"Fizeram da política um negócio, onde é possível enriquecer rapidamente e fácil. Então muitos espertalhões buscam nela esse caminho fácil de ascensão e também o de ficarem impunes. Enfim, o mandato se transformou num grande escudo de proteção para criminosos". (Ceará)
Entrevista com Antônio Cavalcante Filho, o “Ceará”
A Lei da Ficha Limpa já barrou 242 candidaturas em todo o país. Em Mato Grosso, foram cinco.
O que vale até agora é que esse pessoal não vai poder concorrer a um cargo público eletivo porque, em algum momento da vida, furtou o erário, formou quadrilha ou praticou crimes que os descredenciam ao pleito.
Essa Lei abriu a temporada de faxina popular no sistema político brasileiro. E talvez só o tempo vá mostrar com clareza as grandes repercussões que ela trouxe e ainda trará. (Apesar da indecisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, semana passada, após dois dias de plenária, deixou o Brasil sem uma resposta quanto à validade desta Lei – se vale para esta ou para a próxima eleição.)
Tem muita gente por aí sem dormir direito, assombrada por erros pregressos, que outrora não eram problema algum.
A Lei da Ficha limpa não caiu do céu.
Uma rede de entidades formadas por várias organização da siciedade civil, que mais tarde se constituiu no Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), em 10 anos de luta pelo Brasil a fora, é que articulou tudo isso.
O coordenador do MCCE em Mato Grosso, Antônio Cavalcante Filho, 53 anos, o “Ceará”, explica que esse Movimento fortalece a luta pela moralização das eleições e do país.
Ceará tem apenas o primeiro grau completo e é funcionário na subsede de Cuiabá do Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público (Sintep).
Nesta entrevista, ele fala sobre a necessidade de avançarmos, enquanto sociedade, para uma ampla reforma política, porque só assim teremos a opção de votar em homens públicos que façam juz à etimologia da palavra candidato, que vem de cândido, que significa puro, limpo, sem manchas e sem máculas. Literalmente falando, significa dizer: da cor do leite.
Leia a entrevista.
A Lei da Ficha Limpa já barrou 242 candidaturas no país. Em MT, foram cinco. Além disso, sabe-se que há muita gente sem dormir por causa dessa lei, que o povo acolheu e parece que pegou. Isso em si já é um enorme ganho à chamada democracia representativa?
Sem dúvida é um grnde ganho. E a importância dela não é somente a nível regional, mas nacional. Em nível nacional, muitos candidatos inclusive desistiram do pleito, com medo de serem punidos. Muitos políticos durante muitos anos gastaram muito dinheiro com escritórios de advocacia para não serem cassados, mas essa lei criou um interessante gatilho. O candidato que antes fazia de tudo para manter o seu processo engavetado, agora ao registrar a sua candidatura, estará pedindo para ser julgado. Ele precisa ser condenado ou absolvido, e dessa forma os tribunais se veem obrigados a dar prioridade ao seu processo.
O que mais é preciso para essa lei valer de fato?
São muitos candidatos questionando a validade da lei. Essa decisão do STF, que irá julgar o primeiro caso em última instância, será emblemática, porque vai criar jurisprudência.
Quais são as candidaturas mais visadas em MT e que são acompanhadas pela luta contra a corrupção?
Em Mato Grosso, temos mais ou menos seis candidatos que correm o risco de terem seus votos anulados e seus diplomas casados com base na Lei da Ficha Limpa. São eles: Pedro Henry (PP), Carlos Bezerra (PMDB), Gilmar Fabris (Dem), Jaime Marques (PP), Oscar Bezerra (PSB), e Willian Dias (PSDB). Além desses, Chica Nunes (Dem), Eliene Lima (PP), e José Riva (PP), correm serios risco de serem punido pela no Lei. Nós do MCCE, não agimos movidos por questões pessoais contra ninguém. Toda vez que o MCCE faz alguma representação, para nós não tem importância quem seja, nem o partido. Propomo-nos apenas ser fiscais da lei para que ela seja aplicada em sua plenitude. Afinal foram mais 1 milhão e 133 mil assinaturas de populares para pressionar a criação da Lei de Combate à Corrupção Eleitoral, a Lei 9.840. Para a Lei da Ficha Limpa, colhemos mais de 1 milhão e 600 mil assinaturas no formulário e quase 2 milhões de pessoas assinaram eletronicamente. Portanto ao todo foram quase 4 milhões de apoios.
Fala-se que o povo brasileiro vota mal. Isso é calúnia? O que é preciso para votar certo?
