No pensamento de Francisco, uma advertência: guardai a Natureza e os mais pobres da fúria do capitalismo — e se evitará a catástrofe. Para isso, mais que fé e cúpulas políticas, aposta na poética dos movimentos sociais para buscar soluções…
Outras Palavras
Por Roberto Malvezzi (Gogó)*
Nunca na história a correlação entre economia e ecologia foi tão
clara e perturbadora. Nesse momento de covid-19, as autoridades
sanitárias do mundo inteiro nos orientam a permanecer em casa (Oikós)
para não expandirmos a disseminação do vírus e nos contaminarmos como
pessoas. Por outro lado, premidos pelas necessidades básicas do
cotidiano, muitas pessoas não têm seu sustento garantido e arriscam a
própria vida para sair em busca do pão de cada dia.
Siamesas, literalmente oikós-nomia significa “as normas da casa”
e oikós-logia o “estudo detalhado da casa”. Mas, no seu
conteúdo, economia é o abastecimento da casa e ecologia é o
cuidado com o ambiente como fonte desse abastecimento. No mundo
grego, o oikós originalmente não era apenas a casa, mas a unidade
básica produtiva de uma família ampliada, inclusive com seus
escravos.
Francisco na Evangelii Gaudium nos diz, sem meias tintas,
que essa oikós-nomia mata (N. 53). Ele se refere à economia capitalista
contemporânea, baseada na acumulação de riquezas pelo capital, que
pressupõe a exploração desenfreada e sem regras dos trabalhadores e
trabalhadoras, além da destruição compulsiva e criminosa da natureza. O
capital não tem limites, a vida humana e a natureza têm.
As políticas desesperadas e violentas de Bolsonaro e Donald Trump
nos confirmam que a humanidade vai atingindo seu pico numa crise
civilizacional. A verdade é que os detentores das riquezas e dos poderes
já sabem que esse tipo de sociedade não tem como perdurar para sempre.
Então, restam duas alternativas: ou muda o modelo de civilização, ou há
uma violenta redução da humanidade para sustentar o padrão de vida das
elites mundiais. Na elite a opção já está feita e, por isso, os Estados
Unidos não estão preocupados com a morte de 100 mil pessoas, como
Bolsonaro não está preocupado com a morte de 30 mil pessoas, podendo ir a
mais de 100 mil também até agosto. Mas, pela covid, a natureza manda um
recado que imporá limites ao ser humano.
Então, há um porém, e sempre há um porém. Ainda há humanistas
na face da Terra que não se conformam com a eliminação de grande
parte da humanidade e com a acumulação ilimitada do capital. Até
gente de concepção liberal já entendeu essa matemática. É
possível uma vida simples e digna para todos os humanos e uma
convivência mais harmoniosa entre a eco-logia e a eco-nomia. Esse
também é o 11º mandamento bíblico para o ser humano: cultivar
(economia) e guardar (ecologia) a natureza (Gênesis 2,15).
Esse é o desafio que começa a ser posto para o mundo pós-pandêmico
por Francisco. Teremos que avançar nessa harmonização e ela não
passa somente pelas cúpulas econômicas e políticas. Francisco
chama os movimentos populares de “poetas sociais”, isto é,
aqueles que, como os poetas, são capazes de extrair soluções
inventivas e fantásticas como que do nada. Assim também nos exige
de ouvir os povos originários e os povos tradicionais. Do povo
criativo e marginalizado do sistema global virá grande parte das
soluções.
Na semana em que o mundo celebrou o ambiente do qual somos parte [1 a
5 de junho], sejamos a parte inteligente do mundo, que também sente,
que também ama, que também cuida. Não nos resta outro caminho, caso
queiramos sobreviver como indivíduos e como espécie humana.
*Roberto Malvezzi (Gogó) Músico e escritor
católico. graduado em Estudos Sociais e em Filosofia pela Faculdade
Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena e em Teologia pelo
Instituto Teológico de São Paulo. Foi coordenador nacional da Comissão
Pastoral da Terra (CPT) por seis anos. Reside em Juazeiro-BA e atua na
Equipe CPP/CPT do São Francisco
Fonte Outras Palavras
A FRASE DO ANO: :
“Deus escolheu as coisas vis e desprezíveis e por isso te escolheu”,( Malafaia para Bolsonaro)