Embora Bolsonaro e Modi tenham algumas afinidades ideológicas, é pouco provável que a viagem do brasileiro à Índia tenha algum efeito prático significativo, dada à política externa subalterna de Bolsonaro.
Diferentemente de Bolsonaro, Gandhi, pacifista e ferrenho combatente contra as desigualdades e a
pobreza, perturbado em seu túmulo profanado, decerto não gostou.
Por Marcelo Zero, sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
A parceria estratégica entre Índia e Brasil foi estabelecida oficialmente pelo presidente Lula, em 2006.
Foi também no período Lula que se criou o foro do IBAS (Índia, Brasil
e África do Sul) e o grupo do BRICS, do qual a Índia faz parte.
Naqueles tempos, o Brasil tinha política externa autônoma, voltada
para articulação dos interesses dos países em desenvolvimento no cenário
mundial.
Os resultados políticos vieram. Também os econômicos. Entre 2006 e
2012, as exportações do Brasil para Índia aumentaram de US$ 938 milhões
para US$ 5,57 bilhões, ou seja, foram multiplicadas por mais de cinco
vezes.
Entretanto, com a crise e com uma política externa que abandonou a
cooperação sul-sul e que põe ênfase exclusiva no alinhamento submisso
aos EUA, o relacionamento com a Índia vem se tornando irrelevante.
Politicamente e economicamente.
Entre 2017 e 2019, as exportações para aquele país caíram de US$ 4,65
bilhões para apenas US$ 2,76 bilhões, menos da metade do número
observado em 2012.
Nesse ano do governo Bolsonaro, a Índia foi somente nosso 17°
parceiro comercial. Ressalte-se que, nesse último ano, tivemos déficit
de quase US$1,5 bilhão com a Índia.
A tendência é que esse déficit se amplie, pois o Brasil importa óleo
diesel da Índia, bem como pesticidas e fungicidas para a agricultura.
Com a Petrobras cada vez mais abandonando o refino, as importações de
diesel tendem a aumentar. Deverão aumentar também as importações de
pesticidas, com a política de liberação desses produtos no Brasil.
A promessa de retirar a queixa brasileira contra os subsídios ao
açúcar indiano na OMC, feita sem nenhuma contrapartida, deverá também
prejudicar os interesses comerciais do Brasil.
Embora Bolsonaro e Modi tenham algumas afinidades ideológicas, é
pouco provável que a viagem do brasileiro à Índia tenha algum efeito
prático significativo, dada à política externa subalterna de Bolsonaro.
O número de acordos firmados (15) não assegura nada. Oito deles são
meros Memorandos de Entendimento, promessas vazias de cooperação, que
não criam obrigações, perante o Direito Internacional Público.
Mas, mesmo aqueles que criam obrigações mútuas, só funcionam, na
prática, com empenho de ambas as partes e vontade política. Vontade
política própria, frise-se. Coisa que falta ao governo do capitão. Isso e
visão estratégica.
As prioridades estratégicas da Índia são seu relacionamento com China
e Rússia, seu conflito com o Paquistão e sua recente aliança militar
com os EUA. O Brasil de Bolsonaro, mero súdito geopolítico dos EUA,
tende a ter importância cada vez mais secundária, ao contrário do que se
verificou no governo Lula.
Não há, pois, nada a se comemorar nessa viagem protocolar e vazia.
Gandhi, pacifista e ferrenho combatente contra as desigualdades e a
pobreza, perturbado em seu túmulo profanado, decerto não gostou.