terça-feira, 2 de outubro de 2012

"O Estado não tolera o poder que corrompe"


Declaração do ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, antecipa a possível condenação de José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino na Ação Penal 470; no início de seu voto, ele fez um desabafo e defendeu a corte da crítica de que o STF estaria flexibilizando garantias - como sugeriu o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos




247 - O ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, decidiu fazer um desabafo antes de iniciar seu voto na sessão desta segunda-feira da Ação Penal 470. No início de seu voto, ele defendeu a corte da crítica de que o STF estaria flexibilizando garantias - como sugeriu o ex-ministro da Justiça e advogado de um dos réus, Marcio Thomaz Bastos - e defendeu também a transmissão ao vivo do julgamento.

"O STF não está flexibilizando garantias", afirmou o decano da corte. Ele também defendeu a transmissão ao vivo do julgamento, feita pela TV Justiça. "Isso consagra o princípio da publicidade, expresso na Constitução Federal". Posteriormente, passou a falar do verdadeiro "assalto" que está sendo julgado.

O ministro destacou ainda que, para configurar o crime de corrupção passiva, não é preciso haver comprovação da prática de ato de ofício [ato no exercício do cargo] em troca da vantagem ilícita recebida. "Não se exige a prática de determinado ato de ofício. Se houver ato de ofício estaríamos diante de uma causa de aumento do pena".

Celso de Mello também afirmou que o processo da AP 470 "revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão na prática rotineira de poder". Segundo ele, "o Estado não tolera o poder que corrompe" e os "corruptores e corruptos devem ser punidos na forma da lei".

As declarações antecipam a possível condenação, por parte do ministro, de José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino no processo. O julgamento dos trêus réus ligados ao PT, acusados de corrupção ativa, deve começar na sessão de quarta-feira, com o voto do relator Joaquim Barbosa sobre a última etapa do ação.

"A corrupção compromete a integralidade dos valores que informam a ideia de República, frustra a consolidação das instituições, compromete políticas públicas nas áreas sensíveis, como saúde e segurança, além de afetar o próprio princípio democrático", disse o ministro. Segundo ele, "a República se vê comprometida quando prevalece nos governantes o espírito de facção, quando se vê vontade de obter privilégios".

Fonte: Brasil 247

Saiba mais:
 

"MIGUEL DO ROSÁRIO: Os ministros do STF que mandem os réus ao cadafalso político por corrupção, lavagem de dinheiro, o que for, mas para condenar parlamentares apenas por “votarem”, ou seja, fazerem seu trabalho, tenham provas, por favor: confissões, testemunhas, provas documentais. Ilações, em um tribunal como o STF, não servem". (Pagina do E)


"O STF não pertence aos juízes, mas ao povo brasileiro, a nós todos, e depois de tanta luta para construir uma democracia moderna e estável, não a queremos ver manchada com a nódoa de um golpismo judicial conservador, oportunista, preconceituoso e arbitrário" - escreve Miguel do Rosário



Esclarecimento sobre minhas críticas ao STF

MIGUEL DO ROSÁRIO
BLOG CAFEZINHO


Tenho acompanhado quase tudo que se diz nas redes sociais e nos blogs sobre o julgamento do mensalão. O evento suscita várias leituras simultâneas. Há uma acalorada discussão, por exemplo, em torno das teses jurídicas formuladas pelos ministros. Isto é muito saudável por estimular um pensamento mais crítico em relação às teorias  constitucionais, que não são letras mortas, mas criações vivas da nossa cultura, do nosso parlamento e da própria jurisdição produzida por nossa corte superior. Em última instância, o falatório pauta o Congresso, o STF, os formadores de opinião. O que nós somos, enquanto sociedade organizada em torno de leis e costumes, será o  resultado desses embates.

Há também um debate político em torno do julgamento, que talvez seja ainda mais importante, por causa da repercussão política do evento, e também pelo fato de que ele tem sido, desde que eclodiu, descaradamente instrumentalizado por setores da mídia para atacarem a esquerda partidária.

É aí que vemos prosperar muita confusão, principalmente pelo motivo óbvio de que há interesses partidários, políticos e ideológicos conflitantes envolvidos, com o agravante de estarmos na fase mais intensa de uma campanha eleitoral.

