A experiência frequentemente é uma ferramenta pobre na busca da realidade. O ceticismo nos ajuda a questionar nossas experiências e a evitar sermos levados a crer no que não é verdadeiro. Devemos tentar nos lembrar das palavras no falecido P. J. Bailey (em Festus: A Country Town): “Onde há dúvida, está a verdade — pois é sua sombra” (“Where doubt, there truth is — ‘tis her shadow”).
A Máquina de Crenças
Tradução: Daniel Sottomaior
O nosso cérebro e o nosso sistema nervoso constituem uma máquina
geradora de crenças, um sistema que evolui não para garantir a verdade, a
lógica e a razão, mas a sobrevivência. A máquina de crenças tem sete
peças básicas.
Muitas pessoas creem nas ideias a seguir. Todas elas já foram calorosamente debatidas:
- Através da hipnose pode-se conhecer vidas passadas
- Horóscopos fornecem informações úteis sobre o futuro
- Às vezes acontecem curas espirituais onde a medicina convencional falha
- Está em andamento uma ampla conspiração satânica transgeracional na sociedade
- Algumas pessoas com dons especiais podem usar seus poderes extra-sensoriais para ajudar a polícia a desvendar crimes
- Às vezes nos comunicamos com outras pessoas telepaticamente
- Algumas pessoas foram raptadas por OVNIs e voltaram à Terra
- Elvis está vivo
- Vitamina C cura ou previne resfriados
- Imigrantes estão roubando os nossos empregos
- Alguns grupos étnicos são intelectualmente inferiores
- Alguns grupos étnicos são superiores atleticamente, pelo menos em alguns esportes
- Crime e violência estão ligados à ruptura da família tradicional
- O crescente poderio atômico da Coreia do Norte é uma ameaça à paz mundial
A despeito da grande confiança tanto de crentes como de descrentes,
nenhum dos lados tem muitas evidências objetivas — se é que tem alguma —
para sustentar sua posição. Algumas dessas crenças, como telepatia e
astrologia, contradizem o conhecimento científico atual do nosso mundo e
portanto são consideradas “irracionais” por muitos cientistas. Outras
não contradizem a ciência, e baseadas em fatos ou não, ninguém as
consideraria irracionais.
Os racionalistas do século dezenove previram que a superstição e a
irracionalidade seriam derrotadas pela educação universal. Mas não foi
isso que aconteceu. As altas taxas de alfabetização e a educação
universal pouco fizeram para suavizar essa crença, e pesquisas atrás de
pesquisas mostram que a imensa maioria da população acredita na
realidade dos fenômenos “ocultos”, “paranormais” ou “sobrenaturais”. E
por que isso acontece? Por que é que nesta época altamente científica e
tecnológica a superstição e a irracionalidade prosperam?
É porque nosso cérebro e nosso sistema nervoso constituem uma máquina
geradora de crenças, uma máquina que produz crenças sem qualquer
consideração em particular por o que é real e verdadeiro e o que não é.
Essa máquina de crenças seleciona informações do ambiente, molda-as,
combina-as com informações armazenadas na memória e produz crenças que
são geralmente consistentes com outras crenças já aceitas. Esse sistema
gera crenças falaciosas da mesma maneira que aquelas em dia com a
verdade. Essas crenças guiam ações futuras e, falsas ou não, podem ter
utilidade para o seu portador. Se existe de fato ou não um céu para boas
almas em nada diminui a utilidade dessas crenças para pessoas que
procuram um sentido na vida.
Nada é fundamentalmente diferente sobre o que podemos pensar como
crenças “irracionais” — elas são geradas da mesma maneira que as outras.
Podemos não ter apoio das evidências para crenças em ideias
irracionais, mas também não temos esse apoio para a maior parte das
nossas crenças. Por exemplo, você provavelmente acredita que escovar os
dentes é bom para você, mas provavelmente não tem nenhuma evidência para
apoiar essa crença, a menos que seja dentista. Ensinaram-lhe isso e,
por fazer sentido, você nunca questionou a ideia.
