É desta mulher que estamos falando. De uma história de luta e superação que dá esperança às maiorias cuja existência é reduzida ou aniquilada, para garantir o pacto de exclusão em que vivemos.
“Conheci Marielle no encontro Ocupa Política,
em BH. Ainda me lembro da força de seu relato sobre o trabalho no
mandato: assembleias com mulheres, prestações de contas em praças,
rolezinhos na câmara de vereadores, projetos de leis construídos com a
sociedade”
por Roberto Andres
Hoje
faz um ano do dia em que nos tiraram o chão. Do dia em que alguns
covardes a mando de outros covardes dispararam 13 tiros contra um
carro na região Norte do Rio de Janeiro. Do dia em que tiraram a
vida de Marielle Franco e de Anderson Gomes, seu motorista.
Marielle
Franco. Mulher negra, favelada e lésbica, como ela mesma se
descrevia, que foi a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro
nas eleições de 2016. Lutadora incansável pela vida, por justiça
e igualdade.
Marielle
Franco, nascida e crescida na Maré – região que figura entre as
de menor IDH do Rio de Janeiro. Mulher que sonhava um futuro
diferente, para si e para sua gente, daquele que a sociedade reserva
para pessoas de sua cor, gênero e CEP.
Marielle,
estudante secundarista que não teve aula de física em sua escola e
que ralou por dois anos em um cursinho comunitário para passar no
vestibular. Que teve uma amiga morta por uma “bala perdida” perto
de sua casa e começou a atuar na luta por direitos humanos.
Marielle,
que teve uma filha aos dezenove anos, se separou do marido por ter
passado por violência, se formou na faculdade, foi assessora
parlamentar, coordenou comissões, fez mestrado e se tornou
vereadora.
É
desta mulher gigante que estamos falando. De uma história de luta e
superação que dá esperança à enorme parte da sociedade
brasileira que tem sua existência reduzida, inviabilizada ou
aniquilada para garantir o pacto de exclusão em que vivemos.
Conheci
Marielle no final de 2017, no encontro Ocupa
Política,
em BH. Mediei uma mesa em que ela participou, sobre radicalização
da democracia, e ainda me lembro da força de seu relato sobre o
trabalho que faziam no mandato: assembleias com mulheres, prestações
de contas em praças, rolezinhos na câmara de vereadores, projetos
de leis construídos com a sociedade.
Há
quem diga que defensores dos direitos humanos defendem bandidos.
Marielle mostrava a falácia dessa frase: ela defendia que as leis
fossem cumpridas; os processos penais, respeitados. E se empenhava em
combater violências de todos os lados, apoiando
igualmente familiares de policiais assassinados.
Há
dois dias, foram presos dois acusados do assassinato de Marielle –
um policial militar reformado e um ex-policial. Um deles é vizinho
de Jair Bolsonaro. Sua
filha namorou um dos filhos do presidente.
O outro já
foi fotografado abraçado
com o presidente.
Pode
ser coincidência, mas a relação do clã Bolsonaro com milicianos
vai muito além. Flávio Bolsonaro já prestou
homenagem a
membros do Escritório do Crime e empregou
a mãe e a mulher
de um miliciano foragido em seu gabinete. Quem não está cego de
ódio já entendeu quem de fato defende bandidos.
Já
sabemos que quem apertou o gatilho foi o vizinho do presidente, mas a
questão mais importante não foi resolvida: quem contratou o
serviço? Porque não há democracia possível se a disputa política
se dá na bala, na emboscada.
Assassinaram
Marielle, mas não sua luta, expressa na importância de mulheres e
pessoas negras ocuparem as instituições. Hoje ela é a semente de
uma sublevação que já deu as caras nas eleições de 2018.
No Rio de Janeiro, três
ex-assessoras da vereadora foram eleitas deputadas estaduais. Talíria
Petrone, que era sua companheira de luta, foi eleita deputada
federal. Em Minas, Áurea Carolina foi a 5ª deputada federal com
maior votação. Andreia de Jesus, advogada
popular que trabalhou boa parte da vida como empregada doméstica,
foi eleita deputada estadual.
Todas
elas são mulheres negras. Todas elas lutam, como Marielle, por uma
democracia de fato, em que todas as pessoas, independentemente de
classe, cor, gênero e orientação sexual, tenham condições dignas
de vida e oportunidades semelhantes.
Um
ano antes de ser brutalmente assassinada, Marielle deu uma entrevista
a Beatriz Pedreira, do Instituto Update. Ao final, respondeu a
algumas perguntas de bate-pronto: Um medo? Cair.
Um sonho? Me manter firme.
Seria preciso ouvir esta frase todos os dias, para termos sempre
presente que, para tanta gente nesse país, se manter firme é um
sonho.
Você
está firme, Marielle, nas sementes que brotam, na força que você é
dentro dos que lutam por uma vida melhor.
Fonte Outras Palavras