Por Mario Guerreiro*
Mas a pergunta que deve ser feita agora é: Qual a causa dessa odiosa impunidade?
Os
marxistas dirão que a verdadeira causa da criminalidade é a luta de
classes, os freudianos dirão que é a repressão da libido, os
nietzschianos dirão que é a vontade de potência, mas o ex-prefeito de
Nova Iorque, Rudolf Giuliani, mostrou que é a impunidade.
Seu
bem sucedido programa de combate ao crime, denominado Broken window,
foi uma eloqüente prova disso. No que consistia este mesmo? No princípio
de que nenhuma violação da lei, por menor que seja – um marginal
quebrar o vidro de uma janela, por exemplo – deve ficar impune. Não só
pelo caráter punitivo da pena, mas principalmente por seu caráter
exemplificativo e pedagógico, capaz de inibir outras possíveis
transgressões da lei.
Creio
que a maioria das pessoas sensatas há de concordar que, se a impunidade
não é a única, é ao menos uma das mais importantes causas da
criminalidade. No caso do Brasil, no entanto, em que os delitos mais
leves - como pequenos furtos, por exemplo – costumam ser punidos, porém
os mais graves costumam ficar impunes, as coisas não são bem assim... Os
criminalistas brasileiros costumam dizer que só vão em cana os PPP
(Pobres, Pretos e Pedintes). O pressuposto é que ricos, brancos e
poderosos beneficiam-se de generalizada impunidade. Embora não
concordemos com esse maniqueísmo racial, principalmente num país em que
predomina a mestiçagem, reconhecemos que há aí um fumus de verdade...
Não
só os crimes de colarinho branco – praticados por políticos, altos
funcionários públicos, grandes empresários, etc. - como também os
praticados por quem quer que tenha suficientes recursos financeiros para
contratar um bom advogado, dificilmente serão punidos. Mas a pergunta
que deve ser feita agora é: Qual a causa dessa odiosa impunidade?
Resposta
sucinta: um poderosíssimo lobby atuante 24h no Congresso Nacional. De
que grupo? Ora, de um grupo muito interessado em manter um determinado
estado de coisas... Que estado de coisas? O da enorme quantidade de
recursos legais, a saber:
(1) agravo de instrumento
(2) agravo retido
(3) apelação
(4) embargo infringente
(5) agravo interno
(6) recurso especial,
(7) recurso extraordinário,
(8) embargo de divergência,
(9) ação rescisória, etc, etc, usw.
Dada
essa variadíssima fauna de recursos, um bom advogado chegado à chicana
pode empurrar o caso de seu cliente com a barriga por longérrimo e
indefinido tempo. Aí então, finalmente, após longos e escaldantes
verões, quando todos os recursos já tiverem se esgotado e o réu estiver
para ser condenado....tan, tan-tan-tan!..., ele é salvo pelo gongo! Ou
seja: o crime prescreveu!
Prescrição...Esta
é outra coisinha incompreensível: por que raios, no Brasil, o tempo
anula o crime? Crime cometido é crime cometido, não importando por quem,
onde, quando e há quanto tempo. Nem mesmo meio século devia ter esse
poder de anulação. O arrependimento realmente sincero, vindo do mais
fundo d’alma, tem o poder de perdoar o mais grave de todos os pecados,
mas o mero passar do tempo não. E se o passar do tempo não tem o poder
de perdoar um pecado, por que o teria de passar a esponja num crime?
Boa
questão, mas esta não é minha indagação crucial. Ei-la: A que grupo da
sociedade pode interessar essa profusão de recursos, a tal ponto de ele
formar um poderoso lobby no Congresso, para evitar qualquer reforma
capaz de simplificar ritos processuais e diminuir a quantidade de
recursos?
À
sociedade? É evidente que não, uma vez que isto produz a impunidade e
esta não interessa aos homens de bem. À agilidade da Justiça? É evidente
que não, pois isto só faz aumentar o trabalho dos magistrados e
emperrar o andamento dos processos. Aos promotores? É evidente que não,
por motivos semelhantes aos dos magistrados. Aos defensores públicos? É
evidente que não, pois isto só os assoberba de trabalho e não gera
nenhum lucro. Afinal, a quem pode interessar essa absurda quantidade de
recursos?
Aos
réus? É óbvio! Mas eles carecem de condições de financiar um lobby
poderoso... Se é assim, reformulemos a questão: A quem mais pode
interessar, e seja um grupo que tenha condições de financiar tal lobby?
Responderei
mediante singela analogia: nada mais interessante do que a psicanálise
...para os psicanalistas, é claro. Isto porque eles têm sempre a
possibilidade de adquirir clientes para o resto da vida. E quem não os
quer? Os psicanalistas têm de fato o poder de fazer reservas de mercado,
mas não de fazer um lobby no Congresso. Mas será que eles são os únicos
profissionais liberais a quem poderia interessar reter um cliente
cativo por indefinido tempo e ter o poder de financiar um poderosíssimo
grupo de pressão?
APÊNDICE I: TO WHOM IT MAY CONCERN
No
meio filosófico acadêmico anglo-americano é bastante conhecida a teoria
da descrição de Bertrand Russell. A idéia básica é que um nome próprio é
uma descrição definida abreviada. Por exemplo: “Brasília” e “a capital
do Brasil”. Desse modo, aplicando a Lei de Leibniz, esta pode ser
substituída por aquela e vice-versa em todo e qualquer contexto, salva
veritate.
Penso
ter descoberto uma aplicação da Lei de Leibniz à teoria da
argumentação. O leitor atento deve ter percebido que não mencionei nem
uma só vez o nome do grupo lobista, mas o descrevi com razoável clareza e
precisão. Para o bom entendedor, meia-palavra basta. Fiz uma carapuça
com muito esmero, aguardemos, pois, para ver em que cabeça ele se
encaixa com perfeição, sem precisar forçar.
APÊNDICE II: DEUS DÁ O FRIO CONFORME O COBERTOR
Circula
pela Internet a seguinte piada: Deus chamou George W.Bush, Fidel Castro
e Lula e disse para eles que estava decepcionado com o ser humano e,
por isso mesmo, iria acabar com o mundo dentro de três dias. Bush foi
para a televisão e disse: “Americanos, tenho duas notícias importantes:
uma é muito boa, mas a outra muito ruim. A boa é que Deus existe; a ruim
é que o mundo vai acabar”. Fidel Castro foi para a televisão e disse:
“Povo cubano, tenho duas coisas importantes: todas duas muito ruins. Uma
é que Deus existe e a outra é que o mundo vai acabar”.
Finalmente,
Lula foi para a televisão e disse:“Brasileiros e brasileiras, tenho
duasótimas notícias: uma é que Deus existe e a outra é que não teremos
mais mensalão, ladroeira, mentira política, falcatrua, criança
abandonada, péssimas condições de saúde e de educação, gente sem terra,
gente sem emprego, cidadãos honestos constantemente ameaçados pela
criminalidade, estagnação econômica, etc.
*Mario Guerreiro
Doutor
em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da
UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica,
Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade
Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de
Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e
da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da
UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem
(EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas,
1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de
Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora
UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre,
1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL,
Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
Já apresentou 69 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 37
artigo
Fonte:www.parlata.com.br