terça-feira, 29 de junho de 2010

o que muda nas eleições 2010 com a Lei Ficha Limpa

Airton Mozart Valadares, presidente da Associação Brasileira de Magistrados

Tira-dúvidas: o que muda nas eleições 2010 com a Lei Ficha Limpa

Martina Cavalcanti

brasil@eband.com.br

Aprovada pelo Congresso em maio e sancionada pelo presidente no início deste mês, a Lei da Ficha Limpa deve enrijecer as regras eleitorais de inelegibilidade, podendo impedir já neste ano a candidatura de figuras conhecidas da política nacional.

Ainda são muitas, porém, as dúvidas que pairam sobre o projeto de iniciativa popular de 1,6 milhão de assinaturas, que chegou ao Congresso em setembro do ano passado e saiu com muitas alterações. O eBand ouviu o presidente da AMB (Associação de Magistrados Brasileiros), Airton Mozart Valadares, para esclarecer os pontos polêmicos da lei. Veja o que muda.

Quem fica impedido de concorrer?

A nova lei expandiu a lista de crimes que podem impedir um cidadão de concorrer às eleições. Terão as candidaturas impedidas os candidatos condenados por órgão colegiado (ou seja, por mais de um juiz), mesmo que ainda caiba recurso, nos seguintes crimes: improbidade administrativa, abuso de poder econômico ou político, corrupção eleitoral, racismo, tortura, terrorismo, abuso sexual, formação de quadrilha, crimes hediondos e crimes contra o sistema financeiro, o patrimônio privado, o meio ambiente e a saúde pública.

Também fica impedido de concorrer aquele que for excluído do exercício de sua profissão por infração ético-profissional ou demitido pelo serviço público por processo administrativo ou judicial.

Por quanto tempo os políticos condenados ficam inelegíveis?

A lei aumenta o período de inelegibilidade de três para oito anos, prazo que passa a ser contado após a decisão judicial. “Antes, a inelegibilidade era contada a partir da data do crime cometido, por isso que os governadores cumpriam a pena no exercício de mandato. Como havia demora no julgamento, quando saia a sentença, eles já podiam se eleger”, compara Valadares.

O juiz cita como exemplos da aplicação da lei antiga os ex-governadores cassados Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Jackson Lago (PDT-MA), Marcelo Miranda (PMDB-TO). “Eles cometeram crime, segundo a Justiça, durante o período eleitoral de 2006, mas só foram julgados ano passado.”

Quem cumpriu a pena na antiga legislação fica inelegível de novo?

Segundo interpretação da AMB, os ex-governadores cassados não correm o risco de terem a candidatura impedida nestas eleições. “No nosso entendimento, eles estão aptos a concorrerem às eleições deste ano porque a legislação não pode aplicar duas penas. Houve cumprimento na íntegra da pena. Falar em cumprimento é até ridículo, mas, infelizmente, as regras eram essas”, justifica Valadares.

No entanto, os casos ainda serão esclarecidos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que irá julgá-los oficialmente a partir de 5 de julho, prazo para o registro de candidaturas.

O que acontece para quem se torna inelegível durante o cumprimento do mandato?

Para quem é cassado durante o exercício do poder e para quem renuncia ao mandato com o objetivo de não perder os direitos políticos após oferecimento de representação ou abertura de processo, o prazo de inelegibilidade aumenta ainda mais. O sujeito fica impedido de se candidatar durante o tempo remanescente que teria de mandato e nos oitos anos posteriores.

“A lei da Ficha Limpa é bem mais rigorosa. Se ela estivesse em vigor desde 2006, os três ex-governadores ficariam inelegíveis pelo resto do mandato, ou seja, durante quatro anos, e depois, mais oito anos”, exemplifica Valadares.

Políticos que entrarem com recursos podem ficar livres?

Sim, mas a aprovação de um recurso é dificultada, já que, para suspender a inelegibilidade, é necessário que um grupo de juízes do TSE conceda a autorização enquanto o recurso ainda é analisado.

“Recentemente, Anthony Garotinho e Roseana Sarney foram condenados pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio. Para que eles possam ter os registros das candidaturas, têm de obter o efeito suspensivo concedido por todo o colegiado do TSE, então fica mais difícil”, exemplifica o juiz. “Não é mais uma decisão monocrática, uma decisão do relator”, compara.

A lentidão da Justiça pode atrapalhar a aplicação da nova lei?

Os processos que envolvam políticos devem ser julgados com prioridade, o que deve acelerar as decisões de inelegibilidade daqui para frente. “É prioridade absoluta sobre todos os demais processos tanto para o Ministério Público dar o parecer quanto para o Judiciário julgar”, diz.

“A lei é tão rígida que não aceita que um juiz ou um promotor justifique que está retardando o processo por acúmulo de serviço”, afirma. As penalidades para os juízes e promotores que retardarem o julgamento do processo vão desde advertência e censura até remoção e aposentaria compulsória.

Existe uma lista de fichas-suja que tentam concorrer nestas eleições?

Ainda não. A AMB, responsável por produzir uma lista de fichas-suja em 2008, não irá fazer neste ano, porque casos específicos ainda têm de ser esclarecidos pelo TSE.

Após o registro de candidaturas, que termina no próximo dia 5, o tribunal irá lançar uma lista com os nomes que poderão disputar nas urnas em outubro.

Qual é o próximo passo para “limpar” a política brasileira?

A reforma política, emperrada há décadas no Congresso, é o próximo passo para impedir o uso da máquina pública em prol de interesses particulares.

“A prioridade número um para a próxima legislação é a reforma política. Com ela, a gente acaba de vez com o caixa dois, coligações espúrias, partidos de aluguel, financiamento de campanha superfaturado”, diz.

Fonte: Bad Jornalismo