Escancarada a crise do golpe e da cultura capital, a Corte Suprema tem também o desafio de se libertar da presunção de que a política é corrupta, algo tão real quanto a presunção de que o STF sempre foi um grande balcão de negócios.
GGN Jornal de Todos os Brasis
Por Armando Rodrigues Coelho Neto*
Golpe é golpe, seja com tanque ou caneta, como diz o ex-ministro da
Justiça José Eduardo Cardozo. Pouco importa que o político Romero Jucá o
trate apenas por “grande acordo nacional” com Supremo, com tudo. Se
“tudo” inclui as covardes Forças Armadas – que nem nacionalistas são
(exceções silentes?). Golpe é golpe, ainda que calhordas o tratem pela
lógica elementar do “juridiquês”, e dê o nome oficial de impeachment.
Dilma caiu porque houve votos, Lula é condenado porque tem sentença,
Bozo é presidente porque teve votos. Tudo com fraude!
O golpe está em crise existencial porque ator pornô não iria
combinar mesmo com o azul e rosa da ministra que já viu Jesus na
goiabeira. O mesmo Jesus que pode não ter deixado Janot matar Gilmar
Mendes, mas não impediu que procuradores da República tripudiassem da
morte da mulher e do neto do Presidente Lula. Escapou aos olhos de Jesus
a queda do avião de Teori Zavascki e as falcatruas do Marreco de
Maringá – o qual levou Lula sem provas para a cadeia, desempregou
milhões de brasileiros, carrega nas costas cadáveres até de um reitor
que foi impedido de entrar numa universidade…
Não, leitor. Não se sinta agredido em sua fé. Posso concluir que
Jesus nada tenha a ver com isso, que tudo é consequência do naufrágio do
capitalismo mundial, que sem resposta às questões sociais, promove
golpes.
Não sei quem nasceu primeiro, se a ganância ou capitalismo. Talvez
isso seja apenas variação sobre o mesmo tema. O capitalismo em sentido
absoluto vive da ganância, da estimulação ao consumo ainda que por vezes
desnecessário, e que muitos adoeçam, se pervertam, se marginalizem
impedidos de consumir. Ainda que, se para ser é preciso ter, muitos se
lancem à aventura do ter, mesmo que fora da lei: seja na rua escura, na
bolsa de valores ou sonegando impostos.
Mas, se o capitalismo é o sistema que prosperou no mundo, mesmo que
para poucos, é dele que, paradoxalmente se espera resposta. Quem cria a
crise não tem solução para ela?
Golpe é pró ou contra o capital. Como o capital não pode ser
responsabilizado, é preciso criminalizar a ameaça ao capital mundo
afora. O capital tem medo de voto. Recorre a ele para alternar o poder
entre seus detentores. Faz concessão fora dos seus quadros para quem tem
votos, mas com prazo de validade. No Brasil, é como se o prazo
concedido a Lula tivesse perdido a validade.
O capital traz a raiz da corrupção e, portanto, não é ela que
incomoda o capital. A corrupção é boa quando lubrifica economias, no
dizer pretensamente crítico da OCDE. Às vezes, corrupção e capital
precisam ser limpinhos e cheirosos, mesmo só de aparência, como na Suíça
que guarda grande parte do dinheiro roubado no mundo, inclusive de boa
parte da elite brasileira. A corrupção só é ruim quando configura ameaça
a própria corrupção capital. É isso que está em jogo.
Corrupção e moralidade, no Brasil, são desculpas esfarrapadas. Lula é
conflito capital: por ter votos, precisa ter sua imagem destruída, ser
preso se necessário, como o foi, para dar suporte à fraude eleitoral de
2018. Eis a razão pela qual Lula está preso.
A crise do capital está exposta no mundo. Como não se pode discutir
os males do capital, é preciso culpados, apelar para saudosismo e
valores sociais ultrapassados. Deus não protege o capital ou distribui
riquezas quando mulheres violam a bíblia, homossexuais subvertem
famílias, inferiores desafiam a autoridade. Fantasias e realidade
misturam alhos e bugalhos, criminalidade, desemprego. O importante é
discutir cocô dia sim dia não, jovens que não sabem lavar o pênis, se
conge é com gê ou com jota.
A crise existencial do golpe está na Suprema Corte, cujo conflito
sempre foi tentar manter as aparências do próprio golpe. Para ela, ter
votos de parlamentar, ter sentença (mesmo viciada), ter voto popular
(fraudado), ter um “presidente” ajudou a manter aparências.
Mais que isso, o STF se deu por satisfeito ao votar conforme a
opinião pública, formada pelo Marreco de Maringá e seus asseclas, em
conluio com a mídia. A Corte aceitou os demônios fabricados por
salvadores da Pátria messiânicos, mesmo que encarnados em fedelhos da
Farsa Jato. Não faltaram cabelos brancos, como disse um certo Aras. O
que faltou foi vergonha, dignidade, patriotismo, empatia social,
compromisso com uma sociedade democrática e justa.
Fato: o Ministério Público Federal se converteu num covil de
criminosos (exceções à parte). Depois de fraudar processo, sonegar
direitos de Lula, finge zelo e imparcialidade ao “interceder” em favor
deste.
O mesmo MPF que matou biografias, hoje assaca ministros do STF, cujo
desafio é votar conforme a Constituição ou preservar aparências,
ratificando patifarias. Verdade na rua, o Marreco de Maringá
desmoralizado mundo afora, já não dá pra fingir legalidade, criar
gambiarras jurídicas para manter Lula preso. Vai aplicar a lei ou
escrever novo capítulo no Direito Penal do Lula, sobre o qual descrevi
neste GGN? [aqui]
Escancarada a crise do golpe e da cultura capital, a Corte Suprema
tem também o desafio de se libertar da presunção de que a política é
corrupta, algo tão real quanto a presunção de que o STF sempre foi um
grande balcão de negócios. Pode, porém, presumir ser correta nem uma
coisa nem outra. A Constituição não prevê presunção de culpa e sim de
inocência. Políticos e juízes têm histórias, biografias e nomes a zelar.
Soa estúpido que o STF, em detrimento da presunção de inocência e
falta de provas, movido pela presunção de culpa aceite que Lula, o
“chefe da maior quadrilha do país”, tenha se vendido por pedalinhos, um
apartamento numa praia brega que “só olhou”, uma reforminha num sítio.
Tudo muito aquém do patrimônio de qualquer magistrado daquela Corte.
O Ministério Público caiu na lama e puxa o STF. Deixou uma herança
maldita para a Corte: má-fé, conivência, promiscuidade, alinhamento
absoluto ao fascismo e a selvageria capital em detrimento da miséria do
povo brasileiro. A Corte precisa se desvencilhar não só dessa herança,
mas também da pressão popular fabricada pela Farsa Jato e dos conselhos
de um general quase moribundo. Precisa, sobretudo, optar pela lei e pelo
justo. É o que se espera.
*Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.
Fonte Jornal GGN
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