Alguns entendem as minhas críticas ao STF como uma defesa do PT. “Ah, se fosse o PSDB no banco dos réus, não falariam nada disso”.

Não é verdade. Se os réus fossem do DEM, eu diria a mesma coisa. O que acontece é que um julgamento nesse estilo jamais aconteceria se os réus fossem do PSDB ou DEM.

Então a comparação é esdrúxula. Os réus do DEM podem ser condenados duramente, mas não haverá nenhum proselitismo político e ideológico em torno de seu julgamento.

Não defendo o PT das acusações de lavagem de dinheiro, corrupção, formação de quadrilha ou seja lá que termos bombásticos a Procuradoria usou na sua peça acusatória.

Também não questiono (embora tenha o direito de fazê-lo) a honestidade e o saber jurídico de nossos ministros do STF.

Minha crítica refere-se, em primeiro lugar, à volúpia com que falam à imprensa de um processo em curso, inflamando ainda mais um ambiente já volátil e causando tumulto político justamente num momento eleitoral. Isso é irresponsabilidade. O STF tem a obrigação de manter a harmonia com outros poderes e ter uma postura imparcial diante dos embates partidários.

De todo modo, essa não é a crítica mais importante que eu faço. Talvez seja mesmo inevitável que alguns ministros ajam dessa maneira, devido à presença invasiva da imprensa nos salões do STF, e da agressividade constante dos repórteres. Ministros do STF não querem ser inimigos da mídia, então podemos entender esse desejo ou condescendência em aplacar a voracidade dos jornalistas.

A minha discordância em relação aos ministros do STF também não é centrada na disposição ou não deles em condenar os réus, e sim nos argumentos políticos que eles tem usado para fazê-lo. Sobretudo, discordo da tese de compra de votos, porque ela se baseia, em grande parte, numa visão preconceituosa dos acordos políticos.

O mensalão do PT, assim como o do DEM e do PSDB, podem ter em comum os crimes de corrupção , lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Mas a compra de apoio político só poderia ser provada através de uma testemunha, confissão ou documento que comprovasse que aquele parlamentar votou, em determinada votação específica, porque recebeu dinheiro.

O que eu discordo, sobretudo, é de asserções com essa, do ministro Celso de Mello, proferida ontem (27):

    O ministro mais antigo no tribunal, Celso de Mello, afirmou que o crime de corrupção do servidor público está associado ao “ato de ofício”, e que esse ato, no caso dos parlamentares, é a participação nas votações do Congresso Nacional. (…) “no âmbito do parlamento, o ato de ofício do congressista é por excelência o ato de votar.”

O tribunal está condenando dezenas de parlamentares que sequer receberam dinheiro do mensalão. Quem recebeu foram suas lideranças. E os ministros fundamentam seu entendimento sobre esse ponto com observações absolutamente leigas, equivocadas, sobre como partidos costuram acordos políticos, antes e depois das eleições. Os ministros emitem juízos de valor antidemocráticos sobre a movimentação financeira eleitoral, fingindo desconhecer que as eleições, no Brasil, mexem com grande quantidade de recursos, antes e depois dos pleitos, e que boa parte destes se dá na forma de caixa 2. Essas são as entranhas da nossa democracia. E não só nossa, pois Caixa 2 eleitoral existe no mundo inteiro. No Brasil, não é sequer tipicado como crime, mas como infração eleitoral. Deve ser combatida, não através de punições inquisitoriais, mas aprimorando nossas leis para trazer para a legalidade uma prática comum a todos os partidos. Democracia é eleição, eleição é concorrência e despesa de campanha. Essas são realidades irrefutáveis da nossa democracia que não devem satanizadas junto à opinião pública conforme sempre fez a mídia, agora com auxílio do judiciário.

A votação da reforma da previdência, por exemplo, aconteceu após uma dolorosa negociação entre diversas forças políticas e sociais. Até eu participei, humildemente, como blogueiro, desse debate. Lembro que eu ficara muito impressionado com a situação do meu pai, que aposentara-se ganhando R$ 900, apesar de sempre ter pago o teto do INSS. Isso porque o INSS discriminava o trabalhador do setor privado. E a reforma corrigiu isso, em parte ao menos.

