Nesta quarta-feira 15, relator Joaquim Barbosa começa a leitura de seu voto de mil páginas, nos cálculos dos juristas, sobre os réus da Ação Penal 470; deverá falar, de olhos bem abertos, até a sexta-feira; projeção é de que vá pedir a condenação da maioria; a questão é: ele terá maioria?
247 – Egresso do Ministério Público e indicado pelo
ex-presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal em 2003, o relator da
Ação Penal 470, o chamado mensalão, ministro Joaquim Barbosa, viverá a
partir desta quarta-feira 15 grandes momentos na ribalta da mais alta
Corte do País. Nem sempre amigo dos holofotes da mídia, à qual se
acostumou a criticar depois de ter sido alvo de papparazzi em um período
de licença médica, ele deverá ocupar todos os espaços nos noticiários
políticos enquanto durar a leitura de seu voto que, acredita-se, tenha
cerca de mil páginas escritas. Para tanto, Barbosa trabalha, nos
bastidores do tribunal, pela determinação, pelo presidente Ayres Britto,
de uma sessão extraordinária da sexta-feira 17. Tudo para que possa
fazer a leitura continuada de seu voto, sem a interrupção do final de
semana.
Em seu julgamento – o primeiro a ser expressado entre os 11
integrantes da Corte --, Barbosa deverá procurar fundamentar a
condenação da maioria dos acusados, segundo projeções de juristas
consultados por diversas fontes. Nesse sentido, seu passado de promotor
público de verve agressiva irá, em tudo, colaborar. Durante as oito
sessões realizadas até aqui, o primeiro magistrado negro da história do
STF foi flagrado em longos cochilos enquanto falavam os advogados de
defesa, num comportamento, diga-se, que atingiu também a outros membros
da Corte. Na terça 14, véspera de seu voto, o relator da Ação Penal 470
nem mesmo ocupou sua cadeira em plenário, sob a alegação de sofrer mais
agudamente suas históricas dores na coluna. Ayres Britto justificou que
ele estava numa sala contígua, assistindo pela televisão. Mas na quarta,
à base de medicação ou não, o certo é que Joaquim Barbosa estará em sua
posição – e, para pesadelo dos réus, especialmente os integrantes do
PT, absolutamente acordado.
Barbosa já demonstrou, logo no primeiro dia do julgamento, sua
oposição a toda e qualquer tentativa de protelar por mais tempo o
desfecho do maior processo já apreciado pelo Supremo. Ele bateu-boca com
seu colega Ricardo Levandowski, revisor dos cartapácios produzidos pela
Procuradoria Geral da República, considerando como "desleadade" a
tentativa de Levandowski de desmembrar o processo, deixando ao Supremo a
primazia de julgar apenas os beneficiários de foro especial, como os
deputados federais acusados. Apesar da longa fundamentação feita em
favor de sua posição, apenas Marco Aurélio Mello acompanhou o revisor,
contra nove que deram o voto contrário à iniciativa, a começar do
próprio Barbosa.
Não se espera, como acontece em muitos julgamentos no Supremo, que os
ministros tenham votos resumidos, justificando, basicamente, entre
acompanhar ou não o voto do relator. Pela magnitude, sabe-se que a
maioria dos magistrados produziu votos extensos – e que as argumentações
dos advogados serviram, apenas, para confirmar certezas ou alterar, mas
não significativamente, a posição de cada um. A argumentação preparada
por Barbosa, no entanto, poderá impressionar e colaborar para a
imposição de penas duras a muitos dos acusados.
Na véspera do início das leituras dos votos – na quarta 15, três
advogados ainda ocuparão a tribuna, mas assim que terminarem a palavra
deverá ser dada a Barbosa, para o início do escrutíneo --, o clima no
STF é tenso. "O todo-poderoso relator quer começar na quarta. Eu disse
para começarmos na quinta. E mais ainda: ele (Ayres Britto) apontou que o
relator está querendo também uma (sessão) extraordinária na sexta, com
um detalhe, sem a presença do revisor que tem um compromisso acadêmico",
relatou o ministro Marco Aurélio Mello à revista Veja. Alguns juízes
parecem mesmo dispostos a correr contra o tempo, de modo a terminarem
suas respectivas leituras de voto antes da data de 3 de setembro, quando
o ministro Cezar Peluso irá se aposentar compulsoriamente. O voto dele é
dado como certo contra os réus. Só não se sabe em que grau – o que a
verve de Barbosa pode ajudar a agravar, de acordo com todas as
previsões.
