Mais de um milhão de egípcios protestam contra o sucessor de Anwar El-Sadat; a multidão exige a saída de Mubarak e não aceita solução negociada para setembro. A disputa política ainda está indefinida e a arena fundamental são as ruas do Egito.
Bruno Lima Rocha
No primeiro dia de fevereiro, cerca de um milhão de pessoas protestou no Cairo, capital do Egito, exigindo a renúncia do ditador travestido de presidente, Hosni Mubarak. Quando este admitiu não vir a concorrer à reeleição em setembro, abriu uma leva de possibilidades para os árabes. O tabuleiro do Oriente Médio e do Norte da África não será mais o mesmo após este dia.
Como se sabe, os ventos da rebelião de multidões compostas em sua maioria por jovens com pouca ou nenhuma perspectiva, tiveram seu começo em manifestações na Tunísia. O perfil dos países árabes é, em perspectiva, muito parecido. Todos têm uma massa de população carente de direitos fundamentais; vêem a seus governos como corruptos, repressivos e ineficientes; a atividade econômica é retraída ou estagnada e, segundo o ponto de vista das oposições, são todos aliados ou tolerantes com o Estado de Israel. Neste quesito, Egito e Jordânia excedem a média, pois assinaram tratados de paz com o inimigo histórico e, por isso mesmo, são vistos como traidores por seus pares.
Há que ser justo na análise e reconhecer que as mazelas dos árabes não são apenas de ordem imperialista ou de política externa. O Estado de Israel, durante o período da Guerra Fria, servira como pólo aglutinador da região, unificando em discurso pan-árabe e antiimperialista, a regimes dificilmente defensáveis sob qualquer ponto de vista. Mas, se já não era fácil unificar o discurso pan-arabista em torno do chauvinismo do partido militar nacional árabe (baath) e suas ditaduras familiares – como os Hussein no Iraque e os Assad na Síria – como fazer isso hoje? No caso egípcio, de que forma assegurar a legitimidade de um governo títere dos EUA e repressor para a maioria dos cidadãos?
A primeira resposta veio das ruas e as conseqüências dependem ainda de acertos e correlações de força. Se por um lado os protestos têm uma iniciativa de tipo espontânea, por outro, quem acumula forças é a Coalizão Nacional para a Mudança, onde se inclui para além da figura visível do “ponderado” Mohamed ElBaradei, a muito respeitada Irmandade Muçulmana. Qualquer que seja a composição de governo haverá de levar em conta os integristas, o que implica em alguma revisão de posturas atuais como o tratado de paz com Israel, o tema dos controles de fronteira da Faixa de Gaza e o Sinai, isto sem falar no acesso ao Canal de Suez. Já não cabem dúvidas. Vem aí uma nova onda de políticas anti-ocidentais no mundo árabe.
Obs do autor: Se nos anos ’80 se dizia que Beirute é a Stalingrado dos árabes, hoje o epicentro migra para a praça Tahrir, que é a Tianamen dos descendentes de Ismail.
Obs2: a honestidade intelectual me obriga a assumir a descendência e parte da identidade. Da família paterna, venho de libaneses maronitas (Baghliní), o que politicamente implica afirmar que sou de origem árabe.
Fonte: Estratégia e Análise
Saiba mais:
OS DESPOSSUÍDOS VÃO À LUTA!
por el_brujo
Uma onda tsunâmica de revoltas (manifestações e motins de ação autônoma) vêem percorrendo o velho, e também, o velhíssimo mundo:
da Grecia para a Tunísia; da Tunísia para o Egito; do Egito para a Jordânia, o Iêmen, a Argélia, etc.
Revoltas sem donos, ou mandatários, ou messias salvadores da pátria mãe dos endinheirados...
Revoltas que buscam por ar puro, pois as ditaduras que teimam em perpetuar-se por mais de três décadas sufocando a vida, a criatividade e a singularidade dos indivíduos (sujeitos) que não se assujeitam à servidão voluntária ou imposta pela opressão do Capital, do Estado e/ ou Teológica.
Revoltas que expõem a força da sua beleza nos burburinhos do cotidiano das escadarias, praças, avenidas, ruas, vielas e esquinas:
espontaneidade, autonomia, autodisciplina, consciência de sua alienação, tesão, solidariedade, vontade de potência, autodeterminação, etc.; que visam principalmente o exercício das práticas de liberdade.
espontaneidade, autonomia, autodisciplina, consciência de sua alienação, tesão, solidariedade, vontade de potência, autodeterminação, etc.; que visam principalmente o exercício das práticas de liberdade.
E os gananciosos "senhores dos anéis" interrogam boquiabertos:
quem são esses tais "terroristas revoltos"?
