quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A Verdadeira Causa da Impunidade no Brasil





Por Mario Guerreiro*

Mas a pergunta que deve ser feita agora é: Qual a causa dessa odiosa impunidade?

Os marxistas dirão que a verdadeira causa da criminalidade é a luta de classes, os freudianos dirão que é a repressão da libido, os nietzschianos dirão que é a vontade de potência, mas o ex-prefeito de Nova Iorque, Rudolf Giuliani, mostrou que é a impunidade.

Seu bem sucedido programa de combate ao crime, denominado Broken window, foi uma eloqüente prova disso. No que consistia este mesmo? No princípio de que nenhuma violação da lei, por menor que seja – um marginal quebrar o vidro de uma janela, por exemplo – deve ficar impune. Não só pelo caráter punitivo da pena, mas principalmente por seu caráter exemplificativo e pedagógico, capaz de inibir outras possíveis transgressões da lei.

Creio que a maioria das pessoas sensatas há de concordar que, se a impunidade não é a única, é ao menos uma das mais importantes causas da criminalidade. No caso do Brasil, no entanto, em que os delitos mais leves - como pequenos furtos, por exemplo – costumam ser punidos, porém os mais graves costumam ficar impunes, as coisas não são bem assim... Os criminalistas brasileiros costumam dizer que só vão em cana os PPP (Pobres, Pretos e Pedintes). O pressuposto é que ricos, brancos e poderosos beneficiam-se de generalizada impunidade. Embora não concordemos com esse maniqueísmo racial, principalmente num país em que predomina a mestiçagem, reconhecemos que há aí um fumus de verdade...

Não só os crimes de colarinho branco – praticados por políticos, altos funcionários públicos, grandes empresários, etc. - como também os praticados por quem quer que tenha suficientes recursos financeiros para contratar um bom advogado, dificilmente serão punidos. Mas a pergunta que deve ser feita agora é: Qual a causa dessa odiosa impunidade?

Resposta sucinta: um poderosíssimo lobby atuante 24h no Congresso Nacional. De que grupo? Ora, de um grupo muito interessado em manter um determinado estado de coisas... Que estado de coisas? O da enorme quantidade de recursos legais, a saber:

(1) agravo de instrumento

(2) agravo retido

(3) apelação

(4) embargo infringente

(5) agravo interno

(6) recurso especial,

(7) recurso extraordinário,

(8) embargo de divergência,

(9) ação rescisória, etc, etc, usw.


Dada essa variadíssima fauna de recursos, um bom advogado chegado à chicana pode empurrar o caso de seu cliente com a barriga por longérrimo e indefinido tempo. Aí então, finalmente, após longos e escaldantes verões, quando todos os recursos já tiverem se esgotado e o réu estiver para ser condenado....tan, tan-tan-tan!..., ele é salvo pelo gongo! Ou seja: o crime prescreveu!

Prescrição...Esta é outra coisinha incompreensível: por que raios, no Brasil, o tempo anula o crime? Crime cometido é crime cometido, não importando por quem, onde, quando e há quanto tempo. Nem mesmo meio século devia ter esse poder de anulação. O arrependimento realmente sincero, vindo do mais fundo d’alma, tem o poder de perdoar o mais grave de todos os pecados, mas o mero passar do tempo não. E se o passar do tempo não tem o poder de perdoar um pecado, por que o teria de passar a esponja num crime?

Boa questão, mas esta não é minha indagação crucial. Ei-la: A que grupo da sociedade pode interessar essa profusão de recursos, a tal ponto de ele formar um poderoso lobby no Congresso, para evitar qualquer reforma capaz de simplificar ritos processuais e diminuir a quantidade de recursos?

À sociedade? É evidente que não, uma vez que isto produz a impunidade e esta não interessa aos homens de bem. À agilidade da Justiça? É evidente que não, pois isto só faz aumentar o trabalho dos magistrados e emperrar o andamento dos processos. Aos promotores? É evidente que não, por motivos semelhantes aos dos magistrados. Aos defensores públicos? É evidente que não, pois isto só os assoberba de trabalho e não gera nenhum lucro. Afinal, a quem pode interessar essa absurda quantidade de recursos?

Aos réus? É óbvio! Mas eles carecem de condições de financiar um lobby poderoso... Se é assim, reformulemos a questão: A quem mais pode interessar, e seja um grupo que tenha condições de financiar tal lobby?

Responderei mediante singela analogia: nada mais interessante do que a psicanálise ...para os psicanalistas, é claro. Isto porque eles têm sempre a possibilidade de adquirir clientes para o resto da vida. E quem não os quer? Os psicanalistas têm de fato o poder de fazer reservas de mercado, mas não de fazer um lobby no Congresso. Mas será que eles são os únicos profissionais liberais a quem poderia interessar reter um cliente cativo por indefinido tempo e ter o poder de financiar um poderosíssimo grupo de pressão?

APÊNDICE I: TO WHOM IT MAY CONCERN

No meio filosófico acadêmico anglo-americano é bastante conhecida a teoria da descrição de Bertrand Russell. A idéia básica é que um nome próprio é uma descrição definida abreviada. Por exemplo: “Brasília” e “a capital do Brasil”. Desse modo, aplicando a Lei de Leibniz, esta pode ser substituída por aquela e vice-versa em todo e qualquer contexto, salva veritate.

Penso ter descoberto uma aplicação da Lei de Leibniz à teoria da argumentação. O leitor atento deve ter percebido que não mencionei nem uma só vez o nome do grupo lobista, mas o descrevi com razoável clareza e precisão. Para o bom entendedor, meia-palavra basta. Fiz uma carapuça com muito esmero, aguardemos, pois, para ver em que cabeça ele se encaixa com perfeição, sem precisar forçar.


APÊNDICE II: DEUS DÁ O FRIO CONFORME O COBERTOR


Circula pela Internet a seguinte piada: Deus chamou George W.Bush, Fidel Castro e Lula e disse para eles que estava decepcionado com o ser humano e, por isso mesmo, iria acabar com o mundo dentro de três dias. Bush foi para a televisão e disse: “Americanos, tenho duas notícias importantes: uma é muito boa, mas a outra muito ruim. A boa é que Deus existe; a ruim é que o mundo vai acabar”. Fidel Castro foi para a televisão e disse: “Povo cubano, tenho duas coisas importantes: todas duas muito ruins. Uma é que Deus existe e a outra é que o mundo vai acabar”.

Finalmente, Lula foi para a televisão e disse:“Brasileiros e brasileiras, tenho duasótimas notícias: uma é que Deus existe e a outra é que não teremos mais mensalão, ladroeira, mentira política, falcatrua, criança abandonada, péssimas condições de saúde e de educação, gente sem terra, gente sem emprego, cidadãos honestos constantemente ameaçados pela criminalidade, estagnação econômica, etc.

*Mario Guerreiro

Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002). Já apresentou 69 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 37 artigo