As ocupações nas escolas pedem que seja abortado o projeto de privatização e reclamam a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os fatos revelados na Operação do GAECO que flagrou uma organização criminosa de servidores públicos e empresários unidos para saquear recursos públicos da educação.
Ocupação das escolas públicas
Por Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery
Com a divulgação ainda meio truncada de decisão da esfera
governamental de que há pretensão de inserir a iniciativa privada no
ambiente escolar de Mato Grosso teve início uma reação, nunca antes
vista, por parte das comunidades que de alguma forma são vinculadas às
escolas ameaçadas, e as unidades começaram a ser ocupadas, contra a
privatização.
A preocupação da comunidade escolar tem razão de
ser, por diversos motivos, de ordem legal e pedagógica, porque entregar
escolas aos capitalistas fere a ordem constitucional, além de prejudicar
a atual e as futuras gerações de estudantes e trabalhadores do sistema
estadual de ensino, com efeitos alarmantes.
Quando o Brasil
elaborou o texto constitucional o país vinha de duas décadas sob o jugo
dos militares, período em que a academia e as escolas foram despedaçadas
pelo governo totalitário, justamente porque o sistema jurídico não
trazia proteção específica e eficaz para a educação e o ensino livres.
Para
se ter uma ideia, na Constituição de 1967 a palavra “educação” foi
escrita somente 05 (cinco) vezes enquanto que o texto da Constituição
Federal traz o termo repetido por cerca de 71 (setenta e uma) vezes,
ainda que sejam somadas as alterações (e redações antigas) feitas por
emendas. É uma outra visão sobre educação e demonstra que a sociedade
entendeu que o progresso econômico, a evolução das ciências, a autonomia
das pessoas e do país, passam por um investimento maciço em políticas
públicas de educação.
A autonomia da universidade está no art.
207, já o art. 205 da Constituição Federal diz que “A educação, direito
de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”. Logo adiante no inciso V prevê que os servidores da
educação deverão ser remunerados pelos entes políticos e ingressam no
sistema por meio de concurso público.
Há, portanto, o desejo de que o serviço de educação seja estatal e prestado por servidor público.
A
ideia de privatizar o sistema de educação em Mato Grosso encontra
impedimento de ordem constitucional e legal, uma vez que a Lei das
Parcerias Público Privadas (Lei nº 11.079/2004) diz que concessão
patrocinada envolve a cobrança de tarifas, e aí seria o fim da escola
gratuita para a população carente.
Na verdade, o que se deseja é
transferir a construção, reforma e gestão de prédios escolares e mais
os serviços educacionais a entes privados, os chamados “parceiros”. O
dicionário diz que parceiro é aquele que possui o mesmo interesse que o
outro.
Mas o interesse das empresas não é o lucro?
Ora, a
privatização das escolas estaduais traz dois efeitos gravíssimos contra
os estudantes, condenando as gerações atual e futuras, e provocará uma
debandada de profissionais da área (técnicos e professores).
Sabe-se
que a função pedagógica da escola vai além do letramento e envolve a
educação cidadã, o aluno vota no diretor da escola, que faz o
planejamento (inclusive do orçamento disponível) e executa os atos de
gestão da unidade. Tudo isso é feito com a fiscalização de alunos e seus
pais, diretamente e por meio dos CDCEs (Conselho Deliberativo da
Comunidade Escolar).
Trata-se de um exercício legítimo de
cidadania. Naquele microcosmo da escola há eleições periódicas, acontece
ampla discussão sobre orçamentos, são feitas as opções de investimentos
diante da finitude de recursos, como se fosse a gestão de uma
prefeitura ou de um governo estadual. É um espaço privilegiado para a
preparação de pessoas para o futuro, de modo que a manutenção da gestão
nas próprias escolas, inclusive quanto a reformas e construção de
prédios, também contempla o projeto pedagógico, não se trata apenas de
uma simples ação administrativa.
Autonomia escolar é mediação para a cidadania!
Basta
lembrar que o cuidado com os prédios e a administração do Ministério
Público é feita por promotores de justiça. No judiciário a manutenção
dos prédios e a gestão administrativa cabe a magistrados. Na delegacia
de polícia quem administra é um delegado com vínculo efetivo com a
carreira. Os quarteis da Polícia Militar são geridos por praças e
oficiais militares, e na universidade o reitor e pró-reitores são
escolhidos entre os professores com vínculo efetivo, por concurso, lhes
cabendo a administração universitária, após o voto da comunidade
acadêmica.
Então por que alijar os profissionais da educação da
gestão de seu sistema? Por que impedir nossas crianças de exercitarem a
cidadania, a escolha do gestor por voto e a fiscalização do diretor
eleito, no mesmo momento em que conhece as primeiras letras?
Há outras vítimas em potencial.
Os
atuais servidores públicos da educação recolhem contribuição
previdenciária (incidente nos salários) que complementa o pagamento dos
proventos dos colegas servidores aposentados. Com a ruptura, o fundo de
pensão deixa de ser alimentado, e daqui a 5, 10 anos, quando for se
aposentar o servidor terá dificuldades imensas, justamente porque não
haverá a contribuição de servidor na ativa para alimentar (complementar)
o mesmo fundo previdenciário.
Assim, o rombo da previdência
será alargado a curto prazo (porque o orçamento público deverá assumir
essa despesa) e/ou teremos uma geração de idosos pedintes nas ruas.
E por fim.
As
ocupações nas escolas pedem que seja abortado o projeto de privatização
e reclamam a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
para investigar os fatos revelados na Operação do GAECO que flagrou uma
organização criminosa de servidores públicos e empresários unidos para
saquear recursos públicos da educação.
Quem nos garante que esse
tipo de servidor público vendilhão não será o encarregado de conduzir o
processo de privatização, e o mesmo tipo de “empresário” corrupto não
vencerá a licitação e se apossará da gestão das escolas?
Antonio Cavalcante Filho e Vilson Pedro Nery são ativistas do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE.
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