Presidente do órgão, general João Carlos de Jesus Corrêa investiga indenizações, diante dos “indícios de irregularidades” praticadas por servidores; família do procurador cedeu mais de 36 mil hectares para a reforma agrária e recebeu a maior bolada, R$ 37 milhões
Foto principal: Deltan Dallagnol,
paladino da luta contra a corrupção; desmatamento em Nova Bandeirantes.
(Agência Brasil/Greenpeace)
O Conselho Diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) abriu em maio um procedimento para investigar
irregularidades na desapropriação dos imóveis que constituem a Fazenda
Japuranã, em Nova Bandeirantes (MT), em região de floresta na Amazônia
Legal. Entre os beneficiários da megadesapropriação estão pelo menos 14
parentes de Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato em
Curitiba. Entre eles o pai do procurador da República, o ex-procurador
Agenor Dallagnol. Somente a família de Deltan recebeu R$ 36,9 milhões em
dezembro de 2016, durante o governo Temer, diante da desapropriação de
pelo menos 37 mil hectares no município, no noroeste do Mato Grosso.
O presidente do conselho e do Incra, general João Carlos de Jesus Corrêa, definiu no dia 10 de maio,
em uma resolução, o bloqueio dos bens depositados e apontou “indícios
de irregularidades nos atos praticados por servidores públicos”. A
decisão envolve uma área exata de 36.792 hectares, declarados de
interesse social para fins de reforma agrária, ainda em 2013, e uma
indenização total de R$ 41 milhões. A reportagem identificou que a maior
parte desse valor foi destinada à família Dallagnol. Em uma das ações,
capitaneada por uma tia do procurador, aparecem os 14 membros da família
e outros fazendeiros da região interessados no desmembramento de suas
terras.
De Olho nos Ruralistas pesquisa desde outubro a teia que envolve os
latifúndios dos Dallagnol no Mato Grosso. Em uma série de dez
reportagens, o observatório conta como boa parte da família do
procurador se moveu para Nova Bandeirantes, em meio a um processo de
colonização estimulado pela ditadura de 1964. Confira aqui o índice dos
textos: “Desmatamento, disputa por terras, desapropriação ilegal: o que está por trás dos latifúndios dos Dallagnol na Amazônia?“. Alguns ainda irão ao ar.
Um estudo da Unicamp mostra que o clã chegou a ter 400 mil hectares
somente naquele município, ocupado nos anos 80. Outras reportagens
informam como esse processo está relacionado ao desmatamento, entre
outras irregularidades protagonizadas ou defendidas pelo clã – uma
família recheada de advogados e procuradores. Um resumo inicial foi
publicado pelo observatório em edição da revista CartaCapital.
PRESIDENTE DO INCRA QUER BLOQUEAR GASTOS COM AS TERRAS
O Incra não atendeu aos pedidos de entrevista. Mas a resolução em
maio se refere à identificação de irregularidades nas ações de
desapropriação celebradas na sede do próprio órgão. Entre as 14 ações,
quatro motivaram depósitos. Segundo o general, de acordo com as
manifestações técnicas e pronunciamentos jurídicos foi feito um parecer
em 2018, ainda durante o governo Temer, portanto, que orientou “pela
reanálise dos atos administrativos praticados posteriormente ao
ajuizamento das ações de desapropriação”. E pela suspensão das ações,
“até que seja realizado o levantamento ocupacional do imóvel e sua
interferência no valor de mercado”.
O presidente do Incra determinou ainda “tornar insubsistentes todos
os atos administrativos realizados após o ajuizamento das ações de
desapropriação” relativas aos imóveis da gleba Japuranã. E solicitar à
Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra o peticionamento, em
juízo, “pela suspensão de todas as ações de desapropriação dos imóveis
Japuranã”, “e o bloqueio do quanto depositado, até que o Incra conclua
os levantamentos necessários para fins de apuração do justo preço de
cada imóvel”. O documento solicita ainda à Corregedoria Geral do Incra
que “instaure os procedimentos cabíveis, considerando a existência de
indícios de irregularidades nos atos praticados por servidores
públicos”.
