanha por aumentos de salários.
A conclusão do relatório aponta que Bolsonaro passou a
atuar na esfera dos militares sem “representatividade” ou “delegação”
para tanto, questionando e acusando autoridades “de forma descabida” e
contrariando as regras de hierarquia e ordem das Forças Armadas.
Também há menções ofensivas a Rogéria Nantes Braga, então
esposa de Bolsonaro. O militar autor da carta fazia acusações de cunho
pessoal a Rogéria, que a reportagem preferiu não expor por não trazer
conteúdo de interesse público. Mas não fizeram assim os colegas e
comandantes de Bolsonaro que pregaram a carta na parede do quartel.
Rogéria é mãe dos três filhos mais velhos do capitão
reformado e foi eleita vereadora do Rio sob influência do marido em
1992. Depois, se separaram, e Bolsonaro disse que foi porque ela não o
estava mais consultando antes de decidir seus votos e outras ações na
Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
De qualquer forma, a insistência de Bolsonaro em fazer
campanha dentro dos quartéis e os comentários que fazia na tribuna
irritavam o oficialato. Em uma outra carta revelada pela imprensa em
maio de 91, o então chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general
Jonas de Morais Correia Neto, o chama de “embusteiro, intrigante e
covarde”, acusando-o de “inventar e deturpar visando aos interesses
pessoais e da política”, como mostra reportagem abaixo, de 16 de abril
de 1991.
Em outubro daquele mesmo ano, quando Bolsonaro já era
deputado federal então pelo PDC-RJ (Partido Democrata Cristão), suas
frequentes visitas ao antigo emprego, para fazer propaganda política e
angariar votos, contrariaram de tal maneira seus ex-comandantes que
estes proibiram a entrada de jair Bolsonaro nos quartéis do Rio de
Janeiro. É que, de acordo com o Comando de Operacões Terrestres (Coter)
do Exército Brasileiro, Jair Bolsonaro estava insuflando a revolta na
tropa.
O general Alberto dos Santos Lima Fajardo, então comandante
do Coter, explicou a punição em entrevistas à imprensa. Disse que Jair
Bolsonaro estava “insuflando oficiais superiores e sargentos com
panfletos criticando exaustivamente comando da tropa”.
Ao ficar sabendo da punição, Bolsonaro disse que estava
sendo perseguido pelo generalato que ocupava o Comando Leste (divisão
administrativa do Exército Brasileiro em que está o Rio de Janeiro).
Alertou seus colegas deputados para o risco que aquele tipo de
arbitrariedade cometida pelo Comando Terrestre representava para a
Câmara. Disse que o general Fajardo estava “agindo irresponsavelmente” e
que era questão de tempo para que outros congressistas passassem a
receber este tipo de tratamento persecutório que os comandantes do
Exército lhe conferiam.
A punição a Bolsonaro durou mais um ano. Nunca mais até
hoje o Exército proferiu uma ordem como essa contra qualquer outro
parlamentar brasileiro.
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"As máscaras caem porque o peso da verdade é sempre maior". (Lavínia Lins)