Trumps, bolsonaros e dutertes estão agora em toda parte. Sua ascensão não é fortuita. Em fase de hiperconcentração de riquezas, capitalismo precisa destroçar democracia e instalar, no palco da política, palhaços que distraiam a plateia
Outras Palavras
Por George Monbiot
Há
sete
anos, o comediante
Roty Bremner reclamou
que os políticos tinham
se tornado tão chatos
que poucos mereciam ser imitados. “Atualmente
eles
são muito
parecidos
e sem graça…
É como se o caráter
fosse considerado
uma
obrigação”, disse
ele.
Hoje sua profissão tem o problema oposto: por
mais afiada
que
seja a sátira,
é
uma batalha
dar conta da
realidade. O
universo
político,
tão sombrio
e cinzento
há alguns anos, é agora povoado
por inacreditáveis
exibicionistas.
Os
palhaços assassinos estão tomando
o poder
em todo lugar.
Donald
Trump,
Boris
Johnson, Jair
Bolsonaro, Narenda Modi, Nigel
Farage, Narendra Modi, Jair Bolsonaro, Scott Morrison, Rodrigo
Duterte, Matteo Salvini, Recep Tayyip Erdoğan, Viktor Orbán e
uma
horda de outros ridículos homens fortes – ou fracos, como tantas
vezes se
revelam
– dominam nações que no
passado os teriam
posto
para
fora da cena aos risos.
A questão é: por que?
Por que os tecnocratas que reinaram
em quase
todos os lugares há alguns anos estão
dando
lugar a bufões
extravagantes?
As
mídias sociais, incubadoras de absurdos, são por certo parte da
história. Mas embora venham sendo feitos vários bons trabalhos
investigando os meios, tem havido surpreendentemente poucos pensando
sobre os fins. Por que razão o
poder econômico,
que até recentemente usava seu dinheiro e seus
jornais
para promover políticos sem carisma, está
agora financiando esse circo? Por que o
capital desejaria
ser
representado pela média gerência num
dia e
no
dia seguinte,
por bobos da corte?
A
razão, penso, é que a natureza do capitalismo mudou. A força
dominante nos anos 1990 e começo dos 2000 – do poder corporativo –
demandava um governo tecnocrático. Queria pessoas que pudessem gerir
um Estado competente e seguro e ao mesmo tempo proteger os lucros de
mudanças democráticas. Em 2012, quando Bremner fez sua queixa, o
poder já estava mudando para um lugar diferente, mas a política não
o havia alcançado.
As
políticas que deveriam favorecer
o
empreendimento
– redução
de impostos
para os ricos, redução
dos mecanismos
de
proteção
pública, destruição
os sindicatos – estimularam,
ao contrário, uma
poderosa espiral de acumulação
de riqueza patrimonial.
As
maiores fortunas são agora criadas
não mais pelo
brilho empresarial mas por meio da herança, do
monopólio e do
rentismo:
garantindo
o controle
exclusivo de ativos cruciais como terra e imóveis, serviços
privatizados e propriedade intelectual, e
montando
monopólios
de estruturas
tais
como
mega-sites
de venda,
plataformas
de software
e de mídia social, para
cobrar
taxas muito mais altas do
que
os custos de produção. Na Rússia, as pessoas que enriquecem dessa
maneira são chamadas de oligarcas. Mas é um fenômeno global. O
poder
corporativo de
hoje é
superado – e
está se transmutando – em poder oligárquico.
O
que os oligarcas desejam não é o mesmo que as velhas corporações
desejavam. Nas palavras
de seu teórico favorito, Steve Bannon, eles procuram a
“desconstrução do Estado
administrativo”. O
caos é o multiplicador de lucro para o capitalismo
de desastre no
qual
prosperam
os novos bilionários. O
caos de um Brexit que não consegue sair do papel, os repetidos
descalabros
e paralisações
do governo Trump: essas
são as
variedades de
desconstrução
previstas
por
Bannon. À medida em
que
implodem
as
instituições, as
leis
e o
controle democrático,
os oligarcas ampliam seu
poder e
riqueza, às nossas custas.
Os
palhaços assassinos oferecem aos oligarcas uma outra coisa também:
diversão e despiste.
Enquanto os cleptocratas nos
assaltam,
somos
levados
a olhar
para outro lado.