Se fôssemos conceituar o cérebro e o sistema nervoso como uma máquina
de crenças, ela compreenderia diversas partes, cada uma refletindo um
aspecto básico da geração de crenças. Entre as peças, as seguintes
unidades têm importância especial:
- A unidade de aprendizado
- A unidade de pensamento crítico
- A unidade dos desejos
- A unidade de entrada
- A unidade de resposta emocional
- A unidade de memória
- A unidade de feedback (resposta) ao ambiente
A Unidade de Aprendizado
A unidade de aprendizado é a chave para a compreensão da máquina de
crenças. Ela está ligada à arquitetura física do cérebro e do sistema
nervoso, e devido à sua natureza, estamos condenados a um processo
virtualmente automático de pensamento mágico. “Pensamento mágico” é a
interpretação de dois eventos próximos como sendo causa e efeito, sem
nenhuma preocupação com o vínculo causal. Por exemplo, se você acredita
que cruzar os dedos dá boa sorte, você associa o fato de cruzar os dedos
com um subsequente evento favorável e estabelece um vínculo causal
entre eles.
Nosso cérebro e nosso sistema nervoso evoluíram ao longo de milhões
de anos. É importante perceber que a seleção natural não seleciona
diretamente de acordo com a razão ou a verdade, ela seleciona de acordo
com o sucesso reprodutivo. Nada em nosso aparelho cerebral dá um valor
especial à verdade. Imagine um coelho na grama alta, e lhe conceda por
um instante um grão de intelecto consciente e lógico. Ele ouve um ruído
suave na grama, e tendo aprendido no passado que isso eventualmente é o
sinal de uma raposa com fome, o coelho se pergunta se é uma raposa mesmo
desta vez ou se uma lufada de ar causou o ruído. Ele espera por
evidências mais conclusivas. Embora motivado pela busca da verdade, esse
coelho não sobrevive por muito tempo. Compare esse falecido coelho com
um outro, que responde ao ruído com uma forte reação do sistema nervoso
autônomo e foge o mais rapidamente possível. Este tem mais chances de
sobreviver e se reproduzir. Portanto, buscar a verdade nem sempre
favorece a sobrevivência, e fugir baseado em uma crença errônea nem
sempre é ruim. No entanto, embora essa estratégia possa dar certo na
vida selvagem, pode ser bastante perigosa na era nuclear.
A unidade de aprendizado é tal que se aprende muito rapidamente pela
associação de dois eventos significativos — como encostar em um forno
quente e sentir dor. Associações significativas produzem um efeito
duradouro, enquanto a dissociação dos mesmos eventos é muito menos
importante. Se uma criança encostasse em um forno e se queimasse, e
depois se encostasse de novo e não se queimasse, a associação entre dor e
forno não seria automaticamente desaprendida. Essa assimetria básica — a
associação de dois estímulos tem um efeito importante, enquanto que
apresentar os estímulos desassociados (ou seja, individualmente) tem um
efeito muito menor — é importante para a sobrevivência.
Essa assimetria no aprendizado também está subjacente ao erro que
tinge nossos pensamentos sobre eventos que ocorrem juntos de tempos em
tempos. Os humanos são muito ruins em julgar com precisão a relação
entre eventos que só ocorrem juntos de vez em quando. Por exemplo, se
pensamos no tio Alfredo e ele nos telefona alguns minutos depois, pode
parecer que isso exige uma explicação em termos de telepatia ou
precognição. No entanto, só podemos avaliar adequadamente as
co-ocorrências desses eventos se também considerarmos o número de vezes
que pensamos no tio Alfredo e ele não ligou, ou no número de vezes em
que não pensamos mas ele ligou mesmo assim. Essas últimas circunstâncias
— esses não-pareamentos — têm muito pouco impacto no nosso sistema de
aprendizado. Por sermos superinfluenciados pelos pareamentos de
acontecimentos significativos, inferimos uma associação entre os
eventos, até mesmo causal, mesmo quando não há nenhuma. Assim, por acaso
alguns sonhos podem corresponder aos eventos subsequentes muito
raramente, e mesmo assim essa conexão pode ter um efeito dramático na
crença. Ou sentimos que está vindo um resfriado, tomamos vitamina C, e
quando se percebe que o resfriado não era tão forte inferimos uma
conexão causal. O mundo à nossa volta está repleto de acontecimentos
coincidentes. Alguns deles têm significado, mas a vasta maioria não tem.