Houve debates, negociações políticas intensas. Nesses momentos chave todos cobram de todos: indicações, dívidas de campanha, compromissos eleitorais futuros, mais espaço no governo, etc. É assim que funcionam as entranhas da democracia, no mundo inteiro. Não é uma reunião de anjos, com certeza. Muitos interesses menores entram no jogo. Entretanto, como dizia Hegel:

    Perseguindo seus interesses pessoais, os homens fazem história e são, ao mesmo tempo, as ferramentas e os meios de qualquer coisa de mais elevada, de mais vasta, que eles ignoram, e que eles realizam de maneira inconsciente.

Então mandem os réus ao cadafalso político por corrupção, lavagem de dinheiro, o que for, mas para condenar parlamentares apenas por “votarem”, ou seja, fazerem seu trabalho, tenham provas, por favor: confissões, testemunhas, provas documentais. Ilações antidemocráticas não servem. O STF não pertence aos juízes, mas ao povo brasileiro, a nós todos, e depois de tanta luta para construir uma democracia moderna e estável, não a queremos ver manchada com a nódoa de um golpismo judicial conservador, oportunista, preconceituoso e arbitrário.

 
MIGUEL DO ROSÁRIO, jornalista, é titular do blog O CAFEZINHO

Leia mais:


Os réus do mensalão são “bodes expiatórios midiáticos”?

 

 

Por Luiz Flávio Gome* 

 

Para auxiliar sua resposta, vamos repassar o significado da locução "bode expiatório", que abarca: (a) alguém que é escolhido para responder por algo que não fez (e no final acaba inocentado); (b) um inocente que carrega o pecado de todos e é sacrificado por isso; (c) os culpados sobre os quais descarrega-se a culpa de todos, que ficam purificados. Vejamos:

(a) é bode expiatório quem é selecionado (escolhido) para responder por um fato que não praticou (ou não praticou diretamente). Zombam, maltratam, repudiam, insultam ou humilham essa pessoa (ou grupo de pessoas), inclusive e, sobretudo, por meios midiáticos, até que sua inocência vem a ser reconhecida.

De acordo com esse primeiro sentido não há dúvida de que Luiz Gushiken, por exemplo, cumpriu, no mensalão, o papel de bode expiatório inocente (que acabou sendo efetivamente inocentado). O jornalista Washington Araújo bem resumiu essa escabrosa injustiça, sobretudo midiática: "... para uma imprensa ávida de sangue e sempre disposta a terçar armas para manter em evidência seu escândalo da hora, não restou nem a obrigação ética de formular ao "condenado inocente" um reles pedido de desculpas. O mau jornalismo principia na confusão mental entre liberdade de expressão e libertinagem de imprensa, e não resiste à tentação maior de vestir a toga e, a seu bel-prazer, acusar, julgar, condenar. Não passam, na verdade, de semiprofissionais do jornalismo. Infames, biltres e, em uma palavra, mequetrefes." (Fonte: Carta Maior)

(b) bode expiatório, em seu significado original, advém de um ritual religioso do antigo povo de Israel, que consistia no seguinte: para purificar a nação, dentre dois bodes, um era sacrificado pelo sacerdote, junto com um touro, como oferenda a Deus. O outro (o "bode expiatório") era sacrificado para descarregar (no inocente) todas as culpas do povo judeu. Era entregue ao Diabo e abandonado no deserto, mas acompanhado de insultos e pedradas. Ele carregava todos os pecados da comunidade, ou seja, carregava todos os desvios e malfeitos da população.

Jesus Cristo, de acordo com as escrituras, foi um "bode expiatório" nesse segundo sentido (inocente, que carrega a culpa ou o pecado de todos).

(c) a esses dois significados nós poderíamos agregar um terceiro: é bode expiatório aquele que, embora não inocente, cumpre o papel de pagar as culpas da grande maioria, livrando-a (ao menos momentaneamente) de represálias ou sanções. Os bodes expiatórios escolhidos são os criminosos, os vândalos, os maus, enquanto os outros larápios (que desfrutam da festa da vingança) entram na lista dos meros ilegalismos impunes (como dizia Foucault).

