O país sai melhor e mais maduro deste julgamento. Evidentemente, seria ilusório pensar que a condenação dos réus do mensalão extingue a corrupção no país como num passe de mágica.
ZERO HORA 30 de novembro de 2012 | N° 17269
EDITORIAIS
Encerrada a fase de aplicação das penas para os réus do processo conhecido como mensalão, que julgou o maior escândalo de corrupção na administração pública do país, pode-se dizer que o balanço é positivo para a sociedade brasileira. Depois de analisar as 55 mil páginas dos autos, de ouvir acusação e defesa conforme o princípio do contraditório garantido pela Constituição, o Supremo Tribunal Federal deu uma verdadeira lição de independência e justiça à nação, especialmente à classe política, que, a partir deste julgamento histórico, deixa de contar com a autoconcedida prerrogativa da impunidade.
Ao reconhecer a existência do esquema de compra de apoio político no Congresso para favorecer o governo do presidente Lula e a serviço de um projeto de perpetuação do poder, a Corte Suprema decidiu punir com rigor inusitado não apenas os mentores e executores da operação, mas também e principalmente esta prática nefasta e antidemocrática de comercialização de votos. Não pode. A lição didática do mensalão é esta: governantes e parlamentares representam os cidadãos, não têm o direito de mercantilizar seus mandatos e seus atos enquanto representantes da sociedade.
Se o fazem, seja por interesse pessoal, partidário ou por simples subserviência, estão cometendo crime, assim como seus cúmplices sem mandato parlamentar. Por isso 25 dos 37 réus foram condenados à prisão, em regime fechado ou semiaberto, de acordo com a extensão de suas penas. Até se pode questionar um ou outro caso, mas, no conjunto, não resta dúvida de que as punições são merecidas e exemplares.
O julgamento ainda em fase de conclusão, pois cabem alguns recursos, teve também o efeito colateral de aproximar a população brasileira da Justiça. A ampla exposição das 49 sessões realizadas até agora permitiu que o cidadão comum não apenas se familiarizasse com o funcionamento de um tribunal superior, como também revelou o lado humano dos julgadores, suas divergências, suas dúvidas e suas certezas, tudo com absoluta transparência.
O país sai melhor e mais maduro deste julgamento. Evidentemente, seria ilusório pensar que a condenação dos réus do mensalão extingue a corrupção no país como num passe de mágica. O novo escândalo resultante da operação Porto Seguro, da Polícia Federal, está aí para comprovar que a moralização da administração pública e seus reflexos na sociedade dependem de um processo cultural de longo prazo. Um processo que deve passar, também, pelo aperfeiçoamento de instrumentos de controle, como tribunais de contas, agências reguladoras, auditorias e corregedorias, que não vêm cumprindo adequadamente suas atribuições.
Mas as lições das últimas semanas foram consistentes. Resta esperar que o país as tenha assimilado e saiba fazer bom uso delas no futuro.
Saiba mais:
MENSALÃO: O QUE APRENDER COM O JULGAMENTO
ZERO HORA 30 de novembro de 2012 | N° 17269. ARTIGOS
O que aprender com o julgamento
Paulo Tiago Cardoso Campos *
Estamos imersos em um momento único de nossa história, que requer reflexão e atenção para amadurecermos enquanto sociedade focada em valores político-democráticos e institucionais. O que podemos levantar como aprendizado a respeito do julgamento?
Um primeiro aspecto é que, antes de julgar as pessoas e seus atos, cabe avaliar a estrutura que permite crimes e irregularidades, a qual se compõe de regras ambíguas, práticas e tradições políticas escusas e condenáveis, impunidade, dentre outros. Tal estrutura é que abre espaço para tais atos irregulares e criminosos, ora julgados, se tornem aptos de ser incorridos. Assim, um primeiro aprendizado é voltarmo-nos à crítica dessa estrutura que admite tais práticas criminosas ocorrerem.
