Moro é mais perigoso para a democracia brasileira do que Bolsonaro. Mas é evidente que nenhum dos dois tem escrúpulos. Nenhum dos dois respeita a Constituição. Nenhum dos dois tem qualquer pudor de violar normas e o Estado de Direito para satisfazer interesses políticos ou pessoais.
Por Marcio Sotelo Felippe, advogado e foi procurador-geral do Estado de São Paulo. É mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP
Sergio Moro
é um homem honrado. Convocou a imprensa para anunciar que deixava o
Ministério da Justiça porque o presidente da República queria interferir
ilegalmente na Polícia Federal.
Quando juiz da Lava Jato, determinou a quebra do sigilo telefônico de Lula
e suspendeu a medida às 11h13 do dia 16 de março de 2016. Mas às 13h32
do mesmo dia a escuta ainda era feita e captou uma conversa do
ex-presidente com a presidenta Dilma Rousseff. Nesse momento, o sigilo
telefônico de Lula estava garantido pela Constituição, mas o então juiz
remeteu a gravação à Globo e ali terminou, de fato, o mandato da
presidenta da República. Mas Sergio Moro é um homem honrado.
Às 6 da manhã do dia 4 de março de 2016, a Polícia Federal chegou à casa de Lula para conduzi-lo coercitivamente a Curitiba
por determinação do juiz Sergio Moro, que queria um espetáculo público
de humilhação do ex-presidente. Os artigos 218 e 260 do Código de
Processo Penal somente autorizam a condução coercitiva quando o réu não
atende ao chamado para interrogatório ou quando a testemunha, intimada,
não comparece. Lula não era réu e nem havia sido intimado. Mas Sergio
Moro é um homem honrado.
Sergio Moro condenou o candidato à frente nas pesquisas com uma
sentença que não tinha qualquer base fática razoável, criticada por
juristas de todo mundo, mutilando as eleições presidenciais. Mas Sergio
Moro é um homem honrado.
Quando se descobriu que a Odebrecht fazia doações ocultas ao
Instituto Fernando Henrique Cardoso e os procuradores da Lava Jato
sugeriram investigar apenas para aparentar isenção, Sergio Moro impediu
com o argumento de que não convinha “melindrar alguém cujo apoio é
importante”. Mas Sergio Moro é um homem honrado.
Sergio Moro violou os mais triviais deveres de imparcialidade e isenção de um juiz, como soubemos pelas revelações da Vaza Jato. Conspirou com a acusação e a dirigiu em muitos momentos. Mas Sergio Moro é um homem honrado.
Sergio Moro confessou que, ao aceitar ser ministro, pediu uma pensão
para sua família caso morresse. Artigo 317 do Código Penal: “solicitar
ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Como não se consegue
vislumbrar algum motivo para essa vantagem ser devida, somos pelo menos
autorizados a cogitar corrupção passiva, exatamente o crime pelo qual
condenou Lula. Mas Sergio Moro é um homem honrado.
Moro quis aprovar um pacote punitivista,
com ranço de fascismo, que superlotaria o já bárbaro sistema prisional
que abriga quase um milhão de presos. Usou, entre outros argumentos, o
de que medidas populares traziam capital político para a reforma da
previdência. Mas Sergio Moro é um homem honrado.
Essa breve recapitulação aponta em tese para os crimes de violação de
sigilo telefônico, abuso de autoridade, prevaricação, corrupção passiva
e um maquiavelismo rasteiro. Mas Sergio Moro é um homem honrado.
Sergio Moro assumiu o Ministério da Justiça de um presidente
fascista, racista, defensor da ditadura e que tem como ídolo um homem
que enfiava ratos e baratas em vaginas de mulheres. Sua mulher afirmou
em fevereiro deste ano que Bolsonaro e Moro são “uma coisa só”. Se ela, que priva da intimidade dele, pensa isso, como podemos nós duvidar? Mas Sergio Moro é um homem honrado.
Kennedy Alencar escreveu em um tuíte que Moro é mais perigoso para a
democracia brasileira do que Bolsonaro. Não sei exatamente o fundamento
do jornalista. Mas é evidente que nenhum dos dois tem escrúpulos. Nenhum
dos dois respeita a Constituição. Nenhum dos dois tem qualquer pudor de
violar normas e o Estado de Direito para satisfazer interesses
políticos ou pessoais. Mas Sergio Moro é um homem honrado.
A diferença é que Bolsonaro atenta contra a democracia sem esconder
que atenta contra a democracia. Vai às portas dos quartéis discursar em
atos que pedem a volta da ditadura. Moro atenta contra a democracia
passando-se por um homem honrado. Por campeão da moralidade. Por herói
da probidade. A diferença entre Bolsonaro e Moro é a que existe entre
quem aponta um revólver à luz do dia e aquele que na calada da noite
apunhala a vítima adormecida. Ou a diferença entre um membro da SS e uma
espécie de Iago, o ardiloso personagem do Mouro de Veneza. Mas Sérgio
Moro é um homem honrado.
O que houve na sexta-feira, 24 de abril, foi o primeiro lance da
campanha eleitoral de 2022. O cavalo passou selado. Era o momento de se
descolar da figura desgastada de Bolsonaro, prestes a sofrer um processo
de impeachment, ridicularizado mundialmente, com o peso da morte de
milhares de brasileiros nas costas pela sua negativa insana da pandemia.
Moro não abandonou a magistratura para ser por algum tempo ministro de
um homem que desprezava, que humilhou publicamente em uma lanchonete de
aeroporto, e depois voltar a ser um homem honrado comum .
Moro tem um projeto de poder e é também o projeto de poder dos sonhos
da direita, do mercado, da Globo, porque não traz, diferentemente de
Bolsonaro, efeitos colaterais. Um hipotético presidente Moro teria
enfrentado a pandemia ao modo de Doria, que passou de alguém que
maltrata morador de rua a herói da saúde pública. Se o programa da
direita, o projeto neoliberal, tem que ser executado por um psicopata
alucinado, que seja, eles aceitam. Paciência. Mas se puder ser por
alguém que tem a esperteza e o cálculo de ostentar virtudes públicas e
republicanas ao mesmo tempo em que viola todas elas, muito melhor. Por
um homem honrado.
MARCIO SOTELO FELIPPE é advogado e foi procurador-geral do Estado de São Paulo. É mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP
Fonte Revista Cult
Falecido Paulo Henrique Amorim (Falecido em 10/07/19), com relação a Moro no governo Bolsonaro. E pasmem, prevendo o que iria acontecer.
Falecido Paulo Henrique Amorim (Falecido em 10/07/19), com relação a Moro no governo Bolsonaro. E pasmem, prevendo o que iria acontecer.