Fonte Brasil 247
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O espetáculo judicial e o silêncio estridente
Hoje
as coligações partidárias não se fazem por aproximação ideológica, mas
simplesmente para somar o tempo de rádio e de televisão. Isso precisa
ser discutido.
No
julgamento do chamado "mensalão", com o qual a direita impressa se
propõe a salvar a honra da nação e resolver todos os problemas do país,
tem ela, como em tudo o mais, um lado, formado independentemente dos
autos. Neste ponto ocupa o papel deixado pelos partidos de oposição, sem
rumo, sem objetivos, meros acessórios em cena política medíocre. Por
isso mesmo, a tarefa dos jornalões, deixando de informar seus leitores,
tem sido apenas a de pressionar o STF para que este confirme o
julgamento ao qual eles, jornalões, já submeteram os réus, previamente
condenados mediante a execração pública, independentemente da
culpabilidade ou inocência deles. Mas o pronunciamento do STF pode não
ser exatamente aquele que lhe dita a imprensa, e neste caso a Suprema
Corte estará frustrando a expectativa que o noticiário unilateral criou.
É um risco. O grande público, pobre plateia, começa a desconfiar da
condenação prévia, na medida em que lhe chega aos ouvidos a defesa dos
acusados.
A questão real não se cinge a condenar A ou B por este ou aquele
ilícito, mas discutir, o que não interessa nem à direita impressa nem à
direita parlamentar, os fundamentos endêmicos da corrupção pública neste
país, que, a par de criar algumas fortunas individuais, proporcionando a
alguns amigos do rei o acesso ao consumo conspícuo (jatinhos, caviar,
charutos, prostitutas, "acompanhantes" de luxo, piscinas com cascata
etc.), serve, sobretudo, para garantir a "governabilidade", que se dá
pelo acordo (isto é, combinação de interesses) do governo da vez com o
mando político-econômico de sempre – aqueles que, como bem sublinhou o
insuspeito Cláudio Lembo, estão no poder desde Cabral.
À direita, criadora e principal beneficiária dos esquemas de corrupção, obviamente, não interessa resolver os problemas estruturais do nosso processo político-eleitoral-administrativo.
Mas e os partidos?
A análise do fenômeno, suas causas, os meandros do poder público, as viciadas estruturas de poder, as relações promíscuas entre o poder político e o poder econômico, unidos em processo corruptor que abastarda a vida política, configuram uma crise do Estado e da democracia representativa aqui e no mundo.
O
alto custo das campanhas eleitorais, o assistencialismo que humilha o
eleitor e desnatura o voto, o aluguel de legendas e de mandatos pagos
com o empreguismo e o favorecimento são questões de fundo que não
interessam a uma imprensa ligeira, mas onipotente, senhora de si e de
sua aspiração para alterar o processo político, nele intervindo como
sujeito. Se possível alterando até o processo eleitoral, como intentou –
trata-se de mero exemplo – nas eleições de 1982, com o famoso "caso
Proconsult". A mídia, assim, busca apenas o sensacionalismo,
transformando o julgamento no STF em espetáculo.
A sociedade, preparada para receber uma condenação e só a condenação severa e em bloco – a prisão (de preferência cinematográfica, espetacular) de todos os acusados –, pode, porém, ser surpreendida por veredicto diverso. É apenas uma hipótese, que começa a emergir na medida em que é posta em relevo a fragilidade técnica da peça acusatória. E nesta hipótese, o STF terá sido exposto à frustração das ruas porque a direita impressa não se preocupou em exercer o elementar dever de informar. Ao disputar com o Procurador Geral da República a beca da acusação, omite, por exemplo, que o esquema do inefável Marcos Valério surgiu em Minas Gerais sob a batuta do então governador Eduardo Azeredo, do PSDB, e que é alvo também de processo judicial, mais antigo que o ora em julgamento, como omitiu a compra de votos de deputados e senadores para a aprovação da emenda constitucional da reeleição de titulares do Poder Executivo.