Um segundo ponto é que existem leis para serem observadas pelos promotores da Justiça, e isso permite dizer que não faz sentido fazer circular frases e imagens que deificam ministros ou demonizam outros, como ocorre nas redes sociais, uma vez que vivemos num Estado de direito, em que valem regras e provas, e não opiniões. Faz parte o caráter polêmico de julgamentos dessa natureza, e mudanças que endureçam as sanções a esses crimes são desejáveis, desde que obtidas por meio de discussão democrática. Finalmente, um terceiro ponto é que necessitamos de modificações nas leis e regras, que sejam mais fortemente castradoras de impulsos corruptos e mal-intencionados, ou seja, que sinalizem um prêmio nada compensador a quem intenta violá-las.
É preciso fazer pressão sobre o Congresso visando a mudanças para moralizar a política no Brasil e tornar decente a política representativa, algo nobre e que se tornou um tanto desacreditado. Nos países mais desenvolvidos que o Brasil, há leis severas e cumpridas com eficiência e rapidez, mas os políticos de lá não são tão melhores que os nossos. Um episódio emblemático é o do ex-governador de Illinois (EUA) Rod Blagojevich, condenado a 14 anos de prisão por negociar vaga no Congresso e por corrupção.
Portanto, o julgamento do mensalão, em que pesem polêmicas de absolvições, acusações e outros pontos, que seja acima de tudo uma oportunidade histórica para que amadureçamos nossa capacidade de observação, de crítica e de avaliação sobre o que deve ser mudado. Não olhemos para isso com raiva nem com desconfiança, mas encaremos práticas escusas como normais em pessoas destituídas de formação ética capaz de impedir que as pratiquem.
Enquanto elas não possuírem tal discernimento e formação, cabe aplicar regras e punições severas para que amadureçam ou sejam presas, e não estraguem a cena política que afeta a todos nós. O julgamento nos orienta sobre como melhorar essas regras e punições. Observemos, então, e pensemos em como tornar o Brasil mais limpo.
*Professor na UFSM
Estamos imersos em um momento único de nossa história, que requer reflexão e atenção para amadurecermos enquanto sociedade focada em valores político-democráticos e institucionais. O que podemos levantar como aprendizado a respeito do julgamento?
Um primeiro aspecto é que, antes de julgar as pessoas e seus atos, cabe avaliar a estrutura que permite crimes e irregularidades, a qual se compõe de regras ambíguas, práticas e tradições políticas escusas e condenáveis, impunidade, dentre outros. Tal estrutura é que abre espaço para tais atos irregulares e criminosos, ora julgados, se tornem aptos de ser incorridos. Assim, um primeiro aprendizado é voltarmo-nos à crítica dessa estrutura que admite tais práticas criminosas ocorrerem.
Um segundo ponto é que existem leis para serem observadas pelos promotores da Justiça, e isso permite dizer que não faz sentido fazer circular frases e imagens que deificam ministros ou demonizam outros, como ocorre nas redes sociais, uma vez que vivemos num Estado de direito, em que valem regras e provas, e não opiniões. Faz parte o caráter polêmico de julgamentos dessa natureza, e mudanças que endureçam as sanções a esses crimes são desejáveis, desde que obtidas por meio de discussão democrática. Finalmente, um terceiro ponto é que necessitamos de modificações nas leis e regras, que sejam mais fortemente castradoras de impulsos corruptos e mal-intencionados, ou seja, que sinalizem um prêmio nada compensador a quem intenta violá-las.
É preciso fazer pressão sobre o Congresso visando a mudanças para moralizar a política no Brasil e tornar decente a política representativa, algo nobre e que se tornou um tanto desacreditado. Nos países mais desenvolvidos que o Brasil, há leis severas e cumpridas com eficiência e rapidez, mas os políticos de lá não são tão melhores que os nossos. Um episódio emblemático é o do ex-governador de Illinois (EUA) Rod Blagojevich, condenado a 14 anos de prisão por negociar vaga no Congresso e por corrupção.
