segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A Ordem Criminosa do Mundo

"Especuladores deveriam ser julgados por crime contra a humanidade" (Jean Ziegler)



Entrevista de Elodie Bécu para o Basta! 19 de dezembro de 2011

Tradução: Agência Imediata

Os recursos do planeta permitem alimentar 12 bilhões de seres humanos, mas a especulação e o controle das multinacionais sobre as matérias primas criam uma penúria. Consequência: cada ser humano que morre de fome é assassinado, afirma Jean Ziegler, ex-relator especial da ONU para o direito à alimentação. Ele denuncia essa “destruição maciça” pelos mercados financeiros. Mecanismos construídos pelo homem, e que o homem pode reverter. Entrevista.

Basta !: O Sr. teme que a crise financeira amplifica a crise da fome no mundo?

Jean Ziegler: A cada cinco segundos, uma criança de menos de 10 anos morre de fome. Quase um bilhão entre os sete bilhões de seres humanos de que conta o planeta sofre de desnutrição. A pirâmide dos mártires aumenta. A essa fome estrutural, soma-se um fenômeno conjuntural: as súbitas fomes provocadas por uma catástrofe climática – como na África oriental, onde 12 milhões de pessoas estão à beira da destruição – ou pela guerra, como no Darfur. Em razão da crise financeira, os recursos do Programa Alimentar Mundial (PAM), encarregado da ajuda de urgência, diminuíram pela metade, passando de 6 bilhões de dólares a 2,8 bilhões. Os países industrializados não pagam mais suas cotizações, pois é preciso salvar a Grécia, a Itália e os bancos franceses. Um corte orçamentário que que tem um impacto direto sobre os mais destituídos. No corno da África, o PAM é obrigado a recusar a entrada a seus centros de nutrição terapêutica a milhares de famílias esfomeadas que retornam para a savana, para uma morte quase certeira. E os financistas continuam a especular nos mercados alimentares. Os preços dos três alimentos básicos, o milho, o trigo e o arroz – responsáveis por 75% do consumo mundial – literalmente explodiram. A alta dos preços estrangula os 1,7 bilhões de seres humanos extremamente pobres que vivem nas favelas do planeta, que precisam se assegurar um mínimo vital com menos de 1,25 dólares por dia. Os especuladores que arruinaram as economias ocidentais por uma isca do lucro e da ganância louca deveriam ser levados a um tribunal de Nuremberg por crime contra a humanidade.


Os recursos do planeta são suficientes para alimentar a humanidade. A desnutrição é somente uma questão de reparti-los?

O relatório anual da FAO (Organização da ONU para a alimentação e a agricultura) estima que a agricultura mundial poderia, atualmente, alimentar normalmente [1] 12 bilhões de humanos, quase o dobro da humanidade. Não há mais qualquer fatalidade, fata objetivo. O planeta desmorona sob a riqueza. Uma criança que morre de fome é assassinada. Não é mais vítima de uma “lei da natureza”!

Além da especulação, quais são as outras causas da fome no mundo?

Todos os mecanismos que matam são feitos pela mão do homem. A produção de agrocarburantes queima milhões de toneladas de milho nos Estados Unidos. O oceano verde da cana de açúcar no Brasil come milhões de hectares de terras aráveis. Para encher um reservatório de 50 litros de bio-etanol, é preciso queimar 352 quilos de milho. No México ou no Mali, onde é o alimento de base, uma criança pode viver um ano com essa quantidade de milho. É preciso agir face ao aquecimento climático, massa solução não passa pelos agrocarburantes! É preciso poupar energia, utilizar a energia eólica, solar, encorajar os transportes públicos.

Um outro elemento: o dumping agrícola enviesa os mercados alimentares nos países africanos A União Europeia subvenciona a exportação da produção europeia. Na África, pode-se comprar em qualquer barraca frutas, legumes, frangos provenientes da Europa pela metade do preço do produto africano equivalente. E alguns quilômetros mais longe, o camponês e sua família trabalham dez horas por dia sob um sol de queimar sem ter a mínima chance de juntar o mínimo vital.

E a dívida externa dos paeises mais pobres os penaliza. Nenhum governo pode conseguir o capital mínimo para investir na agricultura, ao passo que esses Estados têm uma necessidade crucial de melhorar sua produtividade. Na África, há poucos animais de tração, não há sementes selecionadas, falta irrigação suficiente.