A culpa de todo mundo é canalizada midiaticamente sobre os ombros de um ou de alguns culpados. Trata-se de um ritual de purificação dos pecados dos demais ou da própria mídia. Nesse sentido, todos os réus culpados pelos seus crimes, na medida em que são devidamente selecionados, são bodes expiatórios porque, embora culpados, acabam por fazer parte de uma ritualização de exculpação nacional (dos outros). Descarrega-se nesse bode expiatório a culpa de todos, gerando um tipo de purificação (da alma, da culpa e dos pecados dos demais).

Salvo raríssimas exceções, não há partido político no Brasil (pela sua tradição corruptiva secular e estrutural, que envolve toda a oligarquia composta pelo Estado, poderes econômicos e alguns políticos) que não tenha feito (ou que não fará) o que é imputado aos réus do mensalão. Eles, no entanto, são os "bodes expiatórios" do momento. Por isso, toda atenção neles.

Pagarão pelas suas culpas (justas e merecidas, diz o discurso penal; dirão a mesma coisa as sentenças dos Ministros), mas, como todos os bodes expiatórios, cumprem um outro papel: o de purificação da alma dos demais políticos, banqueiros ou empresários corruptos, que já fizeram ou farão a mesma coisa e que só aguardam a vez para ("de alma limpa, purificada") cumprirem o mesmo papel (desde que tenha chegado o momento de se transformarem nos novos bodes expiatórios midiáticos).


Luiz Flávio Gome* é jurista, professor, fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br


Fonte: Brasil 247

Leia mais:


STF: Celso de Mello, o Iluminado 

"O cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis."

 Imagem: STF



Fonte Abra a Boca Cidadão

 Devastador.

Assim foi o voto de ontem do ministro Celso de Mello no Julgamento do Mensalão.


Imbuído do que Gandhi chamou de "Indignação Justa", o doutíssimo ministro, mais uma vez, rasgou o verbo contra corruptos e corruptores, que atuam nos três poderes da República e na sociedade, colocando-os no seu devido lugar: "assaltantes" e "marginais".


Uma conferência extraordinária sobre Cidadania e Direito, que disponibilizamos abaixo (trechos divulgados no site do STF).


Algumas lições de ontem: Decisão de juiz corrupto é nula. Membros de uma quadrilha não precisam nem se conhecer. Não há diferença entre bandoleiros de estradas e assaltantes de cofres públicos. Quem tem o exercício do poder não pode exercê-lo em seu próprio benefício. 


"O ato de corrupção constitui um gesto de perversão da ética do poder e da ordem jurídica, cuja observância se impõe a todos os cidadãos desta República, que não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper."

"Quem transgride tais mandamentos, não importando a sua posição estamental, se patrícios ou plebeus, governantes ou governados, expõe-se à severidade das leis penais e, por tais atos, o corruptor e o corrupto devem ser punidos, exemplarmente, na forma da lei."

"O cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis."

....................

Trechos divulgados no site do STF

Entendo que o Ministério Público expôs na peça acusatória eventos delituosos revestidos de extrema gravidade e imputou aos réus ora em julgamento ações moralmente inescrupulosas e penalmente ilícitas que culminaram, a partir de um projeto criminoso por eles concebido e executado, em verdadeiro assalto à Administração Pública, com graves e irreversíveis danos ao princípio ético-jurídico da probidade administrativa e com sério comprometimento da dignidade da função pública, além de lesão a valores outros, como a integridade do sistema financeiro nacional, a paz pública, a credibilidade e a estabilidade da ordem econômico-financeira do País, postos sob a imediata tutela jurídica do ordenamento penal. 

(…)

Quero registrar, neste ponto, Senhor Presidente, tal como salientei em voto anteriormente proferido neste Egrégio Plenário, que o ato de corrupção constitui um gesto de perversão da ética do poder e da ordem jurídica, cuja observância se impõe a todos os cidadãos desta República, que não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper.

Quem transgride tais mandamentos, não importando a sua posição estamental, se patrícios ou plebeus, governantes ou governados, expõe-se à severidade das leis penais e, por tais atos, o corruptor e o corrupto devem ser punidos, exemplarmente, na forma da lei.

Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o exercício das instituições da República pudesse ser degradado a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios pessoais.