Portanto, o julgamento do mensalão, em que pesem polêmicas de absolvições, acusações e outros pontos, que seja acima de tudo uma oportunidade histórica para que amadureçamos nossa capacidade de observação, de crítica e de avaliação sobre o que deve ser mudado. Não olhemos para isso com raiva nem com desconfiança, mas encaremos práticas escusas como normais em pessoas destituídas de formação ética capaz de impedir que as pratiquem.
Enquanto elas não possuírem tal discernimento e formação, cabe aplicar regras e punições severas para que amadureçam ou sejam presas, e não estraguem a cena política que afeta a todos nós. O julgamento nos orienta sobre como melhorar essas regras e punições. Observemos, então, e pensemos em como tornar o Brasil mais limpo.
*Professor na UFSM
Leia mais:
Distantes da cadeia
ROSANE DE OLIVEIRA
Engana-se quem imagina que, terminado o julgamento do mensalão, os condenados a mais de oito anos de prisão irão imediatamente para a cadeia em regime fechado e os outros passarão a enfrentar a rotina do semiaberto. Há um longo caminho a ser percorrido até que as penas comecem a ser cumpridas, e isso não vale apenas para os que têm mandato e, em princípio, dependem de uma decisão do plenário da Câmara. É a lei e deve valer para todos.
O advogado Marcelo Peruchin, que acompanhou todos os capítulos do julgamento e se especializou em traduzir os termos técnicos, explica que vai demorar um bom tempo até que seja publicado o acórdão. Nem todos os ministros fizeram votos por escrito. Terão de fazê-los para que sejam anexados ao conjunto de documentos que formam o acórdão.
Só depois da publicação é que os advogados de cada um dos 25 condenados poderão entrar com os recursos ainda cabíveis, no caso os chamados embargos declaratórios e embargos infringentes. Nenhum desses embargos vai reformar as condenações, mas, em se tratando de um processo tão complexo e com tantos réus, pode retardar em muito o início do cumprimento das penas. Por “muito”, entenda-se mais de um ano.
Há um outro ponto que ainda precisa ser esclarecido entre os ministros e que, em, alguns casos, pode resultar em redução das penas. Para chegar ao tempo de condenação de cada um, foram somadas as penas aplicadas no julgamento de cada crime. De acordo com Peruchin, é possível que em alguns casos os ministros utilizem como base a pena maior, com acréscimo pela chamada continuidade delitiva. Na prática, isso pode acabar reduzindo, por exemplo, o tempo de cadeia de Marcos Valério, o réu condenado a mais tempo de prisão.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu que o cumprimento da sentença seja imediato, mas Peruchin acredita que os ministros não atropelarão as regras e ninguém irá para a prisão antes que a condenação transite em julgado.
Outra controvérsia prevista para os próximos dias diz respeito ao destino dos réus que têm mandato. A Constituição diz que só o Congresso pode extinguir o mandato de um parlamentar condenado em processo criminal. O Código Penal, porém, tem um artigo prevendo o efeito da condenação de perda do mandato eletivo em caso de crimes contra a administração pública. A Constituição está acima do Código Penal, mas há, entre juristas, quem defenda a tese de que a perda do mandato pode ser decretada diretamente pelo STF, hipótese considerada absurda pelo presidente da Câmara, Marco Maia, pelo ex-ministro Nelson Jobim e pelo ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro.
Engana-se quem imagina que, terminado o julgamento do mensalão, os condenados a mais de oito anos de prisão irão imediatamente para a cadeia em regime fechado e os outros passarão a enfrentar a rotina do semiaberto. Há um longo caminho a ser percorrido até que as penas comecem a ser cumpridas, e isso não vale apenas para os que têm mandato e, em princípio, dependem de uma decisão do plenário da Câmara. É a lei e deve valer para todos.