Isso fornece solo fértil para o crescimento de crenças falaciosas. Nós
aprendemos prontamente que existem associações entre eventos, mesmo
quando elas não existem. Frequentemente somos levados por eventos
co-ocorrentes a inferir que o primeiro deles de alguma maneira causou o
que o sucedeu.
Temos tendência ainda maior ao erro quando estão envolvidos eventos
raros ou emocionalmente carregados. Sempre estamos procurando por
explicações causais, e tendemos a inferi-las mesmo quando não existem.
Você poderia ficar intrigado ou até mesmo muito incomodado se ouvisse um
barulho alto na sua sala mas não encontrasse nenhum motivo para ele.
A Unidade de Pensamento Crítico
A unidade de pensamento crítico é o segundo componente da máquina de
crenças, e é adquirida — adquirida através da experiência e do
aprendizado explícito. Devido à arquitetura do sistema nervoso que
descrevi, nós nascemos para pensar magicamente. A criança que sorri logo
antes de o vento mover o móbile acima dela sorrirá novamente muitas
vezes como se o sorriso tivesse magicamente causado o movimento desejado
do móbile. Precisamos trabalhar para superar essa predisposição mágica,
e nunca o conseguimos por completo. É pela experiência e ensino direto
que entendemos os limites de nossas interpretações intuitivas mágicas
imediatas. Pais e professores nos ensinam a lógica, e uma vez que ela
nos ajuda bastante, a usamos quando parece apropriado. De fato, o
paralelo cultural desse processo de desenvolvimento é o progresso do
método formal de investigação lógica e científica. Percebemos que não
podemos confiar em nossas inferências automáticas sobre co-ocorrências e
causalidade.
Aprendemos a usar testes simples de razão para avaliar eventos à
nossa volta, mas também aprendemos que certas classes de eventos não
devem ser sujeitas à razão, mas aceitas por fé. Toda sociedade ensina
coisas transcendentais — fantasmas, deuses, bicho-papão e assim por
diante; e frequentemente nos dizem explicitamente para ignorar a lógica e
aceitar tais coisas por fé ou baseados nas experiências de outras
pessoas. Quando chegamos à vida adulta, podemos responder a um evento de
forma lógica e crítica ou experimental e intuitiva. Os eventos em si é
que frequentemente determinam como respondemos. Se eu lhe dissesse que
fui para casa ontem e encontrei um hipopótamo na minha sala, seria mais
provável que você risse do que acreditasse em mim, embora certamente não
haja nada de impossível nesse evento. Se, por outro lado, eu lhe
dissesse que entrei na sala e me assustei com um brilho estranho na
cadeira do meu falecido avô, e que a sala esfriou, seria menos provável
que você não acreditasse e mais provável que se interessasse e escutasse
os detalhes, talvez suspendendo o julgamento afiado que usaria na
história do hipopótamo. Às vezes emoções fortes interferem na aplicação
do pensamento crítico. Em outras somos enganados com muita esperteza.
A racionalidade frequentemente está em desvantagem em relação ao
pensamento intuitivo. O falecido psicólogo Graham Reed usava o exemplo
da falácia do apostador: suponha que você esteja observando um jogo de
roleta. Saiu preto dez vezes seguidas, e uma poderosa sensação intuitiva
cresce em você, dizendo que logo deve sair vermelho. Não pode sair
preto para sempre. Mas sua mente racional diz que a roleta não tem
memória, que cada resultado é independente dos anteriores. Nesse caso, a
luta entre intuição e racionalidade nem sempre é ganha pela
racionalidade.