Ficamos hipnotizados por bufões que nos estimulam
a canalizar a raiva, que deveria estar
reservada aos bilionários, para
imigrantes, mulheres, judeus, muçulmanos, negros
e
outros inimigos imaginários e bodes expiatórios de
sempre.
Exatamente
como foi
nos anos 1930, a nova demagogia é uma
fraude,
uma revolta contra os impactos do capital financiada
pelos capitalistas.
Os
interesses dos oligarcas estão sempre fora
do território:
em paraísos fiscais e regimes
secretos.
Paradoxalmente, esses interesses são mais bem promovidos por
nacionalistas e xenófobos.
Os políticos que
proclamam seu
patriotismo e defesa da soberania com
maior estridência são
sempre os primeiros a vender suas nações. Não por
coincidência a maioria dos jornais que promovem a agenda
chauvinista,
incitando o ódio contra imigrantes
e trovejando sobre soberania, é
propriedade
de exilados fiscais bilionários que
vivem
no exterior.
Assim
como a vida econômica, a vida política foi transferida para longe.
As regras políticas para
evitar que dinheiro estrangeiro financiasse a política doméstica
entraram
em colapso. Os
maiores beneficiários são os autoproclamados defensores da
soberania, que subiram ao poder com ajuda de anúncios nas mídias
sociais comprados por pessoas desconhecidas, e think tanks e lobistas
que
se recusam a revelar quem são seus financiadores. Um ensaio
recente dos acadêmicos Reijer Hendrikse e Rodrigo Fernandez
argumenta que as finanças em
paraísos fiscais envolvem
“a desagregação e mercantilização
implacável da soberania do Estado”
e
a transferência de poder a um espaço legal secreto e
extraterritorial, além do controle de qualquer Estado.
Nesse mundo dos
paraísos fiscais,
afirmam
eles, “o
capital
global financeirizado
e hipermóvel
tornou-se
efetivamente Estado”.
Os
bilionários de hoje são os reais cidadãos
do nada. Eles fantasiam, como os plutocratas do
terrível romance
A
Revolta de Atlas
(Atlas
Shrugged no
original),
de Ayn Rand, sobre uma
nova escapatória.
Veja
o empreendimento “seasteading”
(“apropriação do mar”, em tradução livre), financiado pelo
fundador do PayPal, Peter Thiel, que pretendia construir ilhas
artificiais no meio do oceano, cujos cidadãos poderiam decretar
uma fantasia
hiperliberal
de fuga do Estado,
leis, impostos, e direitos
sociais.
É
raro passar
um mês sem que um bilionário levante a possibilidade de deixar
completamente a Terra e colonizar
cápsulas
espaciais
ou outros planetas.
Aqueles
cuja identidade está fora
do território só
querem viajar para mais
longe.
Para eles, o Estado-nação ao mesmo tempo
facilita e onera, impõe
impostos e é fonte
de riqueza, reserva de mão-de-obra barata e massa fervilhante de
plebeus ingratos de quem devem fugir, deixando os deploráveis
terráqueos à mercê de seu merecido destino.
Defender-nos
da oligarquia significa
taxá-los ao
máximo.
É fácil enganchar-se em discussões sobre que nível
de taxação maximiza a geração de receita pública.
Há discussões infindáveis sobre a curva
de Laffer, que pretende mostrar onde fica esse nível. Mas essas
discussões ignoram algo crucial: aumentar a receita do
Estado é
apenas um dos objetivos dos impostos. Outro é romper a espiral de
acumulação da riqueza patrimonial.
Fazê-lo
é uma necessidade
democrática: de outro modo os oligarcas, como vimos, acabarão
por dominar a vida nacional e internacional. A espiral não para por
si mesma: somente a ação governamental pode fazê-lo. Esta é uma
das razões por que, durante os anos 1940, a alíquota máxima
do imposto de renda
subiu a 94% nos EUA e a 98% no Reino Unido. Uma sociedade justa
requer correções periódicas nessa escala. Mas hoje,
os impostos mais altos seriam
mais eficazes se
destinados à
riqueza não acumulada.
Claro,
o mundo
de paraísos fiscais que
os bilionários criaram torna essas políticas extremamente difíceis:
afinal, esse é um de seus objetivos. Mas ao menos sabemos qual
deveria ser a meta, e podemos começar a enxergar o tamanho do
desafio. Para lutar por alguma coisa, precisamos antes entendê-la.
Fonte Outras Palavras
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