Fácil constatar, portanto, considerados os diversos elementos legitimamente produzidos nestes autos e claramente demonstrados pelo eminente Relator, que a conduta dos réus, notadamente daqueles que ostentam ou ostentaram funções de governo, não importando se no Poder Legislativo ou no Poder Executivo, maculou o próprio espírito republicano.

Em assuntos de Estado e de Governo, nem o cinismo, nem o pragmatismo, nem a ausência de senso ético, nem o oportunismo podem justificar, quer juridicamente, quer moralmente, quer institucionalmente, práticas criminosas, como a corrupção parlamentar ou as ações corruptivas de altos dirigentes do Poder Executivo ou de agremiações partidárias.

Extremamente precisa a observação, sempre erudita, do Professor Celso Lafer, quando, ao discorrer sobre o espírito republicano, acentua, a partir de Montesquieu, que “o princípio que explica a dinâmica de uma República, ou seja, o sentimento que a faz durar e prosperar, é a virtude. É nesse contexto que se pode dizer que a motivação ética é de natureza republicana. Isso passa (…) pela virtude civil do desejo de viver com dignidade e pressupõe que ninguém poderá viver com dignidade numa comunidade política corrompida”.

(…)

É por isso, Senhores Ministros, que a concepção republicana de poder mostra-se absolutamente incompatível com qualquer prática governamental tendente a restaurar a inaceitável teoria do Estado patrimonial.

Com o objetivo de proteger valores fundamentais, Senhor Presidente, tais como se qualificam aqueles consagrados nos princípios da transparência, da igualdade, da moralidade e da impessoalidade, o sistema constitucional instituiu normas e estabeleceu diretrizes destinadas a obstar práticas que culminem por patrimonializar o poder governamental, convertendo-o, em razão de uma inadmissível inversão dos postulados republicanos, em verdadeira “res domestica”, degradando-o, assim, à condição subalterna de instrumento de mera dominação do Estado, vocacionado, não a servir ao interesse público e ao bem comum, mas, antes, a atuar como incompreensível e inaceitável meio de satisfazer conveniências pessoais e de realizar aspirações governamentais e partidárias.

(…)

O fato é um só, Senhor Presidente: quem tem o poder e a força do Estado, em suas mãos, não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é conferida pelas leis da República. A gravidade da corrupção governamental, inclusive aquela praticada no Parlamento da República, evidencia-se pelas múltiplas consequências que dela decorrem, tanto aquelas que se projetam no plano da criminalidade oficial quanto as que se revelam na esfera civil (afinal, o ato de corrupção traduz um gesto de improbidade administrativa) e, também, no âmbito político-institucional, na medida em que a percepção de vantagens indevidas representa um ilícito constitucional, pois, segundo prescreve o art. 55, § 1º, da Constituição, a percepção de vantagens indevidas revela um ato atentatório ao decoro parlamentar, apto, por si só, a legitimar a perda do mandato legislativo, independentemente de prévia condenação criminal.

A ordem jurídica, Senhor Presidente, não pode permanecer indiferente a condutas de membros do Congresso Nacional – ou de quaisquer outras autoridades da República – que hajam eventualmente incidido em censuráveis desvios éticos e reprováveis transgressões criminosas, no desempenho da elevada função de representação política do Povo brasileiro.

Sabemos todos que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis. O direito ao governo honesto – nunca é demasiado reconhecê-lo – traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania.

A imputação, a qualquer membro do Congresso Nacional, de atos que importem em transgressão ao decoro parlamentar revela-se fato que assume, perante o corpo de cidadãos, a maior gravidade, a exigir, por isso mesmo, por efeito de imposição ética emanada de um dos dogmas essenciais da República, a repulsa por parte do Estado, tanto mais se se considerar que o Parlamento recebeu, dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes dos demais Poderes.

Vê-se, nesse ponto, a íntima correlação entre a própria Constituição da República, em face de que prescreve o seu art. 55, § 1º, e a legislação penal. Qualquer ato de ofensa ao decoro parlamentar, como a aceitação criminosa de suborno, culmina por atingir, injustamente, a própria respeitabilidade institucional do Poder Legislativo, residindo, nesse ponto, a legitimidade ético-jurídica do procedimento constitucional de cassação do mandato parlamentar, em ordem a excluir, da comunhão dos legisladores, aquele – qualquer que seja – que se haja mostrado indigno do desempenho da magna função de representar o Povo, de formular a legislação da República e de controlar as instâncias governamentais do poder.