Jesus Corrêa é um general de brigada e foi nomeado para presidir o Incra em fevereiro deste ano, pelo presidente Jair Bolsonaro. Confira o documento, com os destaques feitos pelo observatório:
FAMÍLIA RECEBEU PELO MENOS R$ 37 MILHÕES POR DESAPROPRIAÇÕES
Figuram na lista dos beneficiados pelas desapropriações os avós
paternos de Deltan Dallagnol, Sabino e Mathilde Rovani Dallagnol, e os
pais dele, o procurador de Justiça aposentado do Paraná Agenor Dallagnol
e Vilse Salete Matinazzo Dallagnol, além de irmãos de Agenor (tios de
Deltan) e seus sobrinhos (primos de Deltan). A ligação exata do
procurador com seus parentes no Mato Grosso foi confirmada com o auxílio
do Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP), da Universidade Federal do
Paraná. Confira a lista dos beneficiados:
- Agenor Dallagnol -> Pai de Deltan. Mora em Curitiba. Recebeu R$ 8,8 milhões.
- Xavier Dallagnol -> Tio de Deltan, irmão de Agenor. É quem cuida da parte jurídica da face agropecuária da família. Mora e tem escritório em Cuiabá.
- Leonar Dallagnol -> Tio de Deltan, irmão de Agenor. Conhecido na Gleba Japuranã como Tenente. É ele quem controla as terras da família na região.
- Maria das Graças Prestes -> Mulher de Xavier, tia de Deltan. É o nome que encabeça a ação principal, com 25 interessados nas desapropriações. Recebeu R$ 1,6 milhão por uma desapropriação.
- Ninagin Prestes Dallagnol -> Filha de Xavier e Maria das Graças, prima de Deltan. É a recordista em valor de desapropriação, com R$ 17 milhões. Advogada, trabalha no escritório do pai em Cuiabá.
- Belchior Prestes Dallagnol -> Irmão de Ninagin. Recebeu R$ 9,5 milhões pela desapropriação.
Agenor Dallagnol, portanto, recebeu cerca de 1/4 do total das
indenizações relativas às desapropriações na área. Aqueles R$ 8,8
milhões foram pagos, em dezembro de 2016, no primeiro ano do governo
Michel Temer. No mesmo dia, foram liberados, segundo o Portal da
Transparência, ao menos R$ 36,9 milhões de indenizações do Incra para
integrantes da família do procurador. Cerca de 3/4 do total, quase R$ 27
milhões, foram para Ninagin e Belchior, filhos de Xavier Leonidas
Dallagnol – o líder de fato das desapropriações.
Dos 25 citados na principal ação de desapropriação da área, ao menos
14 fazem parte da família Dallagnol. Pelo menos um deles, o patriarca
Sabino Dallagnol, já faleceu. Alguns ainda não tiveram as indenizações
liberadas – pelo menos até onde a reportagem conseguiu alcançar. Outro
nome listado na principal ação, Maria Osmarina Campestrini, é amiga da
família.
Essa “lista dos 25” tem ainda uma espécie de “núcleo Fabris”,
referente à família de Euclides Fabris, um fazendeiro radicado no Mato
Grosso do Sul. E, assim como Sabino, já falecido. Oito entre os 25 na
ação principal pertencem a esse clã, que estende sua sede territorial
até o Paraguai. De Olho nos Ruralistas contará ao longo da semana a
história desses personagens secundários – mas tão interessados nas
indenizações em Nova Bandeirantes quanto os parentes de Deltan
Dallagnol.
Segundo a resolução, o Incra ajuizou 14 ações de desapropriação, mas “com o depósito inicial em somente quatro ações”.