Uma miríade de anônimos, pessoas comuns do nosso dia-a-dia; e que migram para os centros urbanos, transitando ao vento em busca da própria sobrevivência:
são homens e mulheres que dizem não às hierarquias de gênero; os pobres excluídos e albergados nas periferias; jovens estudantes e/ ou trabalhadores; desempregados etc.
"A vontade e o desejo" dos revoltosos estão “transformando a face da região [sul da Europa e norte da África], dando arrepios aos mandarins de Washington (E.U.A/norte) e Tel Aviv (Israel)" [José Antonio Gutiérrez D. (Anarkismo.net: 01.02.11)]
Diante dessas revoltas espontâneas que, sem destino ou futuro predeterminado, vagueiam soltas — por hora!? — nos mares do mediterrâneo, Pierre-Joseph Proudhon (1809 — 1865) nos interrogaria:
o “que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada?
Uma só coisa:
A prática revolucionária!...
O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos.”
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A QUEDA
“Quando estoura uma guerra, as pessoas dizem:
‘não vai durar muito, seria estúpido’.
Sem dúvida, uma guerra é uma tolice, o que não a impede de durar.
A tolice insiste sempre, e nós a compreenderíamos se não pensássemos sempre em nós.
Nossos concidadãos, a esse respeito, eram como todo mundo:
pensavam em si próprios. .[...] não acreditavam nos flagelos.
O flagelo não está à altura do homem; diz-se então que o flagelo é irreal, que é um sonho mau que vai passar.
Mas nem sempre ele passa, e de sonho mau em sonho mau, são os homens que passam…”
Albert Camus [escritor e filósofo francês (1913 — 1960)]
Fonte: O Homem Revoltado
O Mundo árabe está em chamas: entrevista com um anarquista sírio
As revoltas que explodiram no mundo árabe no Iêmen, Tunísia e agora no Egito apanharam todos de surpresa. Constituem, sem sombra de dúvida, um dos acontecimentos mais relevantes do nosso tempo e são um sinal claro de que já não é possível, em lugar nenhum, continuar-se a ser um joguete de ditador com o apoio imperialista. Os regimes extraordinariamente autoritários como os de Ben Ali revelaram-se completamente impotentes perante um povo com grande determinação, unido na luta. São jovens, trabalhadores, desempregados, pobres, os que levam a cabo esta tarefa de mudar o rosto da região provocando calafrios aos mandantes de Washington e de Tel Aviv. Nem todas as armas do regime de Mubarak, nem toda a ajuda militar dos EUA, conseguiram controlar a extensão do protesto. Os rebeldes revelam o poder do povo e da classe trabalhadora quando se unem, a capacidade política dos homens e mulheres comuns para formar organismos de poder dual, com um claro instinto libertário para além de demonstrarem ao mundo que nos encontramos já numa era de mudanças revolucionárias. Estabelecemos um breve diálogo com o nosso companheiro e amigo Mazen Kamalmaz, da Síria - editor do blog anarquista árabe http://www.ahewar.org/m.asp?i= 1385 - que nos falou da importância deste esplêndido acontecimento político.
Pergunta > Parece que toda uma repentina onda de protestos massivos está a sacudir as fundações dos velhos regimes opressivos no mundo árabe… havia indícios de que isto poderia suceder?
Mazen Kamalmaz < Este é um dos aspectos mais interessantes da onda revolucionária que se está a expandir por todo o mundo árabe que chega quando nada o fazia prever. Ainda alguns dias antes das manifestações massivas e sucessivas no Egito a Secretaria de Estado dos EUA, Hillary Clinton, declarava que o governo egípcio era estável e neste momento nada é estável na região: a insurreição mantém-se de pé e para todos os regimes repressivos espera-se o pior. Há aspectos que se reportam a todas estas sublevações tais como a raiva e ressentimento que estavam escondidos, silenciados pela repressão dos Estados, a pobreza e o desemprego crescentes - a que os regimes, estadistas e até intelectuais não prestaram a devida atenção - em relação aos quais os governos, locais ou ocidentais, pensaram que poderiam manter a revolta sob controle… agora sabemos como se enganaram.
Pergunta > Qual a importância da saída de Ben Ali do governo da Tunísia?
Mazen < Este é apenas o primeiro passo do que está para vir. Supõe que o povo, o povo em luta, consegue desafiar a repressão e vencer. É muito cedo para falar sobre o desenlace final, é tudo demasiado complexo ainda, mas o povo já conseguiu ter consciência do seu poder real e apesar disso mantém-se na rua, de modo que a luta ainda se encontra aberta a muitas possibilidades.