(…)

Importante destacar, Senhor Presidente, as gravíssimas consequências que resultam do ato indigno (e criminoso) do parlamentar que comprovadamente vende o seu voto e que também comercializa a sua atuação legislativa em troca de dinheiro ou de outras indevidas vantagens.

(…)

A corrupção deforma o sentido republicano de prática política, compromete a integridade dos valores que informam e dão significado à própria ideia de República, frustra a consolidação das instituições, compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis como as da saúde, da educação, da segurança pública e do próprio desenvolvimento do País, além de afetar o próprio princípio democrático.

Daí os importantes compromissos internacionais que o Brasil assumiu em relação ao combate à corrupção, como o evidencia a subscrição, por nosso País, da Convenção Interamericana contra a Corrupção (celebrada na Venezuela em 1996) e da Convenção das Nações Unidas (celebrada em Mérida, no México, em 2003).

As razões determinantes da celebração dessas convenções internacionais (uma, de caráter regional, e outra, de projeção global) residem, basicamente, na preocupação da comunidade internacional com a extrema gravidade dos problemas e das consequências nocivas decorrentes da corrupção para a estabilidade e a segurança da sociedade, eis que essa prática criminosa enfraquece as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça, além de comprometer a própria sustentabilidade do Estado democrático de direito, considerados os vínculos entre a corrupção e outras modalidades de delinquência, com particular referência para a criminalidade organizada, a delinquência governamental e a lavagem de dinheiro.

(…)

Esses vergonhosos atos de corrupção parlamentar, profundamente lesivos à dignidade do ofício legislativo e à respeitabilidade do Congresso Nacional, alimentados por transações obscuras idealizadas e implementadas em altas esferas governamentais, com o objetivo de fortalecer a base de apoio político e de sustentação legislativa no Parlamento brasileiro, devem ser condenados e punidos com o peso e o rigor das leis desta República, porque significam tentativa imoral e ilícita de manipular, criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático, comprometendo-lhe a integridade, conspurcando-lhe a pureza e suprimindo-lhe os índices essenciais de legitimidade, que representam atributos necessários para justificar a prática honesta e o exercício regular do poder aos olhos dos cidadãos desta Nação.

Esse quadro de anomalia, Senhor Presidente, revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do País, a atuação desses marginais do Poder.

STF
Fonte Abra a Boca Cidadão

Saiba mais:

STF condena 12 após falas contundentes contra a corrupção 


Presidente da Corte chama “mensalão” de “projeto de poder ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, sob controle do PT, para “aliciar partidos e parlamentares”, visando continuidade no poder “muito além de dois períodos quadrienais sucessivos”. Celso de Mello chamou esquema de “assalto à administração pública”. Réus condenados estavam ao PP, PL, PTB e PMDB.
Brasília - Na 30º sessão do julgamento da Ação Penal 470, o chamado “mensalão”, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o item da acusação que inclui os réus ligados aos partidos PP, PL (atual PR), PTB e PMDB condenando 12 e absolvendo apenas 1. Este resultado já estava praticamente confirmado após a 29º sessão, na última quinta-feira. Chamaram mesmo a atenção as falas contundentes dos ministros Marco Aurelio Mello, Celso de Mello e Ayres Britto contra a corrupção. Os dois últimos dedicaram praticamente toda sua fala para condenar a prática, anunciando ao final que subscreveriam o voto, na íntegra, do ministro relator, Joaquim Barbosa.

O presidente do STF, Ayres Britto, classificou o “mensalão” como “projeto de poder ideológico-partidário de inspiração patrimonialista, viabilizado pela arrecadação criminosa de recursos públicos e privados para aliciar partidos e corromper parlamentares e líderes partidários”, “projeto de continuísmo governamental para muito além de dois períodos quadrienais sucessivos”, tudo isto sob “controle metodológico e domínio funcional do Partido dos Trabalhadores”, disse.

O presidente também criticou “penalistas e politólogos” que taxam de “pré-democráticos os juízes e tribunais judiciários que não se dobram a longevidade e força” do caixa 2 e das alianças partidárias nele baseadas, “tão realisticamente comuns na tradição político-parlamentar brasileira”, para “assegurar a governabilidade das chefias executivas do nosso país”.

