A burrice também é incapaz de aceitar o próprio erro, transferindo a culpa para o outro. Ou, diante de um questionamento, foge da autocrítica, dizendo que outra pessoa ou partido também faz a mesma coisa. A burrice não pede desculpa.
Por Leonardo Sakamoto
Confesso que tenho cada vez menos paciência para casos patológicos de
burrice violenta. Aquela que não fica no seu cantinho, mas mostra os
dentes e morde.
Antes de prosseguir, vale o aviso: burrice não é a falta de um
conhecimento específico. Um camponês de uma comunidade isolada pode não
saber navegar na internet. Mas duvido que você saiba produzir alimento a
partir da terra como ele. É impossível saber sobre tudo e a beleza de
estar em sociedade é a complementaridade dos saberes, a ponto de
precisarmos uns dos outros para sobreviver.
Burro também não é
quem separa sujeito e predicado por vírgula. Muita gente não entende
isso e desvaloriza a opinião do outro por não compartilhar dos mesmos
padrões de fala ou do mesmo universo simbólico. Algumas das pessoas mais
sábias que conheci são iletradas. E alguns dos maiores idiotas têm
doutorado. Significa que os iletrados são melhores que os doutores? Não.
Então, o contrário? Também não. Pois é burrice achar que usar ou não a
norma culta da língua é condição para participar do debate público.
Trato
aqui da burrice de quem menospreza o conhecimento, seja ele qual for,
chegando a odiar quem o detém ou quem busca aprendizado.
Da
burrice prepotente e apressada, que xinga um texto ou vídeo na rede sem
ter consumido nada além de seu título ou visto o nome do autor ou
autora. E, diante das críticas sobre a superficialidade desse
comportamento, rosna, dizendo – no melhor estilo Donald Trump – que tudo
o que é importante pode ser escrito em uma linha ou um tuíte. Ou que
acredita que um produto é ruim simplesmente por não ter ido com a cara
do rótulo.
O burro é aquele que vê seu preconceito violento como sabedoria.
Essa
burrice, montada na soberba, pensa que já sabe de tudo a ponto de
tachar os que discordam de sua visão de mundo como mal informados,
comprados ou manipulados sem apresentar dados e fatos que corroborem a
crítica. Ou tenta calar as vozes diferentes da sua por encarar a
dissonância como ruído e não como música.
Pois a burrice sempre tenta destruir o conhecimento que ameaça jogar luz sobre ela própria.
Antes,
se alguém me mostrasse uma imagem de pessoas enlouquecidas em torno de
montanhas de livros em chamas, eu me lembraria de ”Fahrenheit 451”, de
François Truffaut (1966). No filme, livros são proibidos, sob o
argumento de que tornam as pessoas infelizes e improdutivas. Quem lê é
preso e ”reeducado”. Se uma casa tinha livros, ”bombeiros” eram chamados
para queimar tudo.
Hoje, se me mostrassem uma imagem assim, logo
me perguntaria: onde foi desta vez? Algum grupo fundamentalista
islâmico, cristão, judeu ou budista? Interior dos Estados Unidos?
Neonazistas europeus? África? Coreia do Norte? China? São Paulo, Rio ou
uma grande cidade brasileira?
No dia 10 de maio de 1933, montanhas
de livros foram criadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O
regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os
escritos que desviassem dos padrões impostos. Centenas de milhares
queimaram até as cinzas. Einstein, Mann, Freud, entre outros, foram
perseguidos por pensarem diferente da maioria. A Alemanha ”purificou
pelo fogo” as ideias imundas deles, da mesma forma que, durante a
Contra-Reforma, a Santa Inquisição purificou com fogo a carne, o sangue e
os ossos daqueles que ousaram discordar de sua interpretação da bíblia.
A
burrice também é incapaz de aceitar o próprio erro, transferindo a
culpa para o outro. Ou, diante de um questionamento, foge da
autocrítica, dizendo que outra pessoa ou partido também faz a mesma
coisa. A burrice não pede desculpa.
Pois a burrice de um indivíduo acha que é absolvida pela burrice de outro indivíduo ou do coletivo.
Nesta
semana, a página de um grupo de extrema direita fez uma enquete entre
seus seguidores, questionando quem eles ”jamais” votariam para
presidente. Muitos interpretaram mal a pergunta e responderam o inverso,
em quem votariam. Até aí, tudo bem. Quem nunca?
