Cobertura é vista como alinhada aos interesses das forças políticas conservadoras, do mercado financeiro e à agenda neoliberal, hoje representada por PMDB e PSDB. Parece que a frase ”imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”, de Millor, tão repetida por Noblat durante o governo Dilma, foi completamente esquecida pelas principais empresas de jornalismo. A cobertura pitbull do governo federal foi abandonada para dar lugar à cobertura poodle.
Por João Filho
The Intercept Brasil – Em junho do ano passado, Otávio Frias Filho, diretor editorial e um dos herdeiros da Folha de S.Paulo, participou de uma conferência em Londres em que se discutiu o papel da mídia na crise política brasileira. Uma das convidadas era a jornalista britânica Sue Branford,
que criticou a falta de pluralidade da imprensa e apontou o maciço
apoio dos grandes veículos de comunicação ao processo de impeachment de
Dilma. Irritado, Frias tentou desqualificá-la ao dizer que sua visão
correspondia à da “militância do PT” e completou dizendo que a “mídia
não manipula ninguém”. Em outro momento da conferência, defendeu a Folha
ao dizer que a empresa tratou de forma igualmente crítica os governos
FHC, Lula e Dilma – e que o mesmo aconteceria com Temer.
Quem acompanha o noticiário com um mínimo de atenção e está com
as faculdades mentais em ordem, sabe que essa é uma grande falácia. A
cobertura da grande mídia é tendenciosa e alinhada aos interesses das
forças políticas conservadoras, do mercado financeiro e à agenda ultra
neoliberal hoje representada por PMDB e PSDB.
Essa semana foi lançado o novo site do Manchetômetro –
uma iniciativa do cientista político e coordenador do Laboratório de
Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) João Feres Jr, da UERJ – que
faz um monitoramento diário da cobertura dos principais veículos da
grande mídia (Folha, Estadão, O Globo e Jornal Nacional) sobre temas
como política e economia. É uma ferramenta que traz dados importantes
para o debate político e ajuda a compreender o papel da mídia no
processo democrático. Na nova versão do site, os visitantes podem
produzir seus próprios gráficos escolhendo temas, veículos, partidos e
período desejado.
É uma ferramenta fascinante para confirmar as nossas
percepções. Criei alguns gráficos que demonstram a mudança de postura
repentina da grande mídia em relação ao governo federal. Este aqui
avalia a cobertura do jornal dos Frias em relação ao governo federal de
2015 até hoje:
Percebam como as notícias desfavoráveis ao governo
federal começam a cair a partir de abril, mês em que Michel Temer assume
o poder.
O gráfico do Jornal Nacional é o mais impressionante. O número
de matérias contrárias ao governo federal despenca vertiginosamente logo
após o impeachment.
O próximo gráfico mostra como foi a cobertura de todos os veículos analisados (O Globo, Folha, Estadão, Jornal Nacional):
Parece que a frase ”imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”, de Millor, tão repetida por Noblat durante
o governo Dilma, foi completamente esquecida pelas principais empresas
de jornalismo. A cobertura pitbull do governo federal foi abandonada
para dar lugar à cobertura poodle.
Agora vejamos como a mídia se comporta em relação aos três maiores partidos do país:
Os números derrubam a tese de que o PT sempre teve uma
cobertura mais crítica por estar no poder e, por isso, naturalmente
seria o mais fiscalizado. No mês que antecede o impeachment, houve um
pico de matérias contrárias ao partido. PMDB e PSDB, mesmo tendo
assumido o governo federal e estando tão enrolados na Lava Jato quanto o
PT, continuaram desfrutando de maior complacência da grande imprensa.
O apoio midiático à reforma da previdência proposta por Temer também foi identificado por um estudo da Repórter Brasil,
que analisou os três principais impressos (Estadão, Folha, O Globo) e
os dois maiores telejornais (Jornal Nacional e Jornal da Record).
O levantamento chega à conclusão de que quase não há espaço
para opiniões contrárias à reforma. A Globo, claro, foi a empresa que
melhor estendeu o tapete para o governo Temer desfilar. 90% dos textos
sobre o assunto no jornal O Globo foram favoráveis à mudança. Folha e
Estadão não ficaram muito atrás: 83% e 87%.
No Jornal Nacional, apenas 9% do tempo dedicado a fontes ou
dados contrários à reforma. Foram 29min54s de cobertura favorável,
contra apenas 2min 47s de cobertura crítica – uma reportagem que
questionava a exclusão dos militares da reforma. A Rede Globo de
televisão, que deveria usar a concessão pública para ampliar o debate em
torno de um tema complexo que afetará profundamente a vida da maioria
do povo, coloca o jornal de maior audiência do país como militante do
projeto que limita os direitos previdenciários.
O G1, também da Globo, compartilhou nas redes sociais essa manchete:
Em nenhum momento da reportagem o
leitor é informado que é incorreta a informação de que a “maioria da
população é favorável” às reformas. Diferentes pesquisas (1, 2, 3)
indicam exatamente o contrário, mas nem precisaríamos delas, já que
até o próprio governo federal sempre admitiu a impopularidade das
reformas. O jornalismo que permite que o prefeito da maior capital do
país minta sem contestá-lo com a realidade dos fatos não é jornalismo. É
assessoria de imprensa. Do prefeito-presidenciável e das reformas
impopulares de Temer.
O SBT não entrou na análise, mas Michel Temer foi pessoalmente falar com Sílvio Santos para
pedir seu apoio. No dia seguinte ao encontro, o SBT passou a veicular
em sua programação algumas mensagens pintando o apocalipse caso a
reforma não seja aprovada. Aprecie o terrorismo dessas duas peças:
O apresentador Ratinho também foi escalado para ser garoto-propaganda das reformas.
Depois de conseguir aprovar a reforma trabalhista,
Temer conta com o rolo compressor midiático para a reforma
previdenciária, que terá mais dificuldades para ser aprovada. Os números
não mentem. Diferente do que prega Frias Filho, os oligopólios de mídia
têm lado claro no jogo político e não vão medir esforços para implantar
a agenda neoliberal que foi rejeitada nas urnas pela maioria da
população por quatro vezes seguidas.
Fonte Rede Brasil Atual
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