Se, sob a fiscalização institucional do Ministério Público, há tantas violações aos direitos humanos por parte da polícia, imagine-se o que ocorrerá sem isso.
Maldição eterna à Pec 37
Controlar os controladores foi sempre um desafio à inteligência
institucional das sociedades políticas. Os Estados se constroem e,
eventualmente, desenvolvem-se ou retrocedem, entre dois pólos da razão: o
da anarquia absoluta e o da ordem absoluta, que só se obtém com a
tirania. Entre essas duas tendências antípodas, equilibra-se, no centro,
o estado republicano democrático.
A visão aristotélica do homem é a de que ele é uma passagem entre o
animal e o anjo. Esse caminho à perfeição se deve a duas categorias do
espírito, a inteligência e a ética. Nem sempre a inteligência é
servidora da ética, como nem sempre a lógica é servidora da razão. Como
advertem antigos pensadores, conhecer é dominar.
O Estado, qualquer que seja a ideologia que o mova, é necessariamente
coercitivo. Cabe-lhe manter corpos policiais, a fim de garantir a
coesão da sociedade e o exercício da justiça, de acordo com suas normas.
Quando essas normas se originam na vontade geral, elas se legitimam no
contrato social; são “leis”, laços irrompíveis. Quando as normas são
impostas pela tirania, ou pela solércia, é direito e, eticamente, dever
da cidadania rebelar-se, com todos os riscos que a sublevação acarreta.
Estamos agora diante de estranha proposta de emenda constitucional
que veda ao Ministério Público a iniciativa e o poder investigatório,
reservando-o apenas aos órgãos policiais. O Ministério Público – como,
de resto, nenhuma organização humana – não é perfeito. Antes e depois
que a Constituição de 1988 lhe ampliasse os poderes, há o registro de
promotores e procuradores envolvidos em atos deploráveis, que vão do
abuso de autoridade à extorsão e ao homicídio sem atenuantes.
Do mesmo mal padece o Poder Judiciário, conforme a denúncia de
conhecidos e respeitáveis magistrados. E com raras exceções, os
Procuradores Gerais da República, escolhidos mediante o mandamento
constitucional de 1988, têm sido contestados por partidarismo, seja na
submissão ao governo, seja no exercício de dissimulada oposição. Entre
essas exceções, é de justiça mencionar os juristas Aristides Junqueira,
Cláudio Fontelles e Antonio Fernando de Souza.
A PEC-37 quer cercear o Ministério Público. A iniciativa da proposta é
de um obscuro deputado federal pelo Maranhão, delegado de polícia do
Estado, eleito por partido ainda mais obscuro, o mal chamado PT do B.
De acordo com o projeto, um parágrafo, castrador do MP, será
acrescentado ao artigo 144 da Constituição, determinando que os crimes
contra o patrimônio público e, também, os cometidos pelas autoridades do
Estado – bem como quaisquer outros delitos – sejam apurados
privativamente pela Polícia Federal, e pelas organizações policiais dos
Estados e do Distrito Federal.
O que se pretende é impedir que o Ministério Público, ao investigar
os delitos, acompanhe a ação policial e, ao acompanhá-la, fiscalize seus
atos, como é de seu dever.
Contra essa violação da Carta de 1988, que emascula o Ministério
Público e o esvazia de uma de suas mais importantes missões, várias
entidades, nacionais e internacionais, redigiram e divulgaram a Carta de
Belo Horizonte. O documento é firmado, em primeiro lugar, pelo
Ministério Público de Minas Gerais, e em seguida, pela Associação
Mineira do Ministério Público e mais de uma dezena de outras
organizações.
É de se ressaltar a adesão do Sindicato dos Policiais Federais de
Minas Gerais. Mas a reação contra o absurdo não se limita a Minas. Em
todo o Brasil, cidadãos conscientes se erguem na defesa do bom senso.
Quando, por iniciativa da Comissão Arinos, se discutiam as idéias
diretrizes da Constituição Democrática – que seria promulgada em 1988 –
setores da Polícia Militar e das organizações policiais dos Estados
reivindicaram a unificação da atividade. Os constituintes souberam
impedir esse absurdo. Para a garantia do Estado de Direito, quanto mais
organizações policiais houver, melhor.
A emulação entre elas é boa. É bom que exerçam competição umas com as
outras, só assim podem servir bem ao país. Também, e por iniciativa
do Ministério Público, como já vem ocorrendo, é necessário que elas se
investiguem entre si.
Uma polícia unificada quase sempre se presta ao arbítrio do poder
executivo, quando não faz desse poder e dos outros poderes reféns de
seus próprios interesses. Quando um delegado de polícia, de qualquer
polícia, se sente isento do controle de outra instituição independente –
como são o MP e o Poder Judiciário – os direitos dos cidadãos deixam de
existir.
O princípio de checks and balances – do controle recíproco entre os poderes do Estado - não deve cingir-se ao seu cimo, mas descer a todos os níveis da administração pública.
Se, sob a fiscalização institucional do Ministério Público, há tantas
violações aos direitos humanos por parte da polícia, imagine-se o que
ocorrerá sem isso. E se registre que as organizações policiais, tanto as
militares quanto as civis, são constituídas, em sua maioria absoluta,
por pessoas honradas e corajosas.
Elas sabem que podem perder a vida durante sua repressão ao crime,
como tantas vezes se noticia. Essas virtudes, no entanto, não podem
elevá-las à condição do poder político, esse, sim, privativo do povo que
o delega aos seus representantes na direção do Estado.
O lobby policial em favor da emenda 37 pode não significar isso, mas
faz supor que os delegados que a defendem querem ficar sozinhos nas
investigações dos crimes financeiros e das quadrilhas organizadas.
Só eles conhecem as suas razões. E essas não são as razões da sociedade nacional.
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