Então, os
administradores da página informaram várias vezes sobre o erro de
interpretação. O que fizeram os seguidores? Culparam o grupo por ter
feito uma pergunta ”errada”. A certa seria a pergunta de sempre, sem a
inversão do ”jamais”, ou seja, aquilo que não levasse à reflexão. Neste
caso, pensar foi visto como um erro e tratado como tal.
A burrice
não aceita a existência de outra versão que interprete os fatos além da
sua. É incapaz de reafirmar sua visão e, ao mesmo tempo, conviver com
análises divergentes. Enxerga a opinião alheia como ”notícia falsa” não
por desconhecer a diferença entre formatos de textos narrativos e
opinativos, mas por não admitir o conteúdo. A burrice de alguns
seguidores de políticos que não aceitam a existência de divergências
ocorre da direita à esquerda, ou seja, não é monopólio de ninguém.
Isso
só vai ser resolvido com a qualificação do debate público. De acordo
com o sociólogo Bernard Charlot, um saber só tem valor e sentido por
conta da relação que ele produz com o mundo. Quando o debate público for
mais qualificado, a pessoa se sentirá mais motivada a procurar se
informar melhor e de maneira mais plural a fim de conviver com seus
pares nas redes sociais ou mesmo na vida offline.
Ler coisas com
as quais concordamos e com as quais não concordamos é um primeiro passo.
Ler fontes de informação que não sejam anônimas, ou seja, que se
responsabilizam pelo que divulgam, é outro. Preferir fontes que baseiam
seus relatos em provas e não em suposições ou teorias da conspiração.
Que são gostosas, mas burras.
A escola deve promover debates e
reuniões para que todos entendam que tipo de mensagem estão passando a
seus filhos – ainda mais neste ano eleitoral. Dois pais ou duas mães que
defendam o voto em um candidato X e dois pais ou duas mães que defendam
o voto em um candidato Y podem ser convidados para apresentar seus
pontos de vista para os alunos em uma turma, de forma respeitosa. Pois a
aprender como fazer a discussão de valores com respeito a ideias
divergentes é tão importante quanto absorver conhecimento técnico.
Quando uma escola fecha os olhos a isso, transmite uma ideia. Em outras
palavras, o silêncio não é neutro.
A opinião pública e parte dos
intelectuais alemães se acovardaram ou acharam pertinente o fogaréu
nazista descrito acima, levado a cabo por estudantes que apoiavam o
regime. Deu no que deu. Hoje, vemos muitos se acovardarem diante de
ondas burras, intolerantes e violentas frente ao conhecimento. Não, não
estou comparando nossa sociedade com a nazista. Apenas dizendo que a
burrice pode ser atemporal. E universal.
Como sempre digo: falta amor no mundo, mas falta interpretação de texto. E calmante na água de muita gente.
Fonte Blog do Sakamoto
“Os livros hoje em dia, como regra, são um montão de amontoado de muita coisa escrita. Tem que suavizar aquilo.” As palavras do presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro (sem partido), ganharam grande repercussão nas redes sociais e na imprensa nos últimos dias. O bolsonarismo, que ironicamente promove um escândalo sobre um suposto “partidarismo” no ensino, pode, na prática, tentar impor sua ideologia radical como única na educação brasileira.
“Os livros hoje em dia, como regra, são um montão de amontoado de muita coisa escrita. Tem que suavizar aquilo.” As palavras do presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro (sem partido), ganharam grande repercussão nas redes sociais e na imprensa nos últimos dias. O bolsonarismo, que ironicamente promove um escândalo sobre um suposto “partidarismo” no ensino, pode, na prática, tentar impor sua ideologia radical como única na educação brasileira.
https://www.facebook.com/antoniocavalcantefilho.cavalcante
A burrice também é
incapaz de aceitar o próprio erro, transferindo a culpa para o outro.
Ou, diante de um questionamento, foge da autocrítica, dizendo que outra
pessoa ou partido também faz a mesma coisa. A burrice não pede
desculpa.... - Veja mais em
https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2018/03/10/o-orgulho-de-ser-burro-mostra-que-o-poco-nao-tem-fundo-no-brasil/?cmpid=copiaecola