Conheça dez histórias de corrupção durante a ditadura militar
Por Marcelo Freire
Os protestos de 15 de março, direcionados principalmente contra o
governo federal e a presidente Dilma Rousseff, indicaram a insatisfação
de parte da população com os casos de corrupção envolvendo partidos
políticos, empresas públicas e empresas privadas. Algumas pessoas,
inclusive, chegaram a pedir uma intervenção militar, alegando que essa
seria a solução para o fim da corrupção.
Mas será que nesse período a corrupção realmente não fazia parte da esfera política? Apesar da blindagem proporcionada pelas restrições ao Legislativo, Judiciário e imprensa, ainda assim a ditadura não passou imune a diversas denúncias de corrupção.
O UOL listou dez delas, tendo como fonte a série de
quatro livros de Elio Gaspari sobre o período ("A Ditadura
Envergonhada", "A Ditadura Escancarada", "A Ditadura Derrotada" e "A
Ditadura Encurralada") e reportagens da época. O primeiro item que
envolve Delfim Netto contém uma resposta do ex-ministro sobre os casos.
Veja:
1 - Contrabando na Polícia do Exército
A partir de 1970, dentro da 1ª Companhia do 2º Batalhão da Polícia do
Exército, no Rio de Janeiro, sargentos, capitães e cabos começaram a se
relacionar com o contrabando carioca. O capitão Aílton Guimarães Jorge,
que já havia recebido a honra da Medalha do Pacificador pelo combate à
guerrilha, era um dos integrantes da quadrilha que comercializava
ilegalmente caixas de uísques, perfumes e roupas de luxo, inclusive
roubando a carga de outros contrabandistas. Os militares escoltavam e
intermediavam negócios dos contraventores. Foram presos pelo SNI
(Serviço Nacional de Informações) e torturados, mas acabaram inocentados
porque os depoimentos foram colhidos com uso de violência – direito de
que os civis não dispunham em seus processos na época. O capitão
Guimarães, posteriormente, deixaria o Exército para virar um dos
principais nomes do jogo do bicho no Rio, ganhando fama também no meio
do samba carioca. Foi patrono da Vila Isabel e presidente da Liesa (Liga
Independente das Escolas de Samba).
2 - A vida dupla do delegado Fleury
Um dos nomes mais conhecidos da repressão, atuando na captura, na
tortura e no assassinato de presos políticos, o delegado paulista Sérgio
Fernandes Paranhos Fleury foi acusado pelo Ministério Público de
associação ao tráfico de drogas e extermínios. Apontado como líder do
Esquadrão da Morte, um grupo paramilitar que cometia execuções, Fleury
também era ligado a criminosos comuns, segundo o MP, fornecendo serviço
de proteção ao traficante José Iglesias, o "Juca", na guerra de
quadrilhas paulistanas. No fim de 1968, ele teria metralhado o
traficante rival Domiciano Antunes Filho, o "Luciano", com outro
comparsa, e capturado, na companhia de outros policiais associados ao
crime, uma caderneta que detalhava as propinas pagas a detetives,
comissários e delegados pelos traficantes. O caso chegou a ser divulgado
à imprensa por um alcaguete, Odilon Marcheronide Queiróz ("Carioca"),
que acabou preso por Fleury e, posteriormente, desmentiu a história a
jornais de São Paulo. Carioca seria morto pelo investigador Adhemar
Augusto de Oliveira, segundo o próprio revelaria a um jornalista, tempos
depois.
Os atos do delegado na repressão, no entanto, lhe renderam uma Medalha
do Pacificador e muita blindagem dentro do Exército, que deixou de
investigar as denúncias. Promotores do MP foram alertados para
interromper as investigações contra Fleury. De acordo com o relato
publicado em "A Ditadura Escancarada", o procurador-geral da Justiça,
Oscar Xavier de Freitas, avisou dois promotores em 1973: "Eu não recebo
solicitações, apenas ordens. (…) Esqueçam tudo, não se metam em mais
nada. Existem olheiros em toda parte, nos fiscalizando. Nossos telefones
estão censurados".
