Relembramos neste mês de março, com tristeza, os sinistros acontecimentos que se sucederam no Brasil há exatos 51 anos (31/03/1964), que resultaram no deflagrar dos “anos de chumbo” e instalação do terrorismo de Estado – o período mais nebuloso e desprezível da história política nacional
Por Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery*
Relembramos neste mês de março, com tristeza, dos sinistros
acontecimentos que se sucederam no Brasil há exatos 51 anos
(31/03/1964), que resultaram no deflagrar dos “anos de chumbo” e
instalação do Terrorismo de Estado, o período mais nebuloso e
desprezível da história política nacional, quando tantos irmãos e irmãs
brasileiros foram perseguidos, presos, torturados, exilados e mortos,
simplesmente por discordarem do ditador de plantão.
Porém, há algumas malfadadas almas que ainda têm saudade daquele desditoso tempo.
No último 22 de março (um sábado), alguns desses psicopatas
saudosistas foram às ruas de nossas cidades, numa fracassada tentativa
de reedição da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” pedindo o fim
das liberdades (paradoxo perplexo-fonético), duramente conquistadas com
o sacrifício, sangue e lágrimas dos nossos concidadãos.
É bem curioso, mas na cidade de Várzea Grande há uma rua importante
que “homenageia” o golpe militar: trata-se da Avenida 31 de Março, uma
via bem esburacada, obra superfaturada, inaugurada três vezes por
sucessivos prefeitos, que consumiu milhões de recursos públicos, mas que
poucos ousam contestar o serviço mal-feito.
Todavia o “Jubileu de Ouro” (50 anos) da instauração da Ditadura
Civil-Militar no Brasil merece de nós outro enfoque, o legal e
constitucional. E o faremos com base em textos que resultaram de um
curso de mestrado recém-concluído, e que foram publicados no livro “As
Constituições do Brasil” (Ed. Boreal:SP, 2012), sob o crivo dos
professores Julio de Souza Gomes e Lívia Petelli Zamarian.
Vamos nos concentrar no que ocorreu a partir de 1967, quando os
militares entenderam que não somente a força física era necessária, mas a
adoção da Ditadura Constitucional. E o fizeram com a edição de 17 atos
institucionais, os terríveis AIs, e 104 atos complementares, estes para
“regulamentar” aqueles.
O Ato Institucional número 1, editado nove dias após o golpe militar,
retirou as garantias da vitaliciedade e estabilidade, começando a
violência contra os livres julgamentos feitos pelos juízes. Previa o
direito do ditador de alterar a Constituição do modo que lhe aprouvesse e
suspender direitos políticos por 10 anos, além de cassar mandatos
eletivos.
O Ato Institucional número 2, de 27 de outubro de 1965, tratou da
segurança nacional e o direito de impor recesso ao parlamento, além do
uso dos decreto-leis para governar. O Ato Institucional número 3 acabou
com a eleição de governadores, o número 4 convocou o Congresso para
promulgar uma constituição feita pelos militares. O Ato Institucional
número 5 proibiu o habeas corpus, implantou a censura e foi o pior
instrumento criado pelos militares.
Para se ter uma ideia, e isso tem alguma semelhança com o que ocorre
hoje no Brasil, a Ditadura queria evitar que os protestos ocorridos em
outras partes do mundo viessem a se repetir em nosso país. Corria o ano
de 1968, jovens se manifestavam nos EUA contra a Guerra do Vietnã, havia
reações populares na França pedindo melhorias na educação, enfim, as
pessoas queriam, aqui no Brasil, respirar liberdade, ter autonomia e
desejavam a união popular na luta pelos direitos civis.
Isso não agradava aos militares.
Então, o Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968,
fechou o Congresso Nacional por tempo indeterminado, proibiu
manifestações de qualquer tipo e deu ao presidente superpoderes para
governar sem oposição.
O grave é que cerceou a competência do Judiciário, lhe tirando de sua
apreciação todos e quaisquer dos atos praticados pela Ditadura, então o
tirano podia dispensar, aposentar e remover servidores públicos, se
assim entendesse necessário. O AI 5 impôs o fim das eleições sindicais, a
proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza
política, e a possibilidade de aplicação de medidas de liberdade vigiada
e proibição de freqüentar determinados lugares.
E tudo isso sem processo e, portanto, sem defesa.
Teve ainda o Ato Institucional número 6 que reduziu a competência do
Supremo Tribunal Federal (STF), o fim das eleições (pelo AI 7), os atos
secretos do presidente (via AI 8), o poder de tomar propriedades
privadas (AI 9). O governo ditatorial ainda impôs penas acessórias aos
condenados por crimes políticos (AI 10), o fim das eleições de juiz de
paz (AI 11), a expulsão sumária dos inimigos do regime (AI 13), a pena
de morte (AI 14), a exigência de ser militar para ocupar chefia de
governo (AI 15) e o Ato Institucional número 17, que mandava para a
reserva os militares que eventualmente discordassem das decisões do
chefe de governo.
A ditadura editou ainda o Ato Institucional número 12, escrita pelos
ministros da marinha, exército e aeronáutica, se auto intitulando
substitutos legais do presidente, e o Ato Institucional número 16, que
tratou do “stress” de Costa e Silva e o desejo de abandonar o cargo,
declarando-o vago. Esse AI 16 trouxe a assinatura de alguns ministros,
entre eles Jarbas Passarinho (que viria a ser ministro da Justiça no
governo Collor), Delfim Netto (economista) e Mário Andreazza, outro que
recebe homenagens com nome de obra pública (rodovia) no município de
Várzea Grande.
Por fim, resta dizer que apoiaram o golpe militar muitos
especuladores de capital, banqueiros, grandes latifundiários, segmentos
da indústria, construção civil, setores conservadores da igreja e
principalmente políticos oportunistas, fisiológicos e corruptos que
trocavam de partido independente da sua orientação ideológica. Tudo
isso, sem falar nos escabrosos esquemas de corrupção que eram
simplesmente arrastados pra debaixo do tapete. E ai daqueles que
ousassem denunciar, já que havia a supressão das liberdades de crítica e
manifestação.
O golpe militar foi financiado pelas grandes oligarquias agrárias do
Brasil (os antecessores do agronegócio), por multinacionais e com verbas
do próprio governo dos Estados Unidos.
Diante de tudo isso, ainda temos algum motivo para comemorar essa
data de tão triste memória? Cremos que não. Golpes asquerosos contra a
humanidade e ditaduras ignóbeis não se comemoram.
Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) em Mato Grosso
Visite a pagina do MCCE-MT