Os professores eméritos de Direito Constitucional da USP, Fabio Konder
Comparato e Dalmo de Abreu Dallari, acabaram de lançar um manifesto de
juristas brasileiros e estrangeiros com críticas ao rito do Impeachment
da presidenta afastada Dilma Rousseff (PT).
Veja o texto:
A CORRETA SISTEMÁTICA JURÍDICA DO PROCEDIMENTO DE IMPEDIMENTO DA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF.
1. A Constituição Federal de 1988 abre-se com a declaração solene de
que “a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado
Democrático de Direito”. O atual processo de crime de responsabilidade,
instaurado contra a Presidente Dilma Rousseff, infringe flagrantemente
seus três princípios políticos fundamentais.
2. Viola o princípio
republicano, porque submete o bem comum do povo (res publica) ao
interesse particular de um grupo minoritário de cidadãos. Desrespeita o
princípio democrático, porque busca destituir a Presidente da República
legitimamente eleita, em razão de fatos que não dizem respeito à
violação da soberania popular. Por fim, infringe o princípio do Estado
de Direito, porque descumpre uma série de procedimentos que constituem
condições indispensáveis ao exercício do poder excepcional de
destituição da Chefe de Estado, como se passa a demonstrar.
3.
Para caracterizar “crime de responsabilidade”, na forma do art. 85, inc.
VI, da CF, e do artigo 10 da Lei 1079/1950, com fundamento em fatos
extraídos do orçamento da União de 2015, é necessário parecer prévio do
Tribunal de Contas, relativo às contas prestadas pela presidência da
República no exercício orçamentário que se pretenda questionar.
4. Assim também, neste mesmo sentido, faz-se necessário prévio parecer
da “Comissão Mista Permanente de Planos, Orçamentos Públicos e
Fiscalização”, sobre as contas prestadas pela presidência da República
relativas ao mesmo orçamento, nos termos do art. 166, inc. I, da CF.
5. E, por fim, após ultrapassadas estas duas etapas, é imperiosa a
conclusão do Congresso, em sessão conjunta, sobre a rejeição das contas,
com base no art. 49, inc. IX, da CF (com “rejeição” ou “aprovação com
ressalva” que evidencie a conduta ilícita).
6. A sistemática do
artigo 85 da Constituição exige, para fundamentação do pedido de
afastamento do Presidente, a indicação precisa do ato que ele praticou,
diretamente, no exercício do mandato que esteja exercendo, para que
reste enquadrado em uma das figuras legais de crime de responsabilidade.
E para que se caracterizar o crime, é necessária ainda a comprovação de
que o ato foi praticado de má fé, com a intenção de obter proveito
ilícito próprio.
7. Sem isso, não é possível utilizar o argumento
jurídico-constitucional de ter havido desrespeito à lei orçamentária,
para fins de validamente tramitar ou aprovar impedimento do Presidente
da República por crime de responsabilidade.
8. Uma série enorme
de argumentos de mérito pode ser utilizada e alegada em defesa do
não-cabimento de pedido de impedimento da Presidente Dilma Rousseff por
descumprimento da legislação orçamentária. Têm sido listados: (a) desvio
de finalidade pelo Presidente da Câmara no recebimento do pedido de
impedimento, (b) perda de objeto por aprovação posterior da nova meta
fiscal, (c) impossibilidade de alteração da jurisprudência do TCU com
efeitos retroativos, etc. Todos estes argumentos nem chegam a ter
cabimento ou debate sem que o pleito de impedimento, pelo mérito, tenha
início com a verificação, ainda que em tese, da figura típica do art.
85, inc. VI, da CF.
9. O percurso e competências constitucionais
decorrentes dos arts. 85, inc. VI, 166, inc. I, e 49, inc. IX, são
cogentes, e não podem ser afastados por um procedimento especialmente
criado para acelerar uma vontade política conjuntural, ainda que à
unanimidade.
10. A Constituição de 1988 continua em vigor, e não
podem a Câmara, o Senado, o STF, e nem mesmo o especial tribunal de
impedimento (Senado sob a presidência do Ministro-Presidente do STF)
alterarem casuisticamente o rito nela traçado.
Brasil, 27 de junho de 2016.
Visite a pagina do MCCE-MT