“Se a gente unir a
força do Judiciário, com os aparelhamentos necessários, com estas
legislações que já prometem ajudar, as mudanças previstas no novo Código
Penal, especialmente de mais rigor com relação aos crimes contra a
administração pública, como a Lei da Ficha Limpa também, eu acho que são
essenciais”.
Eu me indigno como juíza e como cidadã, diz Selma sobre profissão
Camila Cervantes
A juíza titular da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Santos
Arruda, que tem ganhado destaque pelas decisões em apuração de crimes de
todas as áreas, inclusive os de colarinho branco, revela ao Rdnews
como é seu dia-a-dia no ambiente de trabalho, as dificuldades e
desafios enfrentados e como está o Judiciário no Estado. Gaúcha, Selma
reside há 30 anos em Mato Grosso. Entrou na magistratura em setembro de
1996. A primeira Comarca onde trabalhou foi em Alta Floresta.
Tida como magistrada “durona” e austera, a juíza diz que, pelo menos,
1,5 mil processos tramitam na 7ª Vara, entre pedidos de interceptação,
busca e apreensão e outros tipos de incidentes processuais. Um dos
processos que transita nesta instância e de repercussão nacional é o do
ex-presidente da Assembleia José Riva (PSD), que teve prisão preventiva
decretada por Selma, em 21 de fevereiro.
Devido à complexidade dos processos que julga e das extensas e
frequentes audiências que ocorrem na Vara, a juíza explica que, para dar
conta do recado, é preciso se exercitar, logo pela manhã, a fim de
obter “fôlego” durante o dia. “Até para prevenir doenças, é que a gente
precisa exercitar um pouco de manhã. Faço uma academia e depois venho
pra cá”.
Segundo a magistrada, a 7ª Vara é muito visada, pois todo dia alguma
coisa é de interesse de noticiário. Por isso, afirma que tem um cuidado
muito especial, exatamente porque o tipo de assunto que aborda é
delicado. “Nós temos o lado de combate à corrupção, que é de combate a
crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro. Mas tem
também os crimes praticados por organizações criminosas".
Neste sentido, Selma explica que a maioria dos processos envolvem o
PCC, o Comando Vermelho, aqueles bandos que assaltam bancos, fazem
aquele crime de Novo Cangaço, de assalto a caixa eletrônico. "Então a
Vara tem estas duas vertentes. Na verdade, a gente passa num eterno
dilema para saber qual dos dois assuntos é o mais importante”.
Diante da demanda, Selma expõe que os desafios são basicamente os da
Justiça Criminal em geral. No entanto, ressalta que nesta Vara há o
diferencial de não tratar com a criminalidade de massa, que é lidar com
aquele bandido comum. A magistrada diz que a maioria dos processos que
tramita nesta Instância são acerca de crimes de colarinho branco, por
isso, o tratamento é diferenciado, bem como os advogados e os crimes. Em
contrapartida, lamenta que só não há um código de processo penal
diferenciado para eles. “Quer dizer, o mesmo vale para todos”.
Exemplifica a situação dizendo que um sujeito ao oferecer R$ 30 para
um policial na rua a fim de não ser multado, configura crime de
corrupção, e que é o mesmo crime contra a administração pública que
envolve, às vezes, R$ 60 milhões, e ela tem que dar tratamento igual.
Nesta linha, admite que não tem como se dar tratamento igual, uma vez
que as pessoas não são iguais. Conta que para conseguir analisar
critérios a fim de que o indivíduo não responda ao processo preso, tem
que levar em consideração, por exemplo, que ele tem emprego e residência
fixos, que tem família constituída. "Mas se eu pegar um “figurão”
desses e for ver o mesmo requisito, qual deles que não praticou crime
exatamente em decorrência do emprego ou função que ocupa? Então são
tratamentos completamente diferentes que você dá, às vezes, para o mesmo
crime, mas com ângulos diferentes de visão”.
Selma revela que já sofreu várias ameaças por conta da carreira no Judiciário
A juíza afirma que este é o principal desafio que enfrenta. Ela diz
que não tem nenhum problema com relação a tratamento com organizações
criminosas, ou questões de medo de ameaça. “Estas coisas não me
incomodam. O que me incomoda é a falta de possibilidade de dar
tratamento diferente para pessoas diferentes, de maneira para conseguir
torná-las iguais. Eu só consigo igualar as pessoas se eu tratá-las
diferente”.
