sexta-feira, 29 de maio de 2020

ESCANCARA-SE O PROJETO MILICIANO DE BOLSONARO


No desejo de armar seus correligionários, transformando adversários em alvos, a intenção de liquidar a democracia. Para isso, presidente relaxou leis sobre venda de armas, ofereceu privilégios a clubes de tiro e exonerou general que se opôs 




Por Almir Felitte

Desde o início dos cursos de direito, aprendemos que a Administração Pública deve obedecer ao Princípio da Impessoalidade. Isso significa dizer, de forma bem resumida, que a Administração Pública deve agir sempre na defesa do interesse público, e não de interesses privados. Assim, não é permitido que um governo use a máquina pública para defender interesses individuais, beneficiar aliados ou perseguir rivais. Esse Princípio da Impessoalidade parece simplesmente não existir para Jair Bolsonaro.

Mas as interferências do Presidente na máquina estatal vão muito além das claras investidas contra a independência da Polícia Federal nas investigações que atingem em cheio sua família e suas estranhas relações com milicianos.

10 dias antes de Moro deixar o Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de tentar intervir nestas investigações, outra interferência grave do Presidente já havia virado notícia. Em seu Twitter1, Bolsonaro anunciava, em recado para “atiradores e colecionadores”, que havia determinado, nas palavras dele, “a revogação das Portarias COLOG Nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”.

Essas Portarias editadas pelo Comando Logístico do Exército tratavam da criação do SisNaR, o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército, além de estabelecer regras para os PCE (Produtos Controlados pelo Exército). Em resumo, elas tinham o objetivo de fortalecer o controle logístico de armas e munições no país, melhorando o rastreamento das mesmas, facilitando, por exemplo, investigações sobre crimes cometidos com armas. Assim, atendiam plenamente as funções garantidas pelo Estatuto do Desarmamento, uma lei de hierarquia superior a qualquer Decreto editado por Bolsonaro.

Mas a interferência de Bolsonaro não ficou apenas na ordem de revogar as portarias. O episódio foi além e culminou na exoneração do General Eugênio Pacelli Vieira Mota, diretor de Fiscalização de Produtos Controlados e responsável pela edição da portaria contestada pelo Presidente da República. Embora o Exército tenha dito, oficialmente, que sua saída já era programada, Pacelli deixou uma carta de despedida que não parecia dizer o mesmo.

A carta2, de modo quase irônico, dizia: “Nossos empresários e industriais do ramo de PCE tem suas parcelas de colaboração neste trabalho modernizador. Muito obrigado! Aliás, desculpe-me se por vezes não os atendi em interesses pontuais… não podia e não podemos: nosso maior compromisso será sempre com a tranquilidade da segurança social e capacidade de mobilização da indústria nacional”.

O ocorrido despertou a atenção do MPF, que investiga a possível interferência ilegal de Bolsonaro no Exército. Para a Procuradora Raquel Branquinho3, que aponta que a revogação das Portarias facilita ao crime organizado o acesso a munições e armas desviadas, Bolsonaro teria agido de forma inconstitucional, podendo levar a uma improbidade administrativa ou até mesmo a um inquérito no STF. Para tornar tudo ainda mais suspeito, dias depois, já exonerado, o General Pacelli teria, em tempo recorde, redigido um parecer autorizando uma nova norma que triplicava o limite de compra de munições no país.

O curioso, porém, é que, ao olhar um pouco mais para trás, esta talvez não tenha sido a primeira interferência no Exército para a defesa de interesses privados da cúpula do Governo Bolsonaro. Outra Portaria referente ao controle de armamentos e munições pelo Exército já foi alvo de estranhas revogações que, ao que tudo indica, atenderam aos mesmos interesses privados deste último caso.

A Portaria Nº 125, também do COLOG4, publicada em 22 de outubro de 2019, teve uma vida curta, de apenas 17 dias. Ela dispunha “sobre a aquisição, o registro, o cadastro e a transferência de armas de fogo de competência do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas e sobre aquisição de munições”. Na base eleitoral de Jair Bolsonaro, o sentimento espalhado pelas redes sociais foi de insatisfação entre os chamados CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores), que reclamaram muito do aumento da burocracia para a aquisição de armas e munições por este grupo.

