O Fundeb, vital fundo para o ensino público, está em risco: com validade até o próximo ano, pode ser extinto pelo governo Bolsonaro. É preciso discutir (e entender) o financiamento da educação — ou milhares de escolas podem fechar as portas
Por Cleo Manhas
Com o sinal vermelho ligado no que diz respeito ao financiamento da
Educação, é importante entender de onde vêm os recursos que mantém a
política de ensino no país. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb),
por exemplo, é um dos mais importantes instrumentos de sustentação da
educação básica. Aprovado em 2006, fruto da luta do movimento social, a
validade do Fundeb é somente até dezembro de 2020, o que precisa ser
revisto com urgência.
Neste momento, há propostas em tramitação no
Congresso Nacional com a intenção de perenizar o Fundeb. São elas, a PEC
24/2017, PEC 65/2019 e PEC 15/2015, esta última já está sendo analisada pela
Comissão Especial na Câmara dos Deputados, as duas primeiras estão no Senado
Federal. Caso não se aprove a sua ampliação ou perenização, a educação básica
estará em sérios riscos, pois estados e municípios não têm autonomia financeira
para arcar com os custos. Se a União não aportar o principal, a educação pública será
uma mera lembrança, antes mesmo que consigamos a tão sonhada qualidade.
O que diz a Constituição
O financiamento da Educação, a partir da
Constituição Federal (CF) de 1988, passou a sofrer menos intempéries, visto que
o legislador garantiu o mínimo necessário, ou seja, 18% para a União e 25% para
Estados e Municípios.
Além disso, no artigo 211, parágrafo primeiro, está dito que “A
União organizará o sistema federal de ensino e financiará as
instituições de ensino públicas, federais e exercerá, em matéria
educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir
equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade
do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios.”
O que significa isso de fato? 18% e 25%
sobre o que?
A CF estabelece em seus artigos de 157 a 162,
que o sistema tributário deve ser partilhado pelas esferas de governo, visto
que no Brasil é o governo federal quem mais arrecada. Desta forma, parte da
arrecadação da União é transferida para Estados e Municípios e parte da
arrecadação dos Estados é transferida aos Municípios. Esses repasses são feitos
para diminuir o impacto das grandes diferenças de arrecadação e para aumentar o
poder de investimento de Estados e Municípios, levando em consideração que a
União arrecada aproximadamente 70% dos tributos, os Estados perto de 25% e os
Municípios em torno de 5%.
Sistema tributário e Educação
No Brasil há três categorias de tributos, impostos, taxas e
contribuições. Os impostos são muito importantes, pois, por meio deles, o
governo obtém recursos que custeiam quase todas as políticas
públicas. As taxas são tarifas públicas cobradas para fornecimento de
algum serviço, tal como documento, ou segunda via de certidões e
passaportes, por exemplo. As contribuições de melhoria são cobradas do
contribuinte que teve, por exemplo, seu imóvel valorizado por alguma
benfeitoria. E as contribuições sociais e econômicas, de competência da
União. As sociais são para cobrir gastos da Seguridade Social e as
econômicas para fomentos de certas atividades econômicas.
Para o cálculo dos 18% garantido para a União custear a educação, são
computados apenas os impostos, conforme estabelecido pelo parágrafo 212
da CF, que diz que a União aplicará nunca menos de 18% e os Estados e
Distrito Federal e os Municípios, nunca menos que 25% da receita
resultante dos impostos e transferências constitucionais. E, ainda neste
mesmo artigo, está dito que o ensino fundamental terá o acréscimo da
contribuição social do salário-educação, recolhidos pelas empresas (a
emenda 53 de 2006 modificou isso, acrescentando as outras etapas de
ensino).
A fórmula de cálculo é a seguinte: só após os
repasses obrigatórios para os fundos de participação de Estados e Municípios
(FPE e FPM), e depois, dos Estados para os Municípios, é que as porcentagens
são retiradas do bolo restante. Isso ocorre para não haver dupla contabilização.
Os recursos transferidos
são destinados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), conforme o
disposto no artigo 212 da CF, regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDB). As atividades suplementares, tais como merenda, uniformes,
dinheiro direto na escola são financiados com outros recursos administrados
pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com recursos
provenientes, dentre outras fontes, do salário-educação, recolhido pela União,
que repassa uma parte para Estados e Municípios.
O que significa a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)? O que está dentro disso?
Apesar de vaga, a
expressão MDE diz respeito a ações específicas, que focam diretamente o ensino.
Ações estas especificadas pela LDB, artigo 70. São elas:
· Remunerar e aperfeiçoar os profissionais da educação;
· Adquirir, manter, construir e conservar instalações e equipamentos necessários ao ensino (construção de escolas, por exemplo);
· Usar e manter serviços relacionados ao ensino tais como alugueis, luz, água, limpeza etc.
· Realizar estudos e pesquisas visando o aprimoramento da qualidade e expansão do ensino, planos e projetos educacionais.
· Realizar atividades meio necessárias ao funcionamento do ensino como vigilância, aquisição de materiais…
· Conceder bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas.
· Adquirir material didático escolar.
· Manter programas de transporte escolar.
Outras fontes de financiamento
Além dessas receitas, há outras fontes, tais
como o salário-educação, que é recolhido das empresas, sobre o cálculo de suas
folhas de pagamento. Essa receita é dividida entre União, Estados e Municípios.
Quem arrecada a contribuição é o INSS, que fica com 1% a título de
administração e repassa o restante para o FNDE, que desconta 10% e divide os
90% da seguinte forma:
A União fica com um terço dos recursos mais os
10% do FNDE. Os outros dois terços dos 90% ficam com Estados e Municípios, em
razão direta ao número de matrículas de cada ente federado, de acordo com o
censo escolar do ano anterior.
Além do salário-educação, o FNDE possui verbas
oriundas de outras contribuições sociais. O Fundo desenvolve alguns projetos
importantes, por exemplo: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Brasil Alfabetizado, Apoio ao
Atendimento à Educação de Jovens e Adultos (Fazendo escola/PEJA) e Programa
Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate).
Fundeb em risco
Os fundos — o Fundef, criado em 1996 para manutenção e
desenvolvimento do ensino fundamental, e o Fundeb, substituindo o
anterior a partir de 2007 e visando à educação básica como um todo —
representam uma tentativa de racionalização do gasto educação. Podemos
dizer que além da vinculação de recursos, conforme explicado acima, há a
subvinculação.
A transição do Fundef para o Fundeb significou
o aumento da complementação da União aos fundos estaduais, de R$ 492 milhões,
em 2006, para cerca de R$ 14 bilhões, em 2019. Neste ano, estima-se um aporte
total para o fundo de aproximadamente R$ 150 bilhões, sendo a principal fonte
de recursos para a educação básica no Brasil.
Como sempre houve um subfinanciamento da
educação, ao Fundeb foram acrescidos novos recursos, como os oriundos do IPVA,
por exemplo, que ampliou o financiamento, mas ampliou também o número de alunos
atendidos, não equacionando, ainda, a questão do sub-financiamento.
O cálculo do Fundeb também é feito de acordo com o número de
matrícula na educação básica pública de acordo com os dados do último
censo escolar, feito anualmente. Dividi-se o montante pelo número de
matriculados para se obter o valor aluno e em seguida repassar aos
Estados e municípios a parte que cabe a cada um. Aqueles que não
atingirem o valor mínimo por aluno deverão ter complementação da União.
Já se verificou que a União, em muitos momentos, subdimensiona o custo
por aluno para não ter de efetuar a complementação para os diversos
estados que não conseguiriam atingir o piso.
Fonte Outras Palavras