"Pode mandar vaso de guerra,
disto até acho graça:
por causa da lagosta
até eu vou sentar praça"
(autoria desconhecida)
Um
atestado de nosso subdesenvolvimento político e mental, pior e
mais duradouro do que o econômico (o qual, dizem, já superamos, embora
eu não veja como nação desenvolvida uma que tem distribuição de renda
tão desigual e IDH tão vexatório) é a absoluta incapacidade de
colocarmos valores e princípios acima dos interesses imediatos.
O que conta são os beneficiários e prejudicados em cada episódio;
racionálias oportunistas servem apenas como munição, daí a frequente
incongruência com a posição adotada anteriormente, quando a mesma
situação básica se reapresenta mas são outros os personagens envolvidos.
Refirom-me, claro, à batalha de Itararé (1) ou guerra da lagosta (2) que ora torna anedótico e retrô nosso noticiário político.
O mais comezinho bom senso e o espírito de justiça (do qual todos
deveríamos estar imbuídos segundo Platão) são mais do que suficiente
para sabermos que É TOTALMENTE INCONCEBÍVEL O EXERCÍCIO DE MANDATO POPULAR POR PARTE DE UM PRESIDIÁRIO, DURANTE O CUMPRIMENTO DA PENA.
Fiquei pasmo ao ver quatro doutos ministros do Supremo Tribunal Federal admitindo implicitamente tal sandice, que avacalharia de vez a imagem do Judiciário aos olhos do cidadão comum.
Fiquei pasmo ao ver quatro doutos ministros do Supremo Tribunal Federal admitindo implicitamente tal sandice, que avacalharia de vez a imagem do Judiciário aos olhos do cidadão comum.
Faz até sentido discutir-se se o mandato, em caso de condenação, deve
ser definitivamente extinto ou temporariamente suspenso (ou seja, se o
parlamentar teria de ser cassado ou poderia apenas licenciar-se).
Mas, no braço de ferro que se esboça entre o STF e a Câmara Federal,
alguém tem de ceder, em benefício de uma democracia penosamente
reconquistada e que não deve ser colocada em risco em função de pendenga
tão bizarra.
A intransigência é insustentável: se a Câmara não aceita que o STF
extinga mandatos arguindo a independência dos Poderes, o STF pode
recorrer ao mesmíssimo argumento para não liberar os deputados presos
quando houver sessões da Câmara.
No fundo, trata-se de mera pirraça do presidente da Câmara, cuja verdadeira objeção é ao desfecho do julgamento do mensalão.
Desfecho que previ antes mesmo do seu início: a partir da existência de
algumas provas e confissões de delitos, o rolo compressor da imprensa
burguesa faria o resto, tangendo os ministros do STF para a condenação,
independentemente de quanto os petistas e seus aliados esperneassem.
Também na ocasião sugeri aos companheiros do PT que, ao invés de
tentarem convencer a opinião pública da inocência dos réus (tarefa
impossível enquanto a indústria cultural continuar fazendo a bel prazer a
cabeça da maioria bovinizada), batessem pesado no fato de que práticas
como as do mensalão eram e são REGRA, não exceção, na política brasileira.
Ao invés de tentarem, em vão, desacreditar o julgamento do mensalão, o que deveriam era exigir O MESMO RIGOR, tanto por parte das autoridades policiais quanto das judiciais, EM TODOS OS DEMAIS CASOS DE CORRUPÇÃO POLÍTICA.
Infelizmente, o PT hoje não pode dar-se ao luxo de chutar o pau da barraca, pois o restaure-se a moralidade sangraria também suas fileiras.
Fica, portanto, nesse meio termo de fazer vaquinhas para pagar as
multas dos seus condenados, mas evitar um confronto aberto com o STF,
como o que o Zé Dirceu queria e o Rui Falcão abortou.
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Mas, já que os partidos conservadores/direitistas e o PIG acabam de demonstrar cabalmente que o locupletemo-nos todos
será sempre opção de risco para os petistas, eles bem que poderiam
voltar às origens, cumprindo o que prometiam em 1979: serem os paladinos
da restauração da moralidade.
Sem quaisquer ilusões de que bastariam políticos íntegros para redimir-se o Brasil, MISSÃO IMPOSSÍVEL SOB O CAPITALISMO.
Mas, OS HOMENS DE ESQUERDA TÊM OBRIGAÇÃO POLÍTICA E MORAL DE SEREM OS EXEMPLOS VIVOS DE QUE OUTRO MUNDO SEJA POSSÍVEL, deixando a lama para os inimigos de classe nela charfurdarem.
1) 1930. As tropas insurgentes de Getúlio Vargas vêm do RS para tentarem
tomar a capital federal (Rio de Janeiro). Os efetivos leais ao
presidente que elas querem depor, Washington Luiz, esperam-nas na cidade
de Itararé, divisa entre SP e PR. Canta-se em prosa e verso aquela que
será a mais formidável e sangrenta das batalhas.
Mas, nem um único tiro é disparado: antes, o presidente bate em retirada, entregando o poder a uma junta governativa.
Ironizando, o grande humorista Aparício Torelly escreve que, como nada lhe reservaram no rateio de cargos governamentais entre os vencedores, ele próprio se outorgaria a recompensa:
Mas, nem um único tiro é disparado: antes, o presidente bate em retirada, entregando o poder a uma junta governativa.
Ironizando, o grande humorista Aparício Torelly escreve que, como nada lhe reservaram no rateio de cargos governamentais entre os vencedores, ele próprio se outorgaria a recompensa:
2) Desavença entre o Brasil e a França, meio século atrás,
sobre a pesca em larga escala de lagostas na plataforma continental
brasileira (mais detalhes aqui).
Um pesqueiro francês foi apresado por uma corveta brasileira e houve até mobilização militar: o presidente Charles De Gaulle enviou um navio de guerra para proteger os pesqueiros e o Brasil deslocou esquadrões de aeronaves para o litoral nordestino. Os dois lados escoravam-se em interpretações diferentes dos direitos de pesca de peixes e de crustáceos.
O deixa disso! acabou prevalecendo, mas o patético da chamada guerra da lagosta municiou fartamente os humoristas. A melhor gozação foi a paródia citada no prólogo, de autoria desconhecida, da marchinha carnavalesca "Cachaça não é água":
Fonte: Náufrago da Utopia
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