Questionada se já sofreu preconceito por ser mulher e trabalhar numa
Vara visada e complexa, Selma diz que não dá abertura para este tipo de
situação. Diz ser fechada e austera. “Se tentaram ter algum tipo de
preconceito nem notei”. A juíza brinca ao dizer que, pelo contrário, ao
invés de preconceito ela se sente lisonjeada, pois chegou na 7ª Vara a
convite do ex-presidente do Tribunal de Justiça Orlando Perri, que
depositou nela a confiança necessária para conduzir o setor. “Ao
contrário de ser preconceito, foi um fator muito positivo. Porque vários
colegas do sexo masculino pleitearam o posto, gostariam de estar aqui”.
Loira, de olhos azuis, e mulher que detém de certo “poder”, Selma
pontua que nunca recebeu propostas indecorosas. Segundo ela, o que mais
enfrenta na 7ª Vara é a falta de conformidade das pessoas com a
realidade que sofrem. “Às vezes a pessoa não se conforma de ser um
“figurão” e estar sendo processado. Então ela quer exigir que o processo
tenha um tratamento diferenciado, ou alguns querem que o processo ande
mais rápido que o normal. Outros já querem que o processo estenda para
poder chegar na prescrição e se safar de eventual condenação. Então tem
algumas exigências fora do padrão. Agora proposta indecorosa, se eu
tivesse recebido alguma você saberia, porque teria prendido a pessoa em
flagrante”.
Com relação às ameaças, explana que já recebeu várias durante a
carreira, mas nenhuma delas que a fizesse sair da área criminal. Selma
explica que sempre foi juíza desta área e acha que é vocacionada para
isso. Conforme a juíza, somente em uma ocasião tomou algumas medidas de
proteção, porque eram ameaças que a preocuparam por envolver marido e
filhos, que à época eram pequenos. “Fora disso, qualquer coisa que
acontece neste sentido, simplesmente desconsidero”.
Mudanças
Selma Arruda afirma que tem notado, no âmbito nacional, uma mudança
de postura no Judiciário. Explica que vivemos um momento histórico
importante, como os desdobramentos de operações da Polícia Federal, como
Lava Jato e Mensalão. De acordo com ela, foram vários julgamentos
passados ao vivo, o que começou a despertar o país para isso.
“Evidentemente que os juízes também são cidadãos e assistem televisão e
se convencem. Desembargadores também são, ministros e assim por diante.
Então parece que é uma cultura que está se formando, e não é
exclusividade do Judiciário, é um conjunto de todos os Poderes”.
Conforme a juíza, tudo isso mostra que estamos rumo a um caminho
diferente na política e que tende a ser sem volta. “Esta mudança é a
única chance que temos de evolução. Se não aproveitarmos este momento
para limpar os Poderes e o serviço público, nós não temos muita volta,
porque se a gente somasse o dinheiro que tem perdido e desviado nestes
processos dava pra fazer outro Mato Grosso. Dá dó de ver. A gente não
pode ter a irresponsabilidade de não levar isso muito a sério. É um
momento muito importante mesmo”.
Neste sentido, afirma que a tendência é melhorar. “Se a gente unir a
força do Judiciário, com os aparelhamentos necessários, com estas
legislações que já prometem ajudar, as mudanças previstas no novo Código
Penal, especialmente de mais rigor com relação aos crimes contra a
administração pública, como a Lei da Ficha Limpa também, eu acho que são
essenciais”.
Por fim, a magistrada pondera que diante de tantos processos e
situações vividas na Vara em que atua, é difícil não se indignar com
certas circunstâncias. “É óbvio que, como profissional, eu só vou me
indignar com aquilo que tiver prova que aconteceu. Então se eu constato,
se vejo prova e elementos suficientes da ocorrência de determinado
crime, eu me indigno como juíza e como cidadã. Agora eu só vejo que
tenho que me resguardar e é algo que a gente tem que exercitar”,
conclui.
Fonte RD News
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