Em sua página oficial5, um deputado estadual do PSL, Ruy Irigaray, manifestou seu “total repúdio e indignação a Portaria 125”, afirmando que “General Neiva, responsável pelo COLOG, é quem assina essa portaria que reflete a falta de respeito ao povo brasileiro que votou nas eleições de 2018 a favor do porte de armas, do porte esportivo e dos CACs, principais apoiadores do presidente Jair Messias Bolsonaro”.

No mesmo caminho, Alexandre Leite, deputado federal pelo DEM-SP, chamou a Portaria 125 de “ato autoritário” e “bola nas costas”6. Horas depois, tranquilizou os CACs ao informar que o DFPC do Exército entrara em contato com ele para explicar que tudo era apenas um mal-entendido causado por erros de digitação7.

Mas os “simples erros de digitação” demoraram longos 17 dias para serem corrigidos com a nova Portaria 136, publicada em 8 de novembro8. As mudanças realizadas, porém, foram muito maiores do que qualquer erro de português. A nova Portaria, que revogou a antiga, manteve a maior parte de seu texto, mas trouxe alterações profundas nos dispositivos que tratavam justamente dos CACs.

Algumas mudanças trazidas foram, por exemplo, o aumento da validade da autorização para aquisição de arma de fogo de 180 dias para 1 ano e a abertura de brechas para que a quantidade de armas e munições adquiridas por esse grupo pudesse superar o limite previsto no recente Decreto 9.846/19 assinado por Bolsonaro. Outras excluíram exigências formais para CACs adquirirem armas de uso restrito, reduzindo declarações de entidades esportivas nacionais a meras declarações do próprio comprador.

Ao todo, em relação à Portaria 125, a Portaria 136 adicionou 9 dispositivos que não existiam na anterior e alterou outros 9, sendo que nenhuma dessas mudanças referiu-se a meros “erros de digitação”. Foram todas mudanças substanciais do conteúdo da lei, comemoradas publicamente pelos CACs. Difícil crer que, após pressão política e recados diretos à base eleitoral de Bolsonaro, a edição de uma nova Portaria tão diferente da antiga tenha sido mera correção.

Dias depois da publicação da nova Portaria, em 21 de novembro, o General Carlos Alberto Neiva Barcellos, então Comandante Logístico, foi transferido para a reserva e exonerado de seu cargo, sendo designado para assumir o cargo de Conselheiro Militar na Conferência do Desarmamento em Genebra9.

Estas movimentações todas, porém, ganharam um ingrediente explosivo e preocupante nos últimos dias. Entre crimes e imoralidades, a publicação do vídeo da reunião ministerial na semana passada revelou, ainda, um plano nem tão oculto assim de Bolsonaro. O Presidente foi direto ao falar de seu interesse em armar parcelas da população contra as instituições democráticas e em demonstrar que seus Decretos regulando o setor tinham esse objetivo.

Conforme falei na minha coluna anterior10, parece ser antigo o sonho da família Bolsonaro em importar o modelo de milícias privadas dos EUA para o Brasil. Há anos, aliás, membros dessa família, incluindo o próprio Jair, defendem publicamente a legalização desse tipo de atividade paramilitar. Uma atividade que, aliás, só se tornou possível nos EUA diante de legislações tão frouxas no que diz respeito ao controle de armamento.

As frequentes interferências do Presidente para a edição de normas que facilitem o acesso privado a armas e munições levantam uma forte suspeita de que Bolsonaro usa descaradamente a máquina pública para seus projetos pessoais de poder, seja para favorecer grupos políticos armamentistas que compõem sua base eleitoral, seja com um ainda obscuro objetivo de formar milícias privadas de extrema-direita.

Notas:










Fonte Outras Palavras


NÃO DEVE SER NADA FÁCIL TER GRITADO AOS QUATRO CANTOS "EU NÃO TENHO BANDIDO DE ESTIMAÇÃO" E DESCOBRIR QUE TEM UMA MILÍCIA INTEIRA... FORÇA, BOZOLINOS TROUXAS!