A manifestação prevista para domingo não será mais uma. Deixará marcas profundas, triunfando ou fracassando. O Brasil ficará perigosamente dividido
Por Juan Arias
A anunciada manifestação para o domingo, 26 de maio, dos seguidores do presidente Jair Bolsonaro contra os que teriam transformado esse país em “ingovernável” poderá ter consequências difíceis de se calcular.
Cresce o medo sobre os resultados dessa marcha sobre Brasília para defender o “mito”
que se sente encurralado pelos que pretendem impedi-lo de realizar a
missão que Deus lhe encomendou de devolver ao país corrompido sua pureza
perdida. Medo que começou a preocupar até políticos de seu partido e muitos que votaram nele e hoje se sentem assustados e tentam dissuadi-lo dessa manifestação chamada de “marcha da loucura”.
E eu acredito que não existem precedentes na história das democracias
mundiais de um Governo que cinco meses após sua eleição e que deveria
viver sua lua de mel decide mobilizar o país em sua defesa ao se sentir
sitiado pelos que, segundo ele, tentam impedi-lo de governar.
As manifestações, normalmente, são organizadas pelas oposições para
exigir que as promessas de suas campanhas eleitorais sejam cumpridas.
Curiosamente, no Brasil, até agora, a oposição parece na verdade muda e
desunida contra um Governo que se apresenta incapaz de entender o que a
sociedade pede dele.
Não é de se estranhar que a manifestação que está sendo organizada nas redes sociais
pelas hostes mais aguerridas e violentas de Bolsonaro seja batizada
também como “a marcha do medo”. Parece que de repente os demônios foram
liberados e se fala sem pudor de “incendiar Brasília”, de “fechar o
Congresso e o Supremo Tribunal Federal”, que seriam a grande meretriz da política. Há até um general da reserva, Luiz Eduardo Rocha Paiva,
que acha natural que se não deixarem Bolsonaro governar “estaríamos
dispostos a pegar em armas para defender a liberdade e a justiça”,
incitando a uma guerra civil. Curiosamente o general destoa da atitude
de moderação que até agora demonstrou o restante de seus colegas
militares.
Essa ideia de incendiar os outros poderes que dividem com o
presidente a liderança e governabilidade do país nos faz lembrar como,
já entre os romanos, imperadores como Nero usaram da artimanha de
provocar incêndios de verdade, como o que destruiu meia Roma, para jogar
sua responsabilidade sobre seus supostos inimigos.
No caso de Nero, o imperador aproveitou o incêndio de Roma para
acusar os cristãos de sua autoria, considerados como inimigos do
Império. Conhecemos os resultados: aqueles cristãos, dentre os quais
estavam os apóstolos, Pedro e Paulo, foram martirizados, queimados na
fogueira, crucificados e jogados aos cachorros para que fossem devorados
vivos.
É difícil encontrar no Brasil precedentes de uma alucinação
semelhante à que esse Governo vive, que vê por todos os lados inimigos e
intrigas para derrubá-lo antes ainda de ter iniciado seu caminho. É
difícil encontrar no passado um clima de política baseado na
negatividade, na raiva e no ódio, como se de repente o Brasil e os
brasileiros tivessem se transformado em monstros irreconhecíveis e
inimigos de seu próprio país.
É difícil encontrar um grupo político tão apaixonado pela força das
armas em guerra contra inimigos imaginários. Sua bandeira é a da
desconfiança e da caça aos que não se ajoelharem diante de seus novos
preceitos mortificadores de liberdades, que pretendem calar os que
tentam ver o mundo e a vida com olhos que não sejam os seus.
A manifestação prevista para 26 de maio não será mais uma. Deixará
marcas profundas, triunfando ou fracassando. O Brasil ficará
perigosamente dividido. No caso de o Governo conseguir encher as ruas do
país gritando contra os pilares que hoje sustentam a democracia, não é
difícil prever que os conflitos se agravarão. Seria um passaporte para
que um Governo autoritário imponha suas leis com mão de ferro.
E se fracassar? Se não forem capazes de mobilizar mais gente do que o fizeram os jovens estudantes,
e se não conseguir ser pacífica? Nesse caso, o mito Bolsonaro deveria
ter a grandeza de admitir seu fracasso, de renunciar e passar o comando a
alguém que seja capaz de reunificar um país cada dia mais perigosamente
cético da política e da democracia.
Existe o perigo real de que essa guerra ideológica e essa
desconfiança nas regras democráticas também acabem arrastando o país a
uma crise econômica que quebraria a já martirizada caravana de milhões
de pobres e desempregados que acabam sendo sempre o alvo das loucuras
dos que deveriam protegê-los.
Fonte El País
NA PRIMEIRA VISITA DE BOLSONARO AO NORDESTE TERÁ PROTESTO
Cinco meses após o início de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro
(PSL) faz nesta sexta-feira (24) sua primeira visita oficial à região
Nordeste como presidente da República.
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