O Brasil é um país desumano, impiedoso, incivilizado, maldoso e cruel contra a maioria do seu povo. O Brasil é guiado por uma equação perversa: predação e violência das elites e falta de virtude do povo. As esquerdas, os democratas e progressistas, em grande medida, são responsáveis por essa falta de virtude
Por Aldo Fornazieri
Os liberais impostores e a
esquerda medrosa continuam com sua ladainha clamando contra a
intolerância política, contra o ódio e contra a radicalização do
processo político. Nesse final de semana foi a vez do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso visitar o muro das lamentações. Uns e outros
enfatizam, como marcas da democracia, o convívio e a interlocução entre
adversários, os modos civilizados de ser, a aceitação da diversidade, a
polidez no debate e o respeito às leis e à Constituição, entre outros
pontos. Todos eles seriam louváveis se, de fato, o Brasil fosse uma
democracia. FHC acrescenta à esses valores a ideia de que a democracia
se define também pelas regras do jogo político, respeitado o resultado
da vontade soberana do povo no processo de escolha dos governantes que
devem ter mandatos limitados no tempo. Poder-se-ia acrescentar que a
democracia é um sistema no qual se usam métodos pacíficos para a solução
dos conflitos sociais pela via da mediação das instituições.
Tudo isso é válido e belo, mas, no Brasil, é válido e belo para uma
parte minoritária da sociedade. Os clássicos da democracia e da
república, de Montesquieu a Tocqueville, entre outros, foram enfáticos e
resolutos em assimilá-las à igualdade como substância necessária para
defini-las. Não só a igualdade perante a lei, mas uma igualdade
material. E foram categóricos em apontar as desigualdades como causas
das discórdias, dos conflitos e das revoluções.
Na Europa as democracias se afirmaram pela via de revoluções, pela
decepação de cabeças de monarcas e nobres, pela tomada de bastilhas,
pelo assalto a palácios etc.. Nos Estados Unidos, a revolução
igualitária foi prévia à revolução política efetivada pela Guerra da
Independência e pelo processo de aprovação da Constituição. No Brasil
não tivemos nada disso e nunca tivemos democracia fundada no seu
alicerce imprescindível: a igualdade perante a lei e a igualdade
material.
Outro ingrediente absolutamente necessário à definição de democracia
consiste no exercício da cidadania, algo que é residual e não universal
no Brasil. Cidadania e direitos andam juntos e não temos nenhum dos dois
elementos firmados de forma consistentes em nosso país. Assim, dizer
que a Constituição de 1988, em que pese os seus avanços, é a
Constituição cidadã, vem se revelando uma falácia. Não existe cidadania
como direitos garantidos e não existe participação cidadã na vida
política e social. A sociedade civil é frágil, sem força e
desarticulada.
Mas o ponto principal é a desigualdade. O Brasil é o nono país mais
desigual do mundo. A renda média mensal do brasileiro é de R$ 1.268. São
100 milhões de brasileiros recebendo até um salário mínino e, desses,
50 milhões vivem na linha da pobreza e mais de 13 milhões vivem na
pobreza extrema, o que equivale viver com até R$ 57 por mês. Dados do
IBGE divulgados na semana passada mostram que 26,4 milhões de
brasileiros são subutilizados. Pobres e mesmo milhões de assalariados
não dispõem de atendimento adequado de saúde, educação, assistência etc.
Além da violência, estão submetidos a riscos de toda ordem.
A Constituição e as leis são violadas pelos três poderes e pelos
ricos. O Judiciário viola a ambas no plano político, econômico e social.
Garante direitos para os ricos e punição para os pobres. O sistema
policial está a serviço da proteção patrimonial dos ricos. Toda a
situação se agravou com a instauração de um governo golpista e
ilegítimo, protegido pelo Congresso e pelo Judiciário. A população sem
direitos vive sob uma não-democracia e não pode usufruir da liberdade e
não tem uma vida digna.
