Hoje não tem artigo, crônica ou crítica. Tem música.
E é uma canção belíssima:
E é uma canção belíssima:
La Saeta. Fiquei arrepiado ao escutá-la pela primeira vez, na voz do nosso Fagner, em dueto com o autor Joan Manuel Serrat -outro extraordinário cantor/compositor catalão, a exemplo de Lluís Llach.
Ouça-o aqui:
Talvez porque, desde meus verdes anos, sempre me incomodasse a opulência do catolicismo oficial -- aquele dos altares, das procissões, da Inquisição e das Redentoras.
Com o tempo aprendi que não era esse o verdadeiro legado de Jesus Cristo, mas sim uma mensagem de esperança para os pobres, os humildes, os fracos, os desprotegidos, os injustiçados e os excluídos da Judeia -como destaca o douto estudioso de religiões Reza Aslan numa das exegeses mais importantes e consistentes já produzidas sobre os evangelhos, Zelota (leia uma boa reportagem aqui).
Também mexeu muito comigo a tese levantada por um dos pais da contracultura, Norman O. Brown, em seu clássico absoluto, Vida contra morte
(1959): a de que o pecado cometido pela humanidade contra o Pai já foi
purgado por milênios de calvário, sendo chegada a hora de resgatarmos a
promessa de liberdade e plenitude que o Filho trazia e foi escamoteada
por visões religiosas que preferem enfatizar os horrores da
crucificação, para tanger seus rebanhos ao conformismo.
Tudo a ver com esta canção que, comparando o calvário longínquo de Jesus ao calvário permanente dos ciganos, é uma altaneira negação do Cristo dos crucifixos (sois pecadores, arrependei-vos!) para afirmar o que andava sobre as águas (tudo podeis, libertai-vos!).
Tudo a ver com esta canção que, comparando o calvário longínquo de Jesus ao calvário permanente dos ciganos, é uma altaneira negação do Cristo dos crucifixos (sois pecadores, arrependei-vos!) para afirmar o que andava sobre as águas (tudo podeis, libertai-vos!).
Eis a letra completa de La Saeta:
Dijo una voz popular:
¿Quién me presta una escalera
para subir al madero
para quitarle los clavos
a Jesús el Nazareno?
Oh, la saeta, el cantar
Oh, la saeta, el cantar
al Cristo de los gitanos
siempre con sangre en las manos,
siempre por desenclavar.
Cantar del pueblo andaluz
Cantar del pueblo andaluz
que todas las primaveras
anda pidiendo escaleras
para subir a la cruz.
Cantar de la tierra mía
Cantar de la tierra mía
que echa flores
al Jesús de la agonía
y es la fe de mis mayores.
¡Oh, no eres tú mi cantar
¡Oh, no eres tú mi cantar
no puedo cantar, ni quiero
a este Jesús del madero
sino al que anduvo en la mar!
E aqui, a interpretação mais empolgante que dela encontrei no Youtube:
E, aos que estamos submetidos ao calvário interminável da exploração do homem pelo homem, não nos basta mais a esperança de um paraíso no além.
Queremos o paraíso agora!
Para que uma vida de verdade seja oferecida a esse povo que tanto anda atrás de qualquer alegria.
Então, os que sabemos o canto da gente, temos a sagrada missão de preparar o dia da alegria.
Fonte: Náufrago da Utopia
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A SUBVERSIVA PÁSCOA CRISTÃ
Não pode ser cristã uma Páscoa celebrada por quem se omitiu
e fechou os olhos diante de ditaduras, de torturadores, de injustiçados, com
medo de sofrer e de morrer como Jesus morreu. Não celebra a Páscoa cristã quem
se tornou insensível aos sofrimentos humanos e nada fez para denunciar a
exploração dos mais pobres pelos ricos e poderosos deste mundo (Tg 5,1-6).
De acordo com o Cimi, "em plena Semana Santa, Cristo segue seu calvário e
é crucificado junto com os Munduruku"; na foto, Adenilson Kirixi
assassinado pela PF.
"Celebrar a Páscoa cristã é
trilhar o caminho perigoso de Jesus, tornar-se subversivo com ele e como ele,
aceitando pagar o preço da perseguição, da calúnia e até mesmo da morte para
ficar do lado dos pobres e dos excluídos".