Sem fazer menções a episódios de corrupção anteriores, Britto chamou esta cultura política brasileira de “costumes autóctones”, “processados a margem de toda juridicidade”, “atentatórios” da qualidade da vida política do país, responsáveis por redesenhar “o perfil ideológico ou politico-filosófico diretamente saído de cada eleição” e por acarretar em “indistinção entre Estado em partido, com sério risco de o primeiro se colocar a serviço deste último e não o contrário”.

Celso de Mello começou seu voto defendendo a Corte das críticas que vem recebendo e disse que “o STF não está revendo orientações jurisprudenciais, muito menos flexibilizando direitos e garantias individuais”.

Em seguida, o decano afirmou que a denúncia do Ministério Público comprovou “eventos delituosos impregnados de extrema gravidade e imputou aos réus ações moralmente inescrupulosas e penalmente ilícitas, que culminaram, a partir de um projeto criminoso por eles concebido e executado, em um verdadeiro assalto à administração pública”. O ministro chegou a colocar em dúvida as decisões tomadas pela Câmara dos Deputados à época do “mensalão” e afirmou que “é ato indigno e criminoso do parlamentar que comercializa o voto em troca de dinheiro ou outra vantagem”.

O ministro Marco Aurelio Mello também defendeu que o dinheiro operacionalizado pelo publicitário Marcos Valério serviu para a compra de sustentação política no Congresso, afastando a hipótese de caixa 2 para campanhas eleitorais. Um tanto quanto confuso, porém, Marco Aurelio disse que “muito embora a verificação se faça no campo de uma certa ambiguidade, houve, sem dúvida alguma, a partir da entrega dos numerários, atos de ofício, nas diversas votações procedidas na Câmara dos Deputados”. O ministro apontou que o esquema serviu para aprovar determinadas reformas, “sofrendo com isso a própria sociedade brasileira”.

Condenações

Pelos crimes de corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro foram condenados os ex-deputados Pedro Corrêa (PP-PE) , o ex-assessor do PP, João Cláudio Genú, o deputado Valdemar da Costa Neto (atual PR-SP) e o ex-tesoureiro do PP, Jacinto Lamas.

O deputado Pedro Henry (PP-MT), os ex-deputados Bispo Rodrigues (PL-RJ), Roberto Jefferson (PTB-RJ), Romeu Queiroz (PTB-MG) e o ex-dirigente do PTB, Emerson Palmieri, foram condenados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Henry foi inocentado do crime de formação de quadrilha.

Os dois sócios da corretora de valores Bônus Banval, Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, foram condenados por lavagem de dinheiro. Entretanto, quanto ao crime de formação de quadrilha, Quadrado foi condenado e Fischberg absolvido.

O atual prefeito de Jandaia do Sul (PR) e ex-deputado, José Borba (PMDB-PR,) foi condenado por corrupção passiva, mas foi protagonista do primeiro caso de empate neste julgamento quanto à acusação de lavagem de dinheiro. O presidente do STF, Ayres Britto, afirmou que a decisão sobre o caso acontecerá no final do julgamento. Até lá os ministros podem mudar de voto. Caso o empate permaneça, a Corte ainda não sabe qual critério adotar. Segundo a tradição do direito penal, o empate favorece ao réu. Outra possibilidade é o presidente do tribunal decidir com um voto de minerva.

O ex-assessor do PL, Antônio Lamas, foi absolvido porque o próprio acusador, o Ministério Público Federal (MPF) apontou falta de provas.
Continuidade

O julgamento da Ação Penal 470 continuará na próxima quarta-feira (3) com a leitura do voto do relator sobre o crime de corrupção ativa, no qual estão imputados os petistas José Dirceu, José Genuíno e Delúbio Soares. Também são acusados neste capítulo da denúncia o ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto (PMDB), os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach; o advogado e sócio de Valério, Rogério Tolentino; a ex-diretora financeira da agência de publicidade SMP&B, Simone Vasconcelos; e a funcionária subordinada a Vasconcelos, Geiza Dias. 

Fonte: Carta Maior
Visite a pagina do MCCE-MT