As imposturas liberais e as sucro-esquerdas afirmam que a superação
das desigualdades vem com a educação. É uma meia verdade e, portanto,
uma impostura ideológica para amortecer o conflito. Enquanto dizem isso,
mantêm uma educação escandalosamente vergonhosa, que não emancipa
ninguém, que não dá autonomia a ninguém. Pesquisa da OCDE mostra que
apenas 2,1% dos alunos pobres brasileiros têm bom desempenho escolar.
A intolerância com os intolerantes é necessária
Na segunda metade do século XX liberais e social-democratas criaram a
falsa tese da prosperidade para todos, da cidadania para todos, dos
direitos para todos e da riqueza duradoura das nações. O mundo seria
pacífico e civilizado. Hoje, o que se vê são os deserdados da
globalização, os massacrados pelas guerras e violências sociais, os
demônios soltos do fascismo e do neonazismo e a loucura governando o
país mais poderoso do mundo. Este quadro anticivilizacional é filho do
liberalismo, da social-democracia e da centro-esquerda. O liberalismo
abandonou os direitos e a social-democracia e a centro-esquerda se
tornaram o flanco esquerdo do liberalismo. A sua corrupção, a sua
incompetência, a sua opulência fez com que deixassem um amplo campo
aberto onde a extrema-direita ceifa impiedosamente e onde cultiva as
ervas do ódio, da intolerância, da xenofobia e da violência. Aqui no
Brasil, ódio, intolerância e violência são filhos do PSDB, do PMDB, de
FHC, da esquerda medrosa, que por ação ou omissão albergaram os grupos
fascistóides no vergonhoso processo de impeachment.
É preciso ser intolerante com os intolerantes, pois se eles
triunfarem também seremos responsáveis. É preciso ser combativo contra
uma elite predatória que nega direitos, cidadania e democracia para a
maioria do povo brasileiro. É preciso ser intolerante com o Judiciário
corrupto, violador da Constituição e das leis e que está a serviço dos
ricos. É preciso ser intolerante com sonegadores, corruptos e com os
privilégios dos políticos, dos juízes e do alto funcionalismo. É preciso
ser intolerante com as desigualdades, com a sonegação de direitos, com o
sistema fiscal que tira dos pobres para dar aos ricos.
O Brasil é um país desumano, impiedoso, incivilizado, maldoso e cruel
contra a maioria do seu povo. O Brasil é guiado por uma equação
perversa: predação e violência das elites e falta de virtude do povo. As
esquerdas, os democratas e progressistas, em grande medida, são
responsáveis por essa falta de virtude. Preferem reclamar do que lutar,
preferem conciliar do que organizar e mobilizar. Inventam as mais
mirabolantes teses para explicar as vitórias dos inimigos do povo e o
seu próprio fracasso. Nas suas alucinações, anunciam vitórias que nunca
chegarão. Não conseguem perceber que a última instância da política é a
força. Inventam lideranças que não têm força organizada e que caem ao
primeiro sopro de golpistas. E, sem força organizada e combativa,
imaginam que podem fazer grandes transformações pela via das
instituições sem perceber que os poucos avanços que conseguem serão
recobertos por terríveis retrocessos nas suas subsequentes derrotas
eleitorais ou pelo seu apeameto do poder por golpes.
Neste tenebroso século XXI é preciso perceber que a ação política
mudou de natureza: vivemos uma decadência da democracia, uma decadência
da igualdade, uma decadência da liberdade, uma decadência dos valores
humanísticos e uma decadência da civilização. Os inimigos de todos esses
valores, direitos e instituições estão combatendo. Os antigos liberais e
democratas estão empoleirados no poder e/ou no gozo de suas riquezas. O
jogo democrático normal está desaparecendo, violentado pelos primeiros e
mascarado pelos segundos. Se tudo isto é terrível para o mundo, é mais
terrível para o Brasil - país não-democrático. Este mundo sombrio e este
país sombrio precisam ser enfrentados com coragem e luta. As novas
gerações precisam ser educadas e preparadas sob a égide dessas virtudes e
práticas combativas.
Fonte Brasil 247