Sinceramente, há que se
perguntar: se o ovo da serpente (corrupção), ora em gestação, não parir, será
que haveria empregos para juízes e promotores daqui a dois anos? Na situação hipotética
(talvez utópica) haveria aquelas operações espalhafatosas da Polícia Federal,
com agentes bem alimentados, bem remunerados e recebendo gordas diárias?
Por Antonio
Cavalcante e Vilson Nery*
O país assiste
estarrecido, vendo o que desabrocha e aparece dos julgamentos dos processos de
registros de candidaturas postos à apreciação da Justiça Eleitoral. São criminosos
de toda ordem, desde traficantes de drogas, homicidas, pessoas que se apropriaram
de recursos financeiros destinados à merenda escolar, desviaram dinheiro de
obras de creches para nossas crianças (há um que se adonou de recursos para a construção
do prédio do Ministério Público da sua cidade) e que têm a desfaçatez de pedirem
tratamento de candidato (do latim candidus).
Na antiga Roma o
candidato (candidus) usava uma túnica branco-brilhante, igual ao branco daquela
propaganda de sabão em pó, quando desejava assumir um cargo público. Andava pelas
ruas, a pedir apoio popular. Se o povo achasse que o cidadão não tinha
condições para tal mister, encarregava-se de atirar sujeira (lama, barro) nas alvas
vestes, demonstrando que o assim chamado candidatus era
desagradável a um grande número de pessoas.
Mas aqui em nosso sistema
há um filtro que permite, protege e incentiva a atuação dos “ficha suja”, os não cândidos, aqueles
que, em Roma, seriam enlameados. Não acredita?
Pois bem.
A Constituição Federal
diz que os partidos políticos têm a exclusividade (monopólio) das candidaturas
(art. 17) e isso significa que não há como ser candidato a vereador, prefeito, deputado,
senador, governador ou presidente da república sem estar regularmente filiado a
algum partido político. É condição de elegibilidade (art. 14 parágrafo 3º inciso
III).
E para o “chefão” do
partido político (cacique, presidente, líder, dono etc.) quem interessa mais: o
candidato puro, que não se renderá a negociatas no curso do mandato popular ou
aquele mau político que fará todo tipo de safadeza com “poder outorgado pelo povo”, de modo a burlar leis e contratos para
arrecadar dinheiro espúrio, permitindo que o “caixa dois” do partido consiga financiar
e eleger outros iguais?
A resposta parece óbvia.
O filtro partidário afasta os bons e premia os maus.
Basta dizer que os
Tribunais Regionais Eleitorais (e o TSE) estão abarrotados de processos referentes
aos ‘ficha suja’, pessoas que deveriam estar nos presídios, mas infestam os
palácios.
O segundo filtro é a própria
Justiça Eleitoral.
Nossos cartórios eleitorais
e mesmos os juízes são treinados para identificar e punir as irregularidades
formais acometidas pelos candidatos, tipo ausência de uma certidão (que qualquer
um pode retirar da internet, inclusive a secretária do juiz), ou mesmo uma
multa impaga que a pessoa sofreu por não ter comparecido na ultima eleição.
Ora, ela podia estar doente, viajando, mas não é “ficha suja”, todavia a Justiça
Eleitoral assim não entende e dá tratamento igual aos desiguais.
Vá tentar explicar a
uma pessoa humilde, “igrejeira”, sem recursos para contratar um advogado ou
contador, que ela teve o registro de candidato negado pela Justiça Eleitoral,
mas que não é “ficha suja”. Tivemos o caso de impugnação de candidatos que eram
analfabetos funcionais, sabem ler, dirigem veículos e têm CNH, possuem negócios
legais e formais, conta corrente em banco, mas são consideradas analfabetas.
Não seria o caso de
incluir esse tipo de postulante no processo político, de modo a contribuir com
o fim do analfabetismo, cujos efeitos danosos (e discriminatórios, como se
observa) eles conhecem na própria pele?
Nestas eleições municipais
estamos vendo alguns pretendentes serem afastados de candidaturas porque
tiveram um parecer negativo do Tribunal de Contas, um conclave de políticos espertalhões
em fim de carreira (com raras, honrosas, mas silenciosas exceções) que adora
perseguir adversários políticos.
Perguntamos: é justo?
E o derradeiro filtro
que persegue os políticos bons é exatamente a grande vítima dos gestores velhacos:
o eleitor. Sim, sua Excelência o Eleitor (aquele de onde deriva todo o Poder)
prefere depositar o voto em um candidato que ponteia nas pesquisas eleitorais (muitas
vezes, enganosas), não se importando sobre o passado criminoso do político
escolhido e das perigosas relações que este mantém.
O mesmo Eleitor acaba
por fazer vista grossa à ilegalidade das ofertas de benefícios em troca do
voto, às vezes aceitando dinheiro ou bem assemelhado, não entendendo que aquele
benefício será pago pela coletividade, depois da eleição.
Porém é um preciosismo
exigir deste eleitor que saiba sobre o passado de seu candidato e as propostas
sobre como ele pretende encarar os problemas da cidade, se o programa eleitoral
no rádio e na televisão serve para outra finalidade. Os recursos financeiros destinados
à propaganda eleitoral acabam sendo utilizados para emburrecer o cidadão, com a
apresentação de “novelinhas” no horário gratuito ao invés de discutir e debater
propostas viáveis.
Faz-se propaganda
eleitoral atualmente como se fazia no século passado e isso na propaganda (que
vive de inovação) é inaceitável.
Mas o vereador e o
prefeito eleitos por meios corruptos em 2012 têm uma função importante na
ORCRIM (Organização Criminosa). Eles serão a base para eleger os deputados estaduais
e federais, além do governador, do senador e do presidente da república, daqui
a dois anos.
E sabe o que aqueles
eleitos neste Estado daqui a dois anos farão? Vista grossa para os desvios de
dinheiro das contas públicas, permitirão o endividamento estatal por gerações,
anulando a possibilidade de vida decente para nossos filhos e nossos netos, e
os filhos e netos deles.
E lá em Brasília, o que
farão os eleitos de 2014 a partir do esquema criminoso montado em 2012?
Participarão de esquemas
do tipo “mensalão” ou equivalente, se locupletando dos recursos públicos. Dividirão
seu tempo entre a defesa de seus interesses privados e a defesa processual nas ações
penais que respondem no “foro dos privilegiados”.
Mas então, se a eleição
municipal é nascedouro de toda a corrupção por que o Ministério Público não dialoga
com a sociedade organizada? Por que o Secretário de Segurança não trata com as
entidades que imploram pela prevenção ao crime eleitoral? Porque a Policia Federal
não destina uma estrutura especializada para combater o crime eleitoral?
Sinceramente, há que se
perguntar: se o ovo da serpente (corrupção), ora em gestação, não parir, será
que haveria empregos para juízes e promotores daqui a dois anos? Na situação hipotética
(talvez utópica) haveria aquelas operações espalhafatosas da Polícia Federal,
com agentes bem alimentados, bem remunerados e recebendo gordas diárias?
Não queremos acreditar
que alguém aceite que o crime eleitoral compensa. Mas cremos com firmeza há
que se combater o crime eleitoral. É a mais hedionda das condutas. Dela nasce o
drogado, o prostituído e o analfabeto.
*Antonio
Cavalcante e Vilson Nery são ativistas do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral)
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