Por outro lado, a transmissão direta das sessões do STF possibilita à população se inteirar do que de fato aconteceu. É o contraponto à versão unilateral que lhe vinha sendo imposta.
Em defesa da sociedade civilizada, a Justiça precisa estar atenta ao processo social que exige a diária atualização do direito, e jamais a pressão popular, o clamor das ruas, podem ser considerados como ilegítimos; mas não pode a imprensa, no afã de formar opinião, negar ao acusado a voz dos seus direitos legais. Este, o grande erro da cobertura dos jornalões.
Como consequência dessa cobertura, ora apaixonada e quase sempre superficial, a sociedade perde excepcional oportunidade de abrir uma necessária e sempre adiada discussão sobre a crise de nosso sistema, o pano de fundo da crise política que produziu a crise de 2005, crise que quase transborda em insuportável fratura institucional.
A História mostra que a desmoralização da democracia representativa é o primeiro passo para a construção dos regimes de exceção.
Caberia, nessa discussão de que hoje somos privados, uma profunda e corajosa reflexão sobre o nosso “presidencialismo de coalizão”, que ora mais parece um parlamentarismo abastardado – e essa reflexão iluminaria fatos recentes de nossa vida política, para além do chamado “mensalão”, como a aprovação dos 5 anos de Sarney, a re-eleição de FHC e, em sentido oposto, a deposição de Collor.
São diversos os problemas que afetam o sistema representativo brasileiro no qual se assenta nossa democracia, e o primeiro deles é a presença crescentemente dominante do poder econômico, buscando sempre decidir as eleições e desta forma desmontando uma das vigas mestras da democracia, a expressão livre da soberania popular. Mantido o quadro de hoje, se medidas preventivas não forem adotadas, brevemente o processo eleitoral transformar-se-á numa só transação econômica, que se processará à margem do povo, a quem, porém, como sempre, será enviada a conta. Quando os recursos financeiros se sobrepõem ao debate político, quando a imprensa renuncia ao dever de informar, quando as estruturas partidárias são substituídas pela troca de favores e o voto é conquistado com a prestação assistencialista, o mandato é inevitavelmente posto a serviço de seus financiadores e credores, como atesta o cassado mandato do senador Demóstenes, líder catão com os pés e a alma chafurdando na lama. Caso exemplar mas não único.
A melhor contribuição que a análise crítica e profunda do "mensalão", para além do julgamento ora em curso, deveria oferecer para o aprimoramento da vida política seria passar a limpo, sem preconceitos e sem ressalvas, nosso processo eleitoral, cuja exaustão só não é percebida por aqueles que dela se aproveitam.
Os partidos, passada a refrega de 2012, o governo e a Justiça, a academia silente e a sociedade, precisam discutir, já com vistas às eleições de 2014, uma reforma profunda da legislação eleitoral, de sorte a diminuir – diminuir já será grande coisa! -, a influência do poder econômico nas eleições. A primeira medida haverá de ser o financiamento público exclusivo das campanhas. Esta é a medida essencial, a reforma sem a qual nada será alcançado. É a mais importante, mas não é única. O próprio funcionamento do Congresso e o processo legislativo precisam ser revistos, como reduzido precisa ser o recesso e aumentado o número de sessões deliberativas durante a semana. Por exemplo: parlamentar pode continuar com direito à reeleição, mas para disputar outro cargo, ou assumir funções no Executivo, deverá renunciar ao mandato. A criação e manutenção de partidos deve ser a mais livre possível, como agora, mas o acesso ao rádio e à televisão no horário eleitoral carece de condicionantes, como, por exemplo, o número mínimo de parlamentares. Hoje, as coligações não se fazem por aproximação ideológica, mas simplesmente para somar o tempo de rádio e de televisão, e a permissividade legislativa enseja o aluguel de legendas criadas para esse ofício. E é com base nesse tipo de alianças que se formam as maiorias governamentais nos três níveis da vida política.
Este arrolar não encerra uma proposta de reforma, pois simplesmente levanta questões que nos parecem relevantes, sem prejuízo de tantas outras que podem ser formuladas, como a urgente transparência do Judiciário, em todas as suas instâncias.
E então, vamos discutir as questões de fundo?