quinta-feira, 12 de abril de 2012

A linguagem torta do direito


Do Blog Abra a Boca Cidadão

Alguns de vocês talvez já tiveram a curiosidade de assistir a uma sessão do "Pretório Excelso" (!!!) transmitida pela TV Justiça. Alguns ministros da nossa Suprema Corte (o empolado Marco Aurélio Mello talvez seja o exemplo mais gritante, com seu linguajar eivado de circunlóquios, vetustos barroquismos e outros preciosismos do gênero), guarnecidos por seus mantos negros e ares circunspectos, parecem transitar por um outro mundo, diferente do nosso, inalcançável e inatingível aos pobres mortais, completamente na contramão da sociedade midiática digital em que estamos todos imersos. Tais Excelências podem falar horas sem que qualquer um de nós, reles cidadãos, se dê conta de que assunto tão estratosférico estão tratando, tal o caráter iniciático da linguagem jurídica. Uma coisa realmente para poucos e bons. 



Será? 

Até "operadores do direito" de quinto escalão utilizam de tal artifício para exibir falsa sapiência e erudição, iludindo o cidadão ingênuo, incauto, que pensa estar diante de alguma sumidade. Ledo engano. Puro estelionato linguístico, muitas vezes. 

A quem interessa isso? 

Também na linguagem jurídica, perpetrada ou desferida pelos tais "operadores do direito" (de quais direitos, mesmo?), se estabelece a dominação, a truculência, a prepotência, a segregação, a discriminação, a falta de transparência e de democracia, reforçando o caráter elitista do Judiciário. 

Não nos enganemos, pois. Tudo tem uma razão de ser, também no mais fechado, arcaico, obtuso, obscuro e antidemocrático dos poderes da República. 

 Democracia Judiciária já, também na Linguagem!!!



LINGUAGEM JURÍDICA 

Palavras de direito não podem ser tortas


Por  Deonísio da Silva

Advogados, promotores e juízes devem mirar-se no exemplo da linguagem da mídia para refazer seus textos. Sei que é raro a mídia dar algum bom exemplo e este Observatório da Imprensa é o lugar em que mais tenho criticado os desjeitosos pecados de nossa mídia por palavras, atos ou omissões, os três modos clássicos que temos de errar, mas eles errariam menos se trocassem o palavreado jurídico de insólitas complicações por um texto capaz de ser entendido por quem sabe ler e escrever.

Vou dar dois pequenos exemplos e voltarei ao assunto, no qual já estive tantas, em outras oportunidades.
Cena um. Departamento Jurídico XI de Agosto, em São Paulo. Um estudante de Direito atendia um pobre homem que queria saber o que de ruim poderia acontecer: tinha uma dívida e não podia pagá-la. Estava apreensivo. Todos os dias o credor o ameaçava. Ele, então, procurara socorro jurídico, como quem vai à farmácia comprar um analgésico ou um purgante para resolver um problema. Até que estava entendendo as etapas do processo, mas quando ouviu que, se nenhuma das explicações do doutorzinho desse certo, ele seria executado, o pobre homem estremeceu. Achou que fossem matá-lo.
 
Para pior

Cena dois. Tribunal de júri. O réu, algemado, ouviu tudo, mas também falou tudo o que quis. Foi a única ocasião em que pôde falar em toda a sua vida, sem nenhuma interrupção, a não ser algumas perguntas de difícil entendimento. Quando enfim, depois de reunir o corpo de jurados, o juiz leu a sentença, ele entendeu menos ainda. O defensor não percebera que seu cliente não entendera nada e perguntou: “E daí? O senhor quer apelar?”. 

Assim, de nada adianta a Lei garantir coisa nenhuma, pois ainda não deu conta de garantir que as pessoas entendam, não o que está escrito, mas o que é ali é falado. E a linguagem jurídica, em vez de contribuir para que as leis sejam entendidas, atrapalha.


Há um movimento para simplificar a linguagem utilizada no Direito. Sai o “pretório excelso” e entra o Supremo Tribunal Federal. Designa a mesma entidade, mas é mais simples. Entram expressões como “deixar para amanhã” ou mesmo “adiar”, e sai "procrastinar". Endossar, embora dito “adoçar”, os simples já entendem que não é pôr açúcar no café, é assinar, por reforço, um documento já assinado.

Algumas palavras já foram mudadas, mas para pior. Usucapião tornou-se usucampião. É explicável. Como já conhecem as palavras “uso” e “campeão”, as duas foram adaptadas e juntadas para gerar uma nova palavra que os leve a entender aquela que lhes é desconhecida.

PS. Acabei de delinear aos leitores desta coluna uma das vertentes da conferência que, a convite da Escola Paulista de Magistratura, ministrarei naquela cidade, na manhã do dia 31 de março, no Salão do Júri do Fórum da Justiça Estadual em Ribeirão Preto (Rua Alice Allen Saad, 1010 – Ribeirânia). O outro palestrante será o Dr. Ricardo Chimenti, Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (foro central) e assessor de gabinete da Ministra Eliana Calmon, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As inscrições estão abertas. Há 230 lugares. A entrada é livre e as inscrições podem ser antecipadas pelo e-mail saritaa@tjsp.jus.br. Sejam bem-vindos todos os que se interessam, especialmente juízes de direito, promotores de justiça, advogados, funcionários forenses e estudantes de direito.

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[Deonísio da Silva é doutor em Letras pela USP e vice-reitor da Universidade Estácio de Sá; autor de 34 livros, o mais recente é o romance Lotte & Zweig]

Fonte: Observatório da Imprensa

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