Por José Lisboa Moreira de Oliveira*
Adital
A Páscoa é uma festa típica
do hemisfério norte do nosso planeta. Suas origens remontam a antigas culturas
agrárias e pastoris que celebravam a chegada da primavera, a estação das
flores. Com a chegada da primavera no hemisfério norte o ambiente muda: o frio
aos poucos vai diminuindo, os dias se tornam mais longos, o calor aumenta, a
terra começa a brotar, produzindo flores e alimentos.
Neste contexto o movimento
de povos nômades, que deu origem ao Israel bíblico, associou a festa da Páscoa a
uma experiência de libertação. Tribos
atravessaram o rio Jordão e se instalaram na região de Canaã, a "terra
prometida” a Abraão (Ex 13,3-10). A chegada até a tão sonhada terra onde
"corria leite e mel” (Ex 3,8) foi precedida de muitas lutas contra poderes
opressores, representados pelo Egito, que pretendiam escravizar esses povos.
Nesta luta as pessoas fizeram a experiência profunda de um Deus libertador que
ouviu seus clamores, desceu, se compadeceu, tomou conhecimento de seus
sofrimentos, tomou partido e decidiu tirá-los da opressão, dando as estes
"sem-terra” um terreno fértil e espaçoso (Ex 3,7-10). Assim a festa da chegada
da primavera se tornou para estas tribos o memorialda intervenção divina, que deveria ser celebrado "como um rito permanente, de
geração em geração” (Ex 12,14).
De acordo com o
cristianismo, há cerca de dois mil anos atrás a Páscoa foi enriquecida e plenificada. Jesus, o Filho de Deus Pai,
é enviado ao mundo para trazer a boa notícia de que a libertação dos pobres e
oprimidos finalmente ia se tornar uma realidade definitiva (Lc 4,18-19). Porém,
esta sua ousadia de anunciar uma boa notícia para os pobres e oprimidos, de
anunciar a chegada definitiva do reinado de Deus, não foi bem acolhida pelo
poder religioso e político. Por esta razão Jesus foi acusado de ser subversivo (Lc 23,2), perseguido,
torturado, assassinado e colocado num túmulo. Mas, para surpresa geral de
todos, inclusive dos membros do seu grupo de discípulos e de discípulas, o
profeta Jesus não permaneceu na tumba: ressuscitou e venceu a morte. Seus
seguidores, aos poucos, foram se convertendo e se convencendo de que ele
continuava vivo no meio deles. Passaram a senti-lo bem presente e atuante na
pequena comunidade. Tal experiência deu-lhes força para perder todo e qualquer
medo e retomar a missão do Mestre, continuando a anunciar a Boa Notícia da
libertação "até os extremos da terra” (At 1,8). Aos poucos esta experiência
fantástica foi sendo associada à celebração da Páscoa, de modo que, já no tempo
das comunidades cristãs do Novo Testamento, a Páscoa passou a ser o memorial da paixão, morte e ressurreiçãode Jesus.
Esta rápida memória
histórica da Páscoa nos permite perceber que por trás deste grande evento estão
alguns elementos significativos. Em primeiro lugar a primavera, com a chegada das flores, da luz, do calor e com o
preanúncio de uma possível boa colheita. Em segundo lugar, a experiência da libertação realizada por Javé e vivida
pelas tribos que se uniram para caminhar na direção de uma terra prometida.
Nesta experiência é significativa a decisão de um deus de ficar do lado de
escravos e de sem-terra, coisa impensável no contexto de então, uma vez que
naquela época os deuses sempre estavam do lado dos grandes e poderosos. Por
fim, na plenificação da Páscoa, Jesus
se apresenta como o libertador definitivo que anuncia o projeto de Deus,
voltado de modo particular para os pobres, os oprimidos, os excluídos e os rejeitados
pela sociedade. Por esse motivo é assassinado, mas, pelo poder de Deus Pai,
rompe os laços da morte e permanece vivo, animando seus discípulos e discípulas
e convidando-os a continuarem a sua missão (Mt 28,16-20).