Enfim, o mercado agrícola mundial é dominado por uma dezena de empresas transcontinentais extremamente poderosas que decidem diariamente quem vai viver e quem vai morrer. A estratégia de liberalização e privatização do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio abriu a porte dos países do Sul para as multinacionais. A multinacional Cargill controlou, no ano passado, 26,8 % de todo o trigo comercializado no mundo, Louis Dreyfus gera 31 % de todo o comércio de arroz. Eles controlam os preços. A situação é a mesma para os ingressantes: Monsanto e Syngenta dominam o mercado mundial, portanto, a produtividade dos camponeses.


O que fazer diante dessa situação?

Esses mecanismos, feitos pela mão do homem, podem ser mudados pelos homens. Meu livro Destruction massive, Géopolitique de la faim (Destruição Maciça, Geopolítica da Fome), apesar do título alarmante, é uma mensagem de esperança. A França é uma grande e poderosa democracia, como a maior parte dos Estados dominadores da Europa e do Ocidente. Temos todas as armas constitucionais em mãos – mobilização popular, voto, greve geral – para forçar o ministro da Agricultura a votar pela abolição do dumping agrícola em Bruxelas. O ministro das Finanças pode se pronunciar no FMI pelo cancelamento total e imediato da dívida para os países mais pobres do planeta.

A crise da dívida europeia torna essa posição mais difícil de enfrentar…

Ela complica a situação. Mas a taxa Tobin, quando foi proposta pelo ATTAC, há quinze anos, foi qualificada de irrealista. Hoje, ela é discutida pelo G20! As organizações internacionais são obrigadas a constatar a miséria explosiva criada pela alta dos preços das matérias primas. Um caminho está sendo esboçado. Temos um imperativo categórico moral – além dos partidos, das ideologias, das instituições, dos sindicatos: um despertar das consciências. Não podemos viver num mundo onde as crianças morrem de fome, enquanto o planeta desmorona sob o peso das riquezas. Não queremos mais a bandidagem bancária. Queremos que o Estado expresse de novo a vontade do cidadão, e não seja um simples auxiliar das empresas multinacionais. Essas reivindicações criam movimentos na sociedade civil.

A crise não ameaça provocar um aumento do populismo na Europa, em vez de um necessário despertar das consciências?

A luta é incerta. A greve e o medo do amanhã são os territórios do fascismo. Mas há uma formidável esperança quanto à “periferia”, como mostram as insurreições camponesas para a recuperação de terras de que as multinacionais se apropriaram no norte do Brasil e no Senegal, em Honduras ou na Indonésia. Se conseguirmos efetuar a união, criar um fronte de solidariedade entre aqueles que lutam no interior dos cérebros desses monstros frios e aqueles que sofrem na periferia, então a ordem canibal do mundo seria abatida Tenho ainda mais esperança que o fosso entre o Sul e o Norte se reduza, porque a selva avança. A violência nua do capital era, até aqui, amortizada no Norte, pelas leis, uma certa decência, a negociação entre sindicatos e representantes patronais. Atualmente, ela golpeia aqui as populações mais humildes. É preciso mostrar o caminho da insurreição e da revolta.


Nota:

[1] Segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde: 2.200 calorias por indivíduo e por dia.


El Orden Criminal Del Mundo  (2007) LEGENDADO




“Documentário exibido pela TVE espanhola, que aborda a visão de dois grandes humanistas contemporâneos sobre o mundo atual: Eduardo Galeano e Jean Ziegler.

Pode se dizer que há algo de profético em seus depoimentos, pois o documentário foi feito antes da crise que assolou os países periféricos da Europa, como a Espanha.

A Ordem Criminal do Mundo, o cinismo assassino que a cada dia enriquece uma pequena oligarquia mundial em detrimento da miséria de cada vez mais pessoas pelo mundo. O poder se concentrando cada vez mais nas mãos de poucos, os direitos das pessoas cada vez mais restritos. As corporações controlando os governos de quase todo o planeta, dispondo também de instituições como FMI, OMC e Banco Mundial para defender seus interesses. Hoje 500 empresas detém mais de 50% do PIB Mundial, muitas delas pertencentes a um mesmo grupo.”

Fonte: Imediata.org

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