"Há quem diga haver cheiro, cor e tamanho de golpe, visando dar o poder aos 13 vereadores, recém acordados de longos anos de letargia anestésica (ou catalepsia) e sono profundos. Tal qual o antigo chefe".
Por Vilson Nery e Antonio Cavalcante Filho*
É bem provável que você já tenha feito essa pergunta, mas achamos que errou na resposta. Sim, porque legislar e produzir normas (leis) no âmbito de sua competência é ‘coisa do passado’. Vereador agora quer ser prefeito por uns dias.
A história política do Brasil ensina que herdamos o ‘vereador’ das Ordenações Filipinas, conjunto de regras vigentes em Portugal e aplicadas nas colônias (no Brasil, inclusive). À época a função ‘verear’ (sim havia um verbo aplicado à função) significava que o sujeito investido nas funções de vereador vigiava pela comodidade, sossego e bem estar nos municípios. Exercia funções administrativas, legislativas e judiciárias.
O professor José Afonso da Silva, eminente constitucionalista brasileiro, faz um belo recorte da história e desenha muito bem as funções (atuais) de um vereador por meio da obra Manual do Vereador (São Paulo : Malheiros, 2004).
Naqueles tempos (período colonial) as câmaras de vereadores funcionavam em prédios rústicos, de dois pisos. Na parte superior eram desempenhadas as funções administrativas da vereança, bem como havia o espaço de reuniões, onde ocorriam as sessões legislativas. Na parte inferior havia o ‘cadeião’, onde aqueles que atentavam contra a ordem pública eram enclausurados ... pelos vereadores.
E a pergunta que não quer calar: nos tempos atuais (hoje em dia), os vereadores ficariam na parte de cima (sala de reuniões) ou na parte de baixo (cadeião)?
A dúvida se justifica. Veja só.
Os edis (sim, vereador também é chamado de edil) cuiabanos passaram a metade do atual mandato (dois anos) discutindo o que fazer com um vereador ‘bad boy’, que fora flagrado cometendo delito contra os costumes, e era acusado de agredir fisicamente a namorada. Muito bem. Nos dois anos seguintes (atualmente) o vereador de Cuiabá discute como reintegrar sua excelência (o ‘bad boy’) em seus quadros.
E não é por falta do que fazer. A saúde pública está caótica, a cidade se vê tomada por buracos, e o secretário de trânsito continua sem carteira de motorista enquanto que o engarrafamento cuiabano é pior que São Paulo (pensou que fosse impossível?).
E tem mais: não interessa para o vereador cuiabano, mas o recurso federal (quase um bilhão de reais) para obras do PAC, tomado de assalto por servidores inescrupulosos e empreiteiros ‘idem’ parece que sumiram. E a cidade de Cuiabá deverá ficar sem a Sanecap (posta à venda para uma empresa paulista), porque o paulista (prefeito) na prefeitura assim o deseja.
E pra arrematar: não interessa ao vereador de Cuiabá, mas sem o PAC mobilidade urbana e sem as obras municipais pra ‘maquiar a cidade’ é bem provável que a Copa do Mundo vá para Goiânia ou Campo Grande, retirando a condição de Cuiabá como cidade sede do evento mundial.
Mas não são somente os vereadores de Cuiabá que ‘viajam na maionese’.
Na vizinha e maltratada cidade de Várzea Grande os 13 homens (vereadores, mas havia vereadora também) tinham um segredo: não conheciam das mazelas administrativas do prefeito, ou faziam ‘vista grossa’ durante dois mandatos. Em troca empregavam 30 a 40 parentes cada um (sem concurso) e ainda ‘alugavam’ tratores, máquinas e caminhões à prefeitura.
Pois bem.
Nos dois últimos anos (do último mandato) se ‘revoltaram’ contra o prefeito. E o afastaram do cargo (por meio de ‘liminar’ em comissão processante), levando de quebra o vice prefeito, que não era ordenador de despesas e não tinha muita coisa ‘a ver com o peixe’.
Há quem diga haver cheiro, cor e tamanho de golpe, visando dar o poder aos 13 vereadores, recém acordados de longos anos de letargia anestésica (ou catalepsia) e sono profundos. Tal qual o antigo chefe.
E tudo sem passar pelo voto popular.
Mas o caso é que não é somente em Cuiabá e Várzea Grande que o vereador passa por crise existencial. Estão pensando somente na eleição do próximo ano o ‘edil’ de Rondonópolis, Sinop, Pontes e Lacerda e Quatro Marcos.
Neste último caso, graças a uma ‘denúncia’ de um sujeito que responde a pelo menos cinco ações penais (inclusive tentativa de homicídio contra o próprio pai) os vereadores desejam afastar o prefeito local, que tem história de enfrentamento ao crime organizado.
Em todos os caos, a intenção do vereador é dar-se bem nas proximas eleição (nem que tenha que burlar a lei).
E olhe que pra isso (trabalhar pelo povo) eles recebem até oito por cento (art. 29A, CF/88) das verbas do município. Se sua cidade tem um orçamento de cinco milhões de reais por mês para dar conta de manter escola, posto de saúde e salário dos servidores, saiba que 400 mil por mês vão pro bolso do vereador.
Mas esses quatrocentos mil (pagos ao vereador) não dariam pra construir um belo cadeião?
*Vilson Nery e Antonio Cavalcante Filho são militantes do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) Comitê de Mato Grosso
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