Negociar o mandato com interlocutores não autorizados pode ser o fim da consagração obtida por Dilma Rousseff. Afinal, foi por um conchavo, desmoralizando o valor do voto, que ela saiu; é assim que pretende voltar? Mau negócio.
Jornal GGN - O cientista político que antecipou o
golpe de 1964, Wanderley Guilherme dos Santos, avalia como sem sentido a
proposta de Dilma Roussef voltar ao poder apenas para abrir mão de ser
presidente por meio de um plebiscito que pode antecipar a eleição
presidencial. Segundo ele, sequer está claro como tal ideia - que ganhou
atenção de parte da esquerda - pode ser levada a cabo, se depende do
Congresso para sair do papel. O mesmo Congresso que, em conluio com
mídia e outros setores, conseguiu derrubar Dilma.
"Negociar o mandato com interlocutores não autorizados pode ser o fim
da consagração obtida por Dilma Rousseff. Afinal, foi por um conchavo,
desmoralizando o valor do voto, que ela saiu; é assim que pretende
voltar? Mau negócio."
Por Wanderley Guilherme dos Santos
No Segunda Opinião
Compram-se riscos de desfecho popularmente ruinoso quando o pessoal
do setor de serviços, dispondo de meios de propaganda, parece capturar a
liderança ideológica do setor secundário. Por razões estritamente de
mercado de trabalho e de renda, variável em limites toleráveis, os
radicais da palavra ousam apostas estratégicas, capazes que são de
absorver eventuais custos do fracasso. A turma do trabalho pesado,
contudo, expõe-se a custos absolutos, a saber, perda de cem por cento da
renda. Há uma disparidade de custos, visível na frívola radicalidade
dos repassadores de ideologia, e o cauteloso cálculo da liderança
operária. O ímpeto da crônica intelectualizada alimenta-se com o sucesso
de audiência, integrada por múltiplos de si próprios. Não há
assembleias de analistas similares às grandes convocações sindicais. À
falta de controle crítico das propostas de ação, os generais do
radicalismo competem pelo aplauso inorgânico dos apaixonados, mas com
renda garantida. A população da internet tem ralo compromisso com o
destino das propostas, aplauso ou vaia. Nada se segue, como recompensa,
além de mais aplauso ou vaia.
Surpreendentes fórmulas para substituição do poder em exercício
negligenciam o detalhe de que continua em exercício um poder detém
razoável capacidade bélica. No mínimo, por tempo suficiente para
infligir custos irreparáveis a parte da tropa assalariada se esta,
persuadida pela promessa de vitória consagradora, entregar-se a
celebração antecipada. Pois a Central Única de Trabalhadores sucumbiu à
pressão dos alquimistas institucionais, apoiando que Dilma Rousseff
prometa o que não tem autoridade para entregar – convocar novas eleições
presidenciais ou plebiscito, a moeda de troca é maleável – se o Senado
restituir-lhe o mandato. Omite-se do conchavo informar quantos e quais
seriam os senadores convertidos, quantos legisladores na Câmara dos
Deputados, sem a qual o conchavo não funcionará, e, ainda, se não haverá
pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, ativado pelo PSDB, OAB, ou
qualquer um dos agentes que se sinta espoliado.
No linguajar ideológico do século XX figurava a apostasia do
“voluntarismo” quando alguma liderança escapava às “condições objetivas
de luta”, tentando impor iniciativas sustentadas pelo desejo de que o
sucesso estivesse ao alcance de uma greve ou de um artigo jornalístico.
Ignorando a “correlação de forças”, os apressados substituíam a real
distribuição de poder pela contabilidade subjetiva que, não sendo
compartilhada pelos grandes números, padecia de imperdoável idealismo.
Idealismo desastrado, risco atormentando os reformadores diante de
escolhas urgentes. Não assim aos propagandistas da
vitória-a-espera-de-um-grito, certos de que a intensidade do desejo
consegue sujeitar o mundo a suas elucubrações.
Duradouras expressões de inconformismo com o governo interino de
Michel Temer indicam disposição do público de aderir à demanda de
retorno aos “quadros institucionais vigentes” de que falava, em 1955, o
general Henrique Lott. Se, à época, cumpria garantir a posse do
presidente eleito, Juscelino Kubitschek, reivindica-se agora a
restituição do mandato à presidente Dilma Rousseff, vitoriosa em 2014. O
moto sincronizado de todas as manifestações tem sido “Fora Temer”, sem
menção de remendos à Constituição contundida. Então, por que cargas
d’água, contra a ilegal tomada do poder pelo PMDB, não basta o simples
retorno de Dilma Rousseff à presidência? De onde surgiu a espaventosa
ideia de novas eleições? E o que pensar do estranho enigma de exigir o
retorno de Dilma Rousseff para que ela, então, convoque um plebiscito?
Mas, eis que a presidente Dilma Rousseff dispõe-se a apoiar novas
eleições desde que recupere o mandato. Como assim? Se todos os
movimentos pelas capitais afora recusam sua destituição do poder, a que
vem abdicar em favor de novas eleições fora do cronograma previsto? Só
com emenda constitucional, e quem irá convencer o Congresso, os
tribunais, àqueles interesses que financiaram a campanha pelo
impedimento e os jornais corrompidos? Negociar o mandato com
interlocutores não autorizados pode ser o fim da consagração obtida por
Dilma Rousseff. Afinal, foi por um conchavo, desmoralizando o valor do
voto, que ela saiu; é assim que pretende voltar? Mau negócio.
Fonte GGN
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