O advogado Marcelo Peruchin, que acompanhou todos os capítulos do julgamento e se especializou em traduzir os termos técnicos, explica que vai demorar um bom tempo até que seja publicado o acórdão. Nem todos os ministros fizeram votos por escrito. Terão de fazê-los para que sejam anexados ao conjunto de documentos que formam o acórdão.
Só depois da publicação é que os advogados de cada um dos 25 condenados poderão entrar com os recursos ainda cabíveis, no caso os chamados embargos declaratórios e embargos infringentes. Nenhum desses embargos vai reformar as condenações, mas, em se tratando de um processo tão complexo e com tantos réus, pode retardar em muito o início do cumprimento das penas. Por “muito”, entenda-se mais de um ano.
Há um outro ponto que ainda precisa ser esclarecido entre os ministros e que, em, alguns casos, pode resultar em redução das penas. Para chegar ao tempo de condenação de cada um, foram somadas as penas aplicadas no julgamento de cada crime. De acordo com Peruchin, é possível que em alguns casos os ministros utilizem como base a pena maior, com acréscimo pela chamada continuidade delitiva. Na prática, isso pode acabar reduzindo, por exemplo, o tempo de cadeia de Marcos Valério, o réu condenado a mais tempo de prisão.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu que o cumprimento da sentença seja imediato, mas Peruchin acredita que os ministros não atropelarão as regras e ninguém irá para a prisão antes que a condenação transite em julgado.
Outra controvérsia prevista para os próximos dias diz respeito ao destino dos réus que têm mandato. A Constituição diz que só o Congresso pode extinguir o mandato de um parlamentar condenado em processo criminal. O Código Penal, porém, tem um artigo prevendo o efeito da condenação de perda do mandato eletivo em caso de crimes contra a administração pública. A Constituição está acima do Código Penal, mas há, entre juristas, quem defenda a tese de que a perda do mandato pode ser decretada diretamente pelo STF, hipótese considerada absurda pelo presidente da Câmara, Marco Maia, pelo ex-ministro Nelson Jobim e pelo ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro.
Fonte: Mazelas do Judiciario
Para saber mais:
STF deve votar por perda imediata de mandatos
De acordo com cálculos dos próprios ministros, ao menos seis deles defendem a cassação imediata de deputados condenados na Ação Penal 470; ministro Marco Aurélio Mello diz que o STF tem a "última palavra" sobre o caso; presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) defende que "decisão final" é do Congresso; tema pode causar queda de braço entre poderes
Brasil 247 – Finalizado o cálculo das penas dos réus no
julgamento da Ação Penal 470, a chamada dosimetria, um dos próximos
passos é decidir se os deputados condenados no processo perderão seus
mandatos de imediato. Pela conta dos próprimos ministros da Corte, o
resultado da votação sobre o impasse seria 6 a 4, a maioria pela
cassação imediata, informa reportagem do jornal O Estado de S.Paulo. Os outros quatro devem avaliar que o feito depende de votação no plenário da Câmara dos Deputados.
Isso porque há uma contradição entre dois artigos da Constituição. O
artigo 15 prevê a perda de mandatos como consequência dos crimes
cometidos pelos deputados, cabendo à Câmara apenas declarar. A lei,
nesse caso, cabe apenas para os réus que não tiverem mais possibilidade
de recursos na Justiça, como os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP),
João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT). O artigo 55, no entanto,
define que a cassação depende da aprovação da maioria do plenário da
respectiva Casa.
O tema pode causar uma queda de braço entre os poderes Judiciário e
Legislativo, conforme admitiu o ministro do STF Marco Aurélio Mello. "No
nosso sistema, o Supremo tem a última palavra", afirmou. Segundo ele,
"a Constituição é o que o Supremo diz que é". Já o presidente da Câmara,
deputado Marco Maia (PT-RS), diz que a "decisão final" é do Congresso e
que a Constituição é "muito clara" ao determinar que apenas a Casa pode
decidir sobre a perda de um mandato de deputado.
Fonte: Brasil 247
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