Não se pode fazer esse tipo de afirmação. Alguns fatores levam o povo a votar neste ou naquele candidato. Na verdade grande parcela de eleitores é mal informada por culpa da mídia. Formadores de opinião, que acessam internet, é que têm conhecimento dos processos que essas pessoas respondem, porque elas têm se protegido, se escudado. Por exemplo: poucos são os jornais e site, televisões e rádios que têm divulgado nesses últimos 10 anos o moroso escândalo da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Daí parte da população não terem se indignado contra esses candidatos, que, contando com a desinformação, usam verdadeira máquina eleitoral financeira para continuar obtendo bons resultados, mesmo respondendo a tantos processos. Estamos tentando mudar isso, fazendo palestras em escolas da rede estadual. E a gente encontra pessoas que simplesmente não estão sabendo dos escândalos e, quando sabem, ficam horrorizadas, com tanto desvio de dinheiro, formação de quadrilha e outros crimes. E a pergunta imediata é: por que esses caras não estão na cadeia? É difícil desmontar esse esquema histórico.
Trabalhar para corrigir o sistema político não é, como se diz no ditado popular, passar verniz em pau podre?
O MCCE já está trabalhando uma proposta de reforma política, usando as experiências dos últimos 10 anos. Uma reforma mais profunda e mais ampla que venha corrigir distorções históricas do processo eleitoral. Não sei se vai dar para entregar ano que vem, porque não é fácil colher milhares de assinatura. Mas, se o Congresso Nacional não faz, o povo irá fazer. E qual é a finalidade disso? Resgatar a boa política, que no dicionário Aurélio, quer dizer a arte de bem governar os povos, conduzindo-os à felicidade. Eu sempre pergunto nas palestras que faço. Você sabe o que significa candidato? As pessoas param para pensar e sempre dizem que são pessoas interessadas em participar de alguma eleição de alguma coisa. Mas é simples. Candidato vem do latim, da Roma antiga, e significa cor do leite, cândido, limpo. Ou seja, se ele é sujo não pode ser cândido. Então, o que estamos propondo é o resgate do verdadeiro sentido da palavra candidato. Pesquisadores que estudam a antiga Roma, o Império Romano, contam que esses cândidos candidatos saíam às ruas em busca de apoio, vestidos de túnica branca, o que simbolizava que eram puros. Qualquer cidadão que conhecesse algum fato de desabonasse poderia pegar lama no chão e atirar na túnica. A Ficha Limpa vem fazer isso: mostrar a mancha, claro que não mais com barro.
Qual sua opinião sobre o voto nulo?
O voto nulo, branco e até mesmo abstenção podem ser sim um voto consciente, quando os partidos não respeitam o cidadão e aprovam qualquer candidato sem levar em conta a questão do caráter, sem levar em conta a vida pregressa dele e o cidadão fica sem opção. E a abstenção é quando o cidadão rejeita não apenas os candidatos, mas até mesmo o próprio sistema. Aí ele não participa do processo para dizer eu não aceito isso, o sistema está podre. Não vou respaldá-lo se ele não me serve.
E o voto obrigatório?
Essa reflexão é algo que tem que vir com a reforma política. O voto deveria ser facultativo.
Muitos políticos fazem o discurso contra a corrupção durante o período eleitoral. Como diferenciar entre o que é verdade do que é falácia?
O eleitor tem que procurar se informar, ler, estudar, pesquisar. Mas hoje tem uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além da Lei da Ficha Limpa, obrigando todos os candidatos a apresentarem sua ficha junto com registro da candidatura. (Veja situação dos candidatos AQUI)
A corrupção leva quanto dos cofres públicos no Brasil? E em Mato Grosso?
Recentemente a Federação da Indústria de São Paulo divulgou um relatório indicando que a corrupção furta R$ 70 bilhões no Brasil. Pesquisas mais antigas, feitas pela transparência internacional, falam em R$ 100 bilhões. Só para se ter ideia desse volume, a educação pública consome R$ 31 bi. Isso é mais grave quando a gente compara com outros estudos de entidades que tratam da questão da alimentação, da fome. De cada R$ 50 mil que vai para a corrupção morre uma pessoa inanição, falta de médico, de saneamento, de infraestrutura. São mais de 2 milhões de pessoas em risco de morte e situação de penúria.
Para ser bom candidato, basta não ser corrupto? Isso não seria muito pouco? Não é preciso ter projeto político, para além de ser honesto?
Condição do caráter e da honra é importantíssimo, mas também o nível de engajamento, nas lutas de movimentos sociais, preocupados com o bem comum. Para ser um político, essa pessoa tem que ser um verdadeiro sacerdote que se preocupa com a vida coletiva.
Por que essa ideia se desvirtuou tanto?
Porque fizeram da política um negócio, onde é possível enriquecer rapidamente e fácil. Então muitos espertalhões buscam nela esse caminho fácil de ascensão e também o de ficarem impunes. Enfim, o mandato se transformou num grande escudo de proteção para criminosos.
Fonte: Centro Burnier Fé Justiça: