"Mostrou que a Suprema Corte tem os mesmos problemas e deficiências dos outros poderes. Enfraquece a democracia”. (Chico Alencar)
STF “perdeu a oportunidade” de clarear o entendimento dos eleitores
Josie Jeronimo
A opção do Supremo Tribunal Federal (STF) de deixar para depois das eleições a decisão sobre a validade da Lei da Ficha Limpa teve efeito imediato nos movimentos sociais. Representantes de entidades que lutaram pela aprovação da regra que veta a candidatura de políticos com histórico de condenações e renúncias para evitar responsabilização por irregularidades durante exercício do mandato mostraram-se desapontadas e temerosas com o adiamento do Supremo.
A diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Jovita Rosa, conta que chegou a temer que o STF apontasse a lei como inconstitucional. Na ausência de um posicionamento da Corte, os apoiadores do Ficha Limpa programam mobilização para alertar os eleitores sobre a importância de pesquisar o histórico de seus candidatos antes de votar. “A gente queria que o Supremo tivesse decidido em favor do povo brasileiro, que não tolera mais corrupção. Agora, a sociedade está insegura em relação a isso. Se tem um candidato pendente, vai votar nele ou não? É uma dúvida do chamado voto útil. Criaria menos problemas para todo mundo se o Supremo decidisse antes das eleições.”
O juiz Marlon Reis, um dos criadores da proposta que deu origem ao Ficha Limpa, afirma que o STF “perdeu a oportunidade” de clarear o entendimento dos eleitores. Reis, no entanto, não aponta o Supremo como único responsável pela inconsistência institucional da aplicação da regra, pois o tribunal, argumenta, teve pouco tempo para analisar o tema. O juiz critica a “afronta” dos partidos à Justiça Eleitoral, pois após a aprovação da lei lançaram candidatura de fichas sujas. “O que nos assusta é a coragem de os partidos lançarem os candidatos. Os partidos arriscaram de forma afrontosa e lançaram figuras que vinham contra a lei. E esses próprios partidos ajudaram a aprovar a Ficha Limpa.”
Deficiência
O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) — um dos principais defensores do projeto, quando a proposta tramitava na Câmara — é mais enfático. O parlamentar afirma que o Supremo arriscou sua imagem ao optar pela saída do adiamento e que a Corte mostrou que sofre dos mesmos “problemas” das demais instituições brasileiras. “Acho deplorável. Um dos grandes ministros que tivemos, chamado Evandro Lins e Silva, dizia que o STF é a última instância do direito de errar. De qualquer maneira, cabe errar, não protelar, ter uma vagareza assumida. Discutir durante 11 horas para decidir que a decisão foi não tomar decisão alguma? Foi ruim para a República. Mostrou que a Suprema Corte tem os mesmos problemas e deficiências dos outros poderes. Enfraquece a democracia”. Alencar afirma que caberá ao eleitor definir. “Eles tinham que se empenhar para julgar, não deixar nesse limbo. Agora a decisão está com o povo.”
Ao transferir para o eleitor a missão de barrar ou eleger os ficha sujas, deixando número considerável de candidaturas pendentes, o Supremo contribuiu para manter um cenário de “insegurança jurídica”, critica a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O presidente da entidade, Ophir Cavalcante, afirmou que a indefinição fará com que o eleitor vá às urnas sem saber se seu voto será ou não contemplado. “Quando se fala em insegurança jurídica, é justamente por conta disso, pois o eleitor quer saber se o candidato tem condições ou não de receber o voto. Diante disso, ele fica inseguro, pensando que vai eleger alguém e que esse candidato pode ter sua candidatura negada. Essa situação causa uma confusão enorme”, critica o presidente da OAB.
Fonte: Correio Braziliense