Notem que podemos ligar ou desligar a unidade de pensamento crítico.
Como já comentei, podemos desligá-la completamente ao lidar com assuntos
religiosos ou transcendentais. Às vezes, nós a ligamos deliberadamente:
“peraí, tenho que pensar nisso”, é o que podemos nos dizer quando
alguém tenta tirar dinheiro de nós por uma causa aparentemente boa.
A Unidade do Desejo
O aprendizado não acontece num vácuo. Nós não somos receptores
passivos de informação. Nós buscamos informações ativamente para
satisfazer nossas necessidades diversas. Podemos desejar achar um
sentido na vida. Podemos desejar um sentimento de identidade. Podemos
desejar nos curar de alguma doença. Podemos desejar estar em contato com
entes queridos que já morreram.
Geralmente nós desejamos para diminuir nossa ansiedade. As crenças,
sejam falsas ou não, podem suavizar esses desejos. Frequentemente,
crenças que podem ser chamadas de irracionais pelos cientistas são as
mais eficientes na suavização desses desejos. A racionalidade e a
verdade científica tem pouco a oferecer para a maior parte das pessoas
em termos de remediar suas ânsias existenciais. No entanto, as crenças
em reencarnação, intervenção supernatural e vida eterna podem superar
essa ansiedade em certo grau.
Quando mais desejamos, quando estamos com mais necessidade é que
somos mais vulneráveis a crenças falaciosas que podem servir para
satisfazer aqueles desejos.
A Unidade de Entrada
As informações entram na máquina de crenças às vezes na forma de
experiências sensoriais diretas e às vezes na forma de informações
codificadas e organizadas que se ouve no boca-a-boca, se lê em livros ou
se vê em filmes. Nós somos ótimos para detectar padrões, mas nem todos
os padrões que detectamos têm sentido. Nossos processos de percepção
trabalham para dar sentido ao ambiente à nossa volta, mas eles fazem
sentido — percepção não é a reunião passiva de informações, mas a
construção ativa da representação do que acontece no nosso mundo
sensorial. Nosso aparato perceptivo seleciona e organiza informações do
ambiente, e esse processo está sujeito a muitos tipos de viés bem
conhecidos que podem levar a crenças distorcidas. De fato, somos menos
influenciáveis por informações que já não correspondam a crenças
profundas. Assim, o devoto cristão pode estar muito bem preparado para
ver a Virgem Maria; informações ou experiências perceptivas que sugerem
que ela apareceu podem ser aceitas mais facilmente sem exame crítico do
que por alguém que fosse ateísta. Similarmente acontece com experiências
que podem ser consideradas de natureza paranormal.
A Unidade de Resposta Emocional
Experiências acompanhadas de fortes emoções podem deixar uma crença
inabalável em qualquer explicação que o indivíduo tenha recebido na
época dos fatos. Se alguém está envolvido em um aparente caso de
telepatia ou OVNI, então os pensamentos posteriores podem muito bem ser
dominados pela consciência de que a reação emocional foi intensa,
levando à conclusão de que alguma coisa incomum realmente aconteceu. E
as emoções por sua vez podem afetar diretamente tanto a percepção como o
aprendizado. Algumas coisas podem ser interpretadas como bizarras ou
incomuns devido às respostas emocionais que elas desencadeiam.
Há crescentes evidências de que nossas respostas emocionais podem ser
desencadeadas por informações do mundo exterior mesmo antes de termos
consciência de que algo aconteceu. Veja esse exemplo, exposto por LeDoux
(1994) em seu recente artigo na Scientific American (1994, 270, pp.
50-57):
Uma mulher está caminhando na floresta quando recebe a informação —
auditiva, como o farfalhar de folhas, ou visual, como a forma de um
objeto delgado e curvo no chão — que dispara uma reação de medo. Essa
informação, mesmo antes de chegar ao córtex, é processada na amígdala,
que excita o corpo para um passo de alarme. Um pouco depois, quando o
córtex já teve tempo suficiente para decidir se o objeto é mesmo uma
cobra ou não, esse processamento cognitivo de informação aumentará a
resposta de medo e o correspondente comportamento de fuga, ou
neutralizará aquela resposta.