A Carta aos Colossenses
afirma que a pessoa cristã já vive como ressuscitada e, como tal, é convidada a
comprometer-se com ações que expressem o essencial dessa condição que é a
prática do amor ao próximo (Cl 3,1-17). Isso nos autoriza a dizer que a
celebração da páscoa cristã, enquanto memorial da paixão, morte e ressurreição
de Jesus, precisa ser traduzida em atos e gestos concretos de amor ao próximo,
distintivo único e fundamental da identidade do discípulo e da discípula de
Jesus (Jo 13,15).
Assim sendo, a celebração
da Páscoa deve ser uma verdadeira primaveraque expulse todo e qualquer mofo e frieza da Igreja e a faça pulsar de
vitalidade e de acolhida da vida. Não cabe celebrar a Páscoa num contexto de
rigidez e de falta de misericórdia, num ambiente em que as leis e as normas
estão acima da vida das pessoas (Mc 3,1-5). Não haverá Páscoa de Jesus numa
Igreja que condena e discrimina certos filhos e certas filhas de Deus; que
reserva os bancos de seus templos para aqueles que se autoproclamam perfeitos e
merecedores do céu. Além disso, a Páscoa deve ser a festa da libertação dos pobres e dos oprimidos. E não se trata
apenas de uma falsa libertação "espiritual”, cuja recompensa é uma vida futura,
programada para depois da morte. Trata-se, como nos mostra a experiência do
Êxodo, de uma libertação a ser realizada aqui nesta terra. Uma libertação que
inclui terra, casa, comida, emprego, saúde, escola etc. E para celebrar esta
Páscoa os cristãos e as cristãs precisam, como Javé, ver a opressão, descer até
o submundo dos pobres, sentir o cheiro da pobreza, tocar com os pés e as mãos
os sofrimentos dos injustiçados e excluídos e permanecer comprometidos com as suas lutas por dias melhores (Ex
3,7-10).
Celebrar a Páscoa cristã é
trilhar o caminho perigoso de Jesus, tornar-se subversivo com ele e como ele,
aceitando pagar o preço da perseguição, da calúnia e até mesmo da morte para
ficar do lado dos pobres e dos excluídos. Para celebrar a Páscoa verdadeira de
Jesus não é suficiente ficar repetindo a doutrina abstrata do Catecismo da
Igreja Católica. É preciso que o ensinamento dessa doutrina crie "a revolta
entre o povo” (Lc 23,5), ou seja, incomode tanto o poder religioso como o poder
civil, devolvendo às pessoas a consciência crítica para enxergar as coisas como
elas realmente são. Não pode ser cristã uma Páscoa celebrada por quem se omitiu
e fechou os olhos diante de ditaduras, de torturadores, de injustiçados, com
medo de sofrer e de morrer como Jesus morreu. Não celebra a Páscoa cristã quem
se tornou insensível aos sofrimentos humanos e nada fez para denunciar a
exploração dos mais pobres pelos ricos e poderosos deste mundo (Tg 5,1-6).
Para os cristãos e as
cristãs a Páscoa é a festa da vida, a celebração da vitória de Jesus sobre o
sofrimento e a morte. Por isso é a festa por excelência da alegria e da
esperança. Mas toda alegria, toda festa, toda aleluia, toda exultação é
mentirosa e falsa se primeiro não for purificação do mofo eclesiástico,
compromisso com a libertação dos pobres, subversão da ordem estabelecida, tomada
de partido em favor dos pequenos e simples. Neste momento em que ainda pairam muitas
nuvens carregadas sobre a Igreja Católica, em que faltam respostas para tantas
perguntas inquietantes, torna-se urgentíssimo celebrar a Páscoa nos moldes
verdadeiramente cristãos. Se não seguirmos a trilha da Páscoa bíblica teremos
apenas a páscoa consumista, mesmo que
ela seja celebrada em templos religiosos e regada de muito incenso, de muitos
gritos de aleluias e de glórias. "Já que vocês aceitaram Jesus Cristo como
Senhor, vivam como cristãos”, ou seja, "vistam-se com o amor, que é o laço da
perfeição” (Cl 2,6; 3,14).
[*José Lisboa Moreira de Oliveira é Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor
do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past.
Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e
Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de BrasíliaAutor de Viver em comunidade para a missão. Um chamado
à Vida Consagrada Religiosa,
por Paulus Editora].
Belíssima canção em memória dos mártires do nosso tempo! "Pai Nosso dos Mártires"
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