No fim daquele ano de 1973, o delegado chegou a ter a prisão preventiva
decretada pelo assassinato de um traficante, mas o Código Penal foi
reescrito para que réus primários com "bons antecedentes" tivessem
direito à liberdade durante a tramitação dos recursos. Em uma conversa
com Heitor Ferreira, secretário do presidente Ernesto Geisel
(1974-1979), o general Golbery do Couto e Silva – então ministro do
Gabinete Civil e um dos principais articuladores da ditadura militar –
classificou assim o delegado Fleury, quando pensava em afastá-lo: "Esse é
um bandido. Agora, prestou serviços e sabe muita coisa". Fleury morreu
em 1979, quando ainda estava sob investigação da Justiça.
3 - Governadores biônicos e sob suspeita
Em 1970, uma avaliação feita pelo SNI ajudou a determinar quais seriam
os governadores do Estado indicados pelo presidente Médici (1969-1974).
No Paraná, Haroldo Leon Peres foi escolhido após ser elogiado pela
postura favorável ao regime; um ano depois, foi pego extorquindo um
empreiteiro em US$ 1 milhão e obrigado a renunciar. Segundo o general
João Baptista Figueiredo, chefe do SNI no governo Geisel, os agentes
teriam descoberto que Peres "era ladrão em Maringá" se o tivessem
investigado adequadamente. Na Bahia, Antônio Carlos Magalhães, em seu
primeiro mandato no Estado, foi acusado em 1972 de beneficiar a
Magnesita, da qual seria acionista, abatendo em 50% as dívidas da
empresa.
4 - O caso Lutfalla
Outro governador envolvido em denúncias foi o paulista Paulo Maluf.
Dois anos antes de assumir o Estado, em 1979, ele foi acusado de
corrupção no caso conhecido como Lutfalla – empresa têxtil de sua
mulher, Sylvia, que recebeu empréstimos do BNDE (Banco Nacional de
Desenvolvimento) quando estava em processo de falência. As denúncias
envolviam também o ministro do Planejamento Reis Velloso, que negou as
irregularidades, e terminou sem punições.
5 - As mordomias do regime
Em 1976, as Redações de jornal já tinham maior liberdade, apesar de
ainda estarem sob censura. O jornalista Ricardo Kotscho publicou no
"Estado de São Paulo" reportagens expondo as mordomias de que ministros e
servidores, financiados por dinheiro público, dispunham em Brasília.
Uma piscina térmica banhava a casa do ministro de Minas e Energia,
enquanto o ministro do Trabalho contava com 28 empregados. Na casa do
governador de Brasília, frascos de laquê e alimentos eram comprados em
quantidades desmedidas – 6.800 pãezinhos teriam sido adquiridos num
mesmo dia. Filmes proibidos pela censura, como o erótico "Emmanuelle",
eram permitidos na casa dos servidores que os requisitavam. Na época, os
ministros não viajavam em voos de carreira, e sim em jatos da Força
Aérea.
Antes disso, no governo Médici já se observavam outras regalias: o
ministro do Exército, cuja pasta ficava em Brasília, tinha uma casa de
veraneio na serra fluminense, com direito a mordomo. Os generais de
exército (quatro estrelas) possuíam dois carros, três empregados e casa
decorada; os generais de brigada (duas estrelas) que iam para Brasília
contavam com US$ 27 mil para comprar mobília. Cabos e sargentos
prestavam serviços domésticos às autoridades, e o Planalto também pagou
transporte e hospedagem a aspirantes para um churrasco na capital
federal.
6 - Delfim e a Camargo Corrêa
Delfim Netto – ministro da Fazenda durante os governos Costa e Silva
(1967-1969) e Médici, embaixador brasileiro na França no governo Geisel e
ministro da Agricultura (depois Planejamento) no governo Figueiredo –
sofreu algumas acusações de corrupção. Na primeira delas, em 1974, foi
acusado pelo próprio Figueiredo (ainda chefe do SNI), em conversas
reservadas com Geisel e Heitor Ferreira. Delfim teria beneficiado a
empreiteira Camargo Corrêa a ganhar a concorrência da construção da
hidrelétrica de Água Vermelha (MG). Anos depois, como embaixador, foi
acusado pelo francês Jacques de la Broissia de ter prejudicado seu
banco, o Crédit Commercial de France, que teria se recusado a fornecer
US$ 60 milhões para a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, obra
também executada pela Camargo Corrêa. Em citação reproduzida pela "Folha
de S.Paulo" em 2006, Delfim falou sobre as denúncias, que foram
publicadas nos livros de Elio Gaspari: "Ele [Gaspari] retrata o conjunto
de intrigas armado dentro do staff de Geisel pelo temor que o general
tinha de que eu fosse eleito governador de São Paulo", afirmou o
ex-ministro.
