Ao redor do Papa Francisco, Lula, Alberto Fernández e Evo Morales são os líderes de um novo projeto político-espiritual que está nascendo na América Latina. Baseado no amor e nos pobres, ele contrapõe-se ao projeto de ódio e opção pelos ricos da direita e do fundamentalismo. Leia o artigo de Mauro Lopes
Brasil 247
Por Mauro Lopes
Há algo muito potente surgindo. Está em constituição um novo eixo político-espiritual na América Latina.
Não nos iludamos: não existe religião sem política. A ideia de uma
religião ou espiritualidade exclusivamente intimistas, alienadas do
mundo e da relação com as pessoas nas condições concretas em que vivem é
uma falsificação completa.
Basta olhar para as religiões, as religiosidades e os movimentos de
espiritualidade ao longo da história da humanidade. Uma leitura atenta
do Novo Testamento, por exemplo, mostra como as diferentes correntes do
judaísmo, denominadas não por acaso de "partidos" organizavam-se ao
redor de interesses muito concretos, como os saduceus, que representavam
a elite da época e os fariseus, que reuniam uma espiritualidade de
acento fundamentalista, popular, contraditória. O movimento jesuânico
apareceu, ao lado de outros, como os zelotes, com uma clara opção pelos
deserdados do sistema, pelos pobres oprimidos pelas elites locais e pela
ocupação romana. Na verdade, seria incompreensível à época falar em
separação entre política e religião, elas eram uma expressão só no
interior da sociedade de Israel. Continua assim -a separação existe para
efeitos acadêmicos e de estudo ou como estratégia narrativa esperta dos
que desejam ver seu projeto político-espiritual prevalecer.
Em seu artigo no livro "Lula e a espiritualidade: oração, meditação e
militância", Júlio Lancellotti, o padre do povo da rua apresenta um
traço de igualdade entre espiritualidade e humanização. Mas há uma
espiritualidade que representa des-humanização.
Esta constituiu-se com um proleto político-espiritual ao longo das
últimas três décadas o da extrema-direita fundamentalista. A esquerda
assistiu pasma, desconcertada e despreparada sua ascensão até que tal
projeto de tornou poder no Brasil. Ódio, opção pelos ricos, preconceitos
de toda sorte são a marca deste projeto político-espiritual.
Começa a surgir a contraposição a este projeto. Depois de anos, a
esquerda começa a refazer sua relação com o tema da espiritualidade. É o
que temos testemunhado ao olhar para a cela de Curitiba onde está
aprisionado Lula. Ao longo dos meses, emergiu uma espiritualidade
explícita e complexa, que acena um novo projeto para o país e a América
Latina.
A carta de Lula de congratulação a Alberto Fernández e Cristina
Kirchner pela vitória na Argentina é exemplar neste sentido e deve ser
lida quase como um mamnifesto do novo eixo político- espiritual que está
surgindo na América Latina, com repercussões mundiais.
Ele terminou assim o texto, datado desta terça (29):
“Boa sorte pra você e Cristina. Que Deus mantenha seu Amor na ajuda
ao povo pobre da Argentina. Que o Papa Francisco siga ajudando o querido
povo argentino".
Nestas curtas frases estão condensadas as linhas deste novo eixo, que
se contrapõe ao projeto político-espiritual da
direita-fundamentalistas: Amor (em vez de ódio) e caminho com os pobres
(em vez dos ricos).
São três os líderes políticos de nossa região que assumem o
protagonismo deste novo eixo: Lula, Alberto Fernández e Evo Morales. Os
três têm como referência o Papa Francisco.
A relação entre Lula e o Papa desenvolveu-se de maneira consistente,
forte, durante esses tempos de prisão. Fernandéz é amigo de Francisco
desde muito antes deste virar Papa. quando era ainda apenas Bergoglio. E
a relação Francisco-Evo é de uma ternura patente. Há um tom filial na
amizade do presidente boliviano com o Papa, e ela se desenvolveu ao
longo dos três encontros mundiais de movimentos populares que o Papa
promoveu, entre 2014 e 2016 -o segundo deles aconteceu em Santa Cruz de
la Sierra, na Bolívia.
Lula, Fernandéz e Evo Morales, unidos e ao redor de Francisco, são os líderes fundantes deste novo eixo político-espiritual.
Há algo muito novo surgindo diante de nossos olhos.
Creio que nosso livro sobre a espiritualidade de Lula surge
num momento propício e é, talvez, o primeiro registro deste tempo
histórico nascente.
Fonte Brasil 247