“Nos poucos meses de governo, seu rastro de destruição está espalhado. A fumaça que cobriu o céu de São Paulo, também poderia ser nomeada de ‘Bolsonaro’. Das universidades às políticas ambientais nada escapa à sua ferocidade”
Por Berenice Bento
As
palavras falham. Como definir uma experiência coletiva, que diz
respeito a todo um país, mas que não encontramos palavras para
produzir sentidos compartilhados? Bolsonaro é uma experiência.
Alguns o chamam de “louco” ou “perverso”. Logo depois, lemos
um texto que diz que não podemos utilizar categorias diagnósticas
da psicanálise ou da psiquiatria para qualificá-lo porque seria uma
forma de reproduzir o estigma que marca corpos e subjetividades
historicamente estigmatizadas. Chamá-lo de louco é contaminar “os
loucos” com a sua presença.
“Ele é um fascista!” Pouco depois, ouetro artigo retrucará: não
podemos fazer uma análise presentista de uma experiência histórica
datada. O fascismo precisa de uma massa organizada, projeto
nacionalista, identidade política sólida e outras características que
faltam ao homem que defeca em dias intercalados para contribuir com o
meio ambiente.
A
busca por definições não param: “Ele é neofascista!”; “Ele
é um sintoma de uma sociedade que ainda se organiza nos marcos da
Casa Grande e Senzala”. As disputas interpretativas não param.
Será
que estamos diante de um tipo de experiência política abjeta? O que
define o abjeto? A falta de inteligibilidade, o que escapa, sobra ou
falta. O que não tem linguagem. Temos nos referido ao “abjeto”
(principalmente nos estudos das sexualidades e gênero dissidentes)
para definir as experiências corpóreas excluídas da matriz de
inteligibilidade do humano: o intersexo, as experiências trans, a
bruxa e tantas outras corporalidades que tiveram (e têm) suas
humanidades negadas.
Bolsonaro
é a encarnação do Presidente Estrada Cabrera, personagem do livro
Memória do Fogo, de Eduardo Galeano. Diante do desespero da
população que escuta apavorada o estrondo do vulcão Santa Maria,
ele assina um decreto em que afirma que não existe nenhum vulcão em
erupção e que a festa prevista deve acontecer. Bolsonaro, tal qual
Estrada, legisla contra a realidade. Para que universidade pública,
demarcação de terras indígenas, políticas de preservação do
meio?
Bolsonaro
é uma experiência de dor.
Nos poucos meses de governo, seu rastro de destruição está
espalhado. A fumaça que cobriu o céu de São Paulo, também poderia ser
nomeada de “Bolsonaro”. Colegas gestores de políticas que trabalham nos
Ministérios em Brasília tentam, nos marcos da biopolítica (políticas de
cuidado da população) fazer alguma resistência. Afirmam, em tom
confidencial, que o clima é sufocante. A fumaça está em todos os
lugares. A ignorância daqueles que ocupam posições de chefia, combinada
com a escassez intencional de recursos para a implementação de políticas
públicas fundamentais voltadas para populações pobres, têm levado
alguns colegas à depressão e/ou a repensar suas vidas profissionais. Das
universidades às políticas ambientais nada escapa à ferocidade do homem
que se refere aos governadores nordestinos como “paraíbas”.
A
catástrofe da Amazônia outra vez nos colocou diante da figura de
presidente inominável. O que dizer diante do olhar de desespero dos
animais que fugiam do fogo, das imagens do rio de cinzas em que se
transformou milhares de quilômetros da floresta? O homem que ama o
torturador Ustra culpa as ONGs e faz comentários machistas sobre a
Brigitte Macron, esposa do presidente da França.
A
devastação do incêndio me levou aos escombros da Alemanha pós
Segundo Guerra Mundial. Roberto Rosselline, no seu clássico
“Alemanha, ano zero”, nos apresenta a luta contra todos os tipos
de miséria pelo olhar oco de uma criança que perambula por Berlim
na caça pela sobrevivência.
Será
que o Brasil está vivendo seu ano zero? Não sei. Tenho certeza,
contudo, que teremos que construir e reconstruir o que o inominável
está destruindo. Depois dele é possível que tenhamos novos termos
para nomear o abjeto na política, que um novo léxico político
esteja sendo construído. Talvez seu nome torne-se outro significante
para dor. Ao dizer Bolsonaro uma náusea tome conta de quem
pronunciou e de quem ouviu este nome e um vômito coletivo seja a
resposta imediata para o outro nome que a morte cruenta assumirá.
Fonte Outras Palavras