Pergunta > Para aonde se está a expandir a revolta? Que países podem experimentar rebeliões massivas?
Mazen < Hoje pode-se afirmar seguramente que qualquer um poderia ser o próximo. Talvez a Argélia, Iêmen ou Jordânia sejam candidatos fortes, mas temos de ter em conta que uma revolução no Egito teria um grande impacto na região, impacto esse que superaria os piores pesadelos dos ditadores e dos seus partidários na região.
Pergunta > Qual seria a relevância de uma revolução no Egito, o segundo maior receptor de ajuda militar estadunidense em todo o mundo?
Mazen < O Egito é o país com as maiores dimensões do Oriente Médio e o seu papel estratégico é muito importante. É um dos principais pilares da política estadunidense nessa região. A pressão das massas é um fator a ter em conta daqui pra frente, inclusive em relação à sobrevivência do velho regime resistir durante algum tempo mais ou não, ou se o novo regime será pró estadunidense. Resumindo, os EUA, o principal apoio do regime atual, irá sofrer o efeito da rebelião das massas egípcias.
Pergunta > Qual o papel dos Irmãos Muçulmanos nestes protestos? E da “velha guarda” da esquerda?
Mazen < Um aspecto muito importante destas manifestações e revoltas é que tiveram uma origem totalmente espontânea e iniciada pelas massas. É verdade que os diferentes partidos políticos juntaram-se a elas mais tarde, mas todo o processo foi, em grande medida, uma manifestação de ação autônoma por parte das massas. Isto é também válido para os grupos políticos islamitas. Embora estes ditos grupos pensem que as futuras eleições os poderiam levar agora ao poder, com as massas em rebelião nas ruas isso será difícil, dado que se negaram ativamente a submeter-se de novo a outro poder repressivo, mas mesmo no caso que isso sucedesse, o povo não aceitaria ser submetido nesta ocasião, enquanto se mantém fresca para a maioria a memória eufórica das parcelas de liberdade que alcançaram através da sua própria luta. Nenhum poder os poderia forçar facilmente a submeter-se de novo a algum regime repressivo.
Outro aspecto a ter em conta é que durante as revoluções o povo é mais receptivo às idéias libertárias e anarquistas, e que é a liberdade a idéia hegemônica do momento não o autoritarismo. Alguns dos grupos estalinistas só representam o rosto mais feio do socialismo autoritário... Por exemplo, o antigo Partido Comunista da Tunísia participou com o partido dominante de Ben Ali no governo formado após a expulsão do próprio Ben Ali. Outro grupo autoritário, o Partido Comunista dos Trabalhadores da Tunísia, participou ativamente nos protestos, mas depressa manifestaram as suas contradições: quando Bem Ali escapou tratou de criar conselhos ou comitês locais para defender o processo e logo de seguida retratou-se e apelou para se criar um novo parlamento e governo. No Egito passa-se praticamente o mesmo, há grupos reformistas de esquerda, como o Partido da Unidade Progressista e alguns revolucionários da esquerda autoritária.
Não posso dizer com exatidão qual o papel dos anarquistas ou de outros libertários - há uma crescente tendência comunista conselhista junto a eles - devido à falta de comunicação com os nossos companheiros de lá, mas não posso deixar de ressaltar o que disse anteriormente: que estas revoluções foram feitas principalmente pelas próprias massas. Na Tunísia, os sindicatos mais fortes tiverem um grande papel nas últimas fases da revolta.
Quero referir um pouco mais aos comitês locais criados pelas massas, uma das manifestações mais interessantes da sua ação revolucionária. Perante a pilhagem, iniciada sobretudo pela polícia secreta, o povo criou os ditos comitês como instituições realmente democráticas, como uma competência real de oposição às instituições autoritárias… No Egito até ao dia de hoje os governos, os comitês locais e o governo de Mubarak escondiam-se atrás dos tanques e das espingardas dos seus soldados. Isto está a suceder numa região assolada por ditaduras e pelo autoritarismo... Isso é o grandioso das revoluções que transformam o mundo rapidamente. Isto não significa que a luta esteja ganha, pelo contrário, isto significa que a luta real acaba de começar.
Pergunta > Para resumir, qual o seu ponto de vista sobre os acontecimentos? O que pensa que simbolizam?
Mazen < É o começo de uma nova era, as massas estão se sublevando e a sua liberdade está em jogo, as tiranias tombam... Sem dúvida estamos a assistir ao nascimento de um mundo novo.
Tradução > Liberdade à Solta
Fonte:
agência de notícias anarquistas-ana
"Salpicados de sons
Silêncio em suspenso:
Grilos e estrelas".
Silêncio em suspenso:
Grilos e estrelas".