Isso é relevante para o entendimento das experiências paranormais,
pois frequentemente uma experiência emocional acompanha a suposta
experiência paranormal. Uma forte coincidência pode produzir um “zap”
emocional que aponta para uma explicação paranormal, porque eventos
normais não produziriam tal emoção.
Nossos cérebros também são capazes de gerar incríveis e fantásticas
experiências perceptivas para as quais raramente estamos preparados.
Experiências fora do corpo (Out of Body Experiences — OBEs),
alucinações, experiências de quase-morte (EQMs ou Near-death Experiences
— NDEs), experiências de pico — todas elas provavelmente se baseiam não
em alguma realidade externa transcendental mas no próprio cérebro. Nem
sempre conseguimos distinguir o material que vem do próprio cérebro do
material que vem do mundo externo, e portanto podemos atribuir
falsamente ao mundo externo as percepções e experiências criadas dentro
do cérebro. Temos muito pouco treinamento em relação a essas
experiências. Na infância, aprendemos a não confiar, via de regra, em
sonhos e pesadelos. Nossos pais e nossa cultura nos dizem que eles são
produto de nossos cérebros. Não estamos preparados para experiências
mais misteriosas, como OBEs, alucinações, EQMs ou experiências de pico, e
podemos estar tão despreparados que somos engolfados pela emoção e a
vemos como profundamente significativa e “real” quer ela seja mesmo ou
não.
Ray Hyman sempre lembrou aos céticos que não se surpreendessem caso
um dia tivessem uma experiência emocional muito forte que parecesse
exigir uma explicação paranormal. Dada a maneira com que nossos cérebros
funcionam, deve-se esperar tais experiências de tempos em tempos. Se
estivermos despreparados, elas podem se tornar experiências de conversão
que levam a fortes crenças. Quando eu estava na faculdade, certo dia um
colega com quem eu dividia meu escritório e que era tão cético quanto
eu em relação ao paranormal, veio para a aula dominado pelo realismo e
clareza de um sonho que ele tivera na noite anterior. No sonho, seu tio
em Connecticut havia morrido. Tinha sido um sonho muito emocional, e era
tão chocante que Jack me contou que se o seu tio morresse pouco depois
daquilo, ele não conseguiria mais manter seu ceticismo sobre
precognição. A experiência do sonho tinha sido realmente poderosa. Dez
anos depois, o seu tio ainda estava vivo, e o ceticismo de Jack
sobreviveu intacto.
A Unidade de Memória
Em virtude de nossas próprias experiências, acreditamos na
confiabilidade de nossa memória e em nossa capacidade de julgar se uma
lembrança é confiável ou não. Contudo, a memória é mais um processo
construtivo que uma apresentação literal de experiências passadas, e as
memórias estão sujeitas a um forte viés e distorções.
A memória não somente envolve a si mesma no processamento das
informações que chegam e na moldagem de crenças; ela própria também é
fortemente influenciada pelas percepções e crenças correntes. Ainda
assim, é muito difícil que um indivíduo rejeite os produtos de sua
própria memória, já que a memória pode parecer tão “real”.
A Unidade de Feedback (Resposta) ao Ambiente
As crenças nos ajudam a funcionar. Elas guiam nossas ações e aumentam
ou reduzem nossas ansiedades. Se agimos a partir de uma crença e ela
“funciona” para nós, mesmo sendo falsa, por que a mudaríamos? O
feedback, ou retorno, do mundo externo reforça ou enfraquece nossas
crenças, mas já que as crenças em si influenciam como o feedback é
percebido, as crenças podem se tornar bastante resistentes a informações
e experiências contrárias. Se você realmente acredita que ETs raptam
pessoas, então qualquer evidência contrária pode ser mascarada por uma
explicação supostamente racional — em termos de teorias conspiratórias,
ignorância alheia ou o que for.
Como mencionei, crenças falaciosas frequentemente podem ter mais
valor funcional que aquelas baseadas na verdade. Por exemplo, Shelley
Taylor, em seu livro Positive Illusions, relata pesquisas que mostram
que pessoas suavemente deprimidas frequentemente são mais realistas a
respeito do mundo do que pessoas felizes. Pessoas emocionalmente
saudáveis vivem, até certo ponto, construindo crenças falsas — ilusões —
que reduzem a ansiedade e auxiliam o bem-estar, enquanto indivíduos
deprimidos em certo grau veem o mundo com mais realismo. Pessoas felizes
talvez subestimem as chances de contraírem câncer ou serem mortas, e
talvez evitem pensar na realidade última da morte, enquanto pessoas
deprimidas podem ser muito mais realistas em relação a essas questões.
Uma maneira importante de checar nossas crenças e percepções é
compará-las com as crenças e percepções de outros. Se eu sou o único que
interpretou o brilho estranho como uma aparição, é mais provável que eu
reconsidere essa interpretação do que se várias outras pessoas tiverem a
mesma impressão. Nós frequentemente procuramos pessoas que concordam
conosco, ou escolhemos livros seletivamente para apoiar nossas crenças.
Se a maioria duvida de nós, então mesmo sendo somente parte de uma
minoria nós podemos trabalhar coletivamente para dissipar a dúvida e
achar a certeza. Podemos invocar conspirações e casos abafados para
explicar a ausência de evidências confirmatórias. Podemos conseguir
inculcar nossas crenças em outros, especialmente crianças. Crenças
comuns podem promover solidariedade social e até uma sensação de
importância para o indivíduo e o grupo.
Conclusão
As crenças são geradas pela máquina de crenças sem qualquer
preocupação automática pela verdade. A preocupação com a verdade é de
uma orientação cognitiva adquirida de ordem superior que reflete uma
filosofia subjacente que pressupõe uma realidade objetiva que nem sempre
é percebida por nossos sentidos.
A máquina de crenças segue fazendo barulho, reforçando velhas
crenças, cuspindo novas, raramente descartando alguma. Às vezes vemos os
erros ou bobagens nas crenças de outros. Mas é muito difícil ver o
mesmo em nossas próprias crenças. Acreditamos em todo tipo de coisas,
abstratas e concretas: na existência do sistema solar, de átomos, pizzas
e restaurantes cinco estrelas em Paris. Essas crenças não são
diferentes em princípio das crenças em fadas na beira do jardim, em
fantasmas em igrejas desertas, em lobisomens, conspirações satânicas,
curas milagrosas e assim por diante. Todas elas são similares na forma,
todas resultados do mesmo processo, apesar de diferirem muito em
conteúdo. Elas podem, contudo, envolver mais ou menos as unidades de
pensamento crítico e de resposta emocional.
Pensamento crítico, lógica, razão, ciência — essas são expressões que
se aplicam de uma maneira ou de outra à tentativa deliberada de
expulsar a verdade da confusão da intuição, percepção distorcida e da
memória falível. O verdadeiro pensamento crítico poucas pessoas chegam a
aceitar — aquele que não aceita rotineiramente as percepções e
memórias. Criações da nossa imaginação e reflexos de nossas necessidades
emocionais frequentemente interferem com ou suplantam a percepção da
verdade e realidade. Ensinando e encorajando o pensamento crítico nossa
sociedade se afastará da irracionalidade, mas nunca teremos sucesso
completo em abandonar tendências irracionais devido à natureza básica da
máquina de crenças.
A experiência frequentemente é uma ferramenta pobre na busca da
realidade. O ceticismo nos ajuda a questionar nossas experiências e a
evitar sermos levados a crer no que não é verdadeiro. Devemos tentar nos
lembrar das palavras no falecido P. J. Bailey (em Festus: A Country Town): “Onde há dúvida, está a verdade — pois é sua sombra” (“Where doubt, there truth is — ‘tis her shadow”).