DISPUTA JUDICIAL OCORRE DESDE 1996
O processo de desapropriação da gleba Japuranã, em Nova Bandeirantes
(MT), tramita sem solução desde 1996. De um lado, 425 famílias lutam
pelo reconhecimento formal de seu direito de permanecer na terra onde
trabalham e produzem há mais de vinte anos, em uma área de 66,9 mil
hectares – equivalente ao tamanho de Bahrein, país do Oriente Médio, e
maior que Singapura, na Ásia. De outro, um grupo de antigos
proprietários, boa parte deles ligada ao clã Dallagnol, disputa com o
Incra qual o valor a ser pago.
O confronto fica mais complexo a cada dia. Atualmente, é difícil
saber com clareza quem são os responsáveis por melhorias que aumentariam
o valor da indenização a ser paga aos antigos donos. Isso sem contar a
própria valorização que os proprietários têm em outras terras na região
por conta do loteamento da área.
Agenor Dallagnol, sua mulher Vilse Salete e irmãos dele – como
Veneranda (junto com o marido, Aglacir Sperança, dono de um escritório
de contabilidade em Cuiabá), Leonar, Eduardo Carlos, Eliseu Eduardo e
Xavier Leônidas – são sócios de terras na gleba. É um universo de
latifundiários e de formados em Direito. A começar por Xavier, o
advogado dos interesses da família na região, inclusive de Agenor.
Eliseu, também advogado, aparece apenas como parte nos processos.
Iolanda Dallagnol Caovilla, moradora de Renascença (PR), cidade próxima a
Pato Branco, onde nasceu Deltan, também é uma das partes. A única das
irmãs identificadas de Agenor que não consta no processo é Derci
Dallagnol Bassani, também moradora de Renascença.
Eduardo Carlos Dallagnol, conhecido como Zuki, foi citado pelo sobrinho Deltan em conversas no Telegram publicadas pelo The Intercept Brasil
e pela Folha de S. Paulo no dia 14, sobre a tentativa do procurador de
montar uma empresa junto com Roberson Pozzobom, seu colega no Ministério
Público Federal em Curitiba, em nome das esposas, para ganhar dinheiro
com a repercussão da operação Lava Jato.
Eles conversaram, segundo o Intercept, no fim de 2018. “Vamos
organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de
aproveitar no networking e visibilidade”, escreveu Deltan Dallagnol. O
tio Zuki é dono da Polyndia, empresa organizadora de eventos de
Curitiba. “Eles [Polyndia] podem oferecer comissão pra aluno da comissão
de formatura pelo número de vendas de ingressos que ele fizer”, afirmou
o procurador. “Isso alavancaria o negócio. E nós faríamos contatos com
os palestrantes pra convidar. Eles cuidariam de preparação e promoção,
nós do conteúdo pedagógico e dividiríamos os lucros”.
Tia de Deltan, Adriana Vaz Dallagnol, também é sócia da Polyndia. E
igualmente interessada nas desapropriações na Amazônia. Dos eventos à
floresta.
No norte do Mato Grosso, Nova Bandeirantes está localizada no Portal
da Amazônia, região da Amazônia Legal, a 2,5 mil quilômetros da cidade
natal de Deltan e de Curitiba, onde ele trabalha atualmente. É um dos
principais focos do desmatamento do país nos últimos anos.
O município,
emancipado de Alta Floresta no início dos anos 1990, começou a ser
formado a partir de 1982, em um processo de ocupação comandado pela
empresa Coban, do empresário Daniel Meneghel, ainda durante a ditadura
militar. Daniel e o irmão Serafim são empresários no Paraná. Em
setembro, durante a campanha eleitoral, o general Hamilton Mourão,
atual vice-presidente da República, viajou de carona em um avião dos
empresários, ligados também à União Democrática Ruralista (UDR), com o
atual secretário de política agrária, Nabhan Garcia e o ex-governador do
Paraná Beto Richa (PSDB).
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Fonte DE OLHO NOS RURALISTAS
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