Outro lado: Em relação às denúncias que envolvem seu nome nesse texto, o ex-ministro Delfim Netto respondeu ao UOL: "Trata-se de velhas intrigas que sempre foram esclarecidas. Nunca tive participação nos eventos relatados".
7 - As comissões da General Electric
Durante um processo no Cade (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica) em 1976, o presidente da General Electric no Brasil, Gerald
Thomas Smilley, admitiu que a empresa pagou comissão a alguns
funcionários no país para vender locomotivas à estatal Rede Ferroviária
Federal, segundo noticiou a "Folha de S.Paulo" na época. Em 1969, a
Junta Militar que sucedeu Costa e Silva e precedeu Médici havia aprovado
um decreto-lei que destinava "fundos especiais" para a compra de 180
locomotivas da GE. Na época, um dos diretores da empresa no Brasil na
época era Alcio Costa e Silva, irmão do ex-presidente, morto naquele
mesmo ano de 1969. Na investigação de 1976, o Cade apurava a formação de
um cartel de multinacionais no Brasil e o pagamento de subornos e
comissões a autoridades para a obtenção de contratos.
8 - Newton Cruz, caso Capemi e o dossiê Baumgarten
O jornalista Alexandre von Baumgarten, colaborador do SNI, foi
assassinado em 1982, pouco depois de publicar um dossiê acusando o
general Newton Cruz de planejar sua morte – segundo o ex-delegado do
Dops Cláudio Guerra, em declaração de 2012, a ordem partiu do próprio
SNI. A morte do jornalista teria ligação com seu conhecimento sobre as
denúncias envolvendo Cruz e outros agentes do Serviço no escândalo da
Agropecuária Capemi, empresa dirigida por militares, contratada para
comercializar a madeira da região do futuro lago de Tucuruí. Pelo menos
US$ 10 milhões teriam sido desviados para beneficiar agentes do SNI no
início da década de 1980. O general foi inocentado pela morte do
jornalista.
9 - Caso Coroa-Brastel
Delfim Netto sofreria uma terceira acusação direta de corrupção, dessa
vez como ministro do Planejamento, ao lado de Ernane Galvêas, ministro
da Fazenda, durante o governo Figueiredo. Segundo a acusação apresentada
em 1985 pelo procurador-geral da República José Paulo Sepúlveda
Pertence, os dois teriam desviado irregularmente recursos públicos por
meio de um empréstimo da Caixa Econômica Federal ao empresário Assis
Paim, dono do grupo Coroa-Brastel, em 1981. Galvêas foi absolvido em
1994, e a acusação contra Delfim – que disse na época que a denúncia era
de "iniciativa política" – não chegou a ser examinada.
10 - Grupo Delfin
Denúncia feita pela "Folha de S.Paulo" de dezembro de 1982 apontou que o
Grupo Delfin, empresa privada de crédito imobiliário, foi beneficiado
pelo governo por meio do Banco Nacional da Habitação ao obter Cr$ 70
bilhões para abater parte dos Cr$ 82 bilhões devidos ao banco. Segundo a
reportagem, o valor total dos terrenos usados para a quitação era de
apenas Cr$ 9 bilhões. Assustados com a notícia, clientes do grupo
retiraram seus fundos, o que levou a empresa à falência pouco depois. A
denúncia envolveu os nomes dos ministros Mário Andreazza (Interior),
Delfim Netto (Planejamento) e Ernane Galvêas (Fazenda), que chegaram a
ser acusados judicialmente por causa do acordo.
Fonte Uol Notícias Política
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