As revelações dos sócios de Marcos Valério
Após 8 anos em silêncio, os ex-sócios de
Valério na agência SMP&B Cristiano Paz e Ramon Hollerbach abrem o
jogo e contam como foi montada a estratégia para ganhar dinheiro com o
PT e revelam os bastidores da aproximação e briga com o operador do
mensalão
por Paulo Moreira Leite-ISTOÉ
Sentados numa sala de reuniões no primeiro andar de um edifício
discreto no bairro de Santa Lúcia, em Belo Horizonte, os publicitários
Ramon Hollerbach Cardoso, 65 anos, e Cristiano Paz, 61, aguardam pelo
debate de recursos no Supremo Tribunal Federal para saber qual será seu
futuro – o próximo e o distante. No final de 2012, quando o Supremo
Tribunal Federal anunciou as 25 condenações do mensalão, Hollerbach
recebeu a pena de 29 anos, 7 meses e 20 dias de prisão. Cristiano pegou
25 anos, 11 meses e dez dias. Apenas Marcos Valério, sócio de ambos em
duas agências de publicidade, recebeu pena maior que a deles: 40 anos.
Se não conseguirem obter nenhuma revisão da sentença nos próximos
meses, Paz e Hollerbach passarão pelo menos quatro anos e dez meses na
cadeia. São projeções otimistas, na verdade. Além do mensalão no STF,
os dois enfrentam outros inquéritos em instâncias inferiores da Justiça
que podem produzir novas penas – e novos períodos de restrição de
liberdade, como diz a linguagem jurídica. Em qualquer caso, Hollerbach
terá completado 95 anos quando a sentença que recebeu no final de 2012
chegar ao fim. Pelo menos até os 86 anos Paz estará submetido à condição
de apenado, mesmo que fora do cárcere. “Somos vítimas de uma história
que começou errada, continuou errada, mas não pode terminar errada,”
afirma Hollerbach. O ex-sócio, como Paz, na semana passada, quebrou um
silêncio de oito anos sobre o caso. Em entrevista à ISTOÉ, ambos
contaram como e por que se aproximaram e, depois, brigaram com Marcos
Valério e em que situação foram apresentados a Delúbio Soares,
ex-tesoureiro petista. Revelaram ainda os bastidores da reunião em que
acertaram o empréstimo de R$ 10 milhões ao PT com um dirigente do Banco
Rural.
Toda pessoa que já conversou com um condenado a caminho da cela sabe
que ouvirá juras permanentes de inocência e queixas veementes contra a
Justiça. É compreensível e mesmo humanitário. A dúvida é saber quando
essas manifestações expressam o interesse individual de quem tenta
recuperar a liberdade a qualquer custo, e quando expressam fatos
verdadeiros, que merecem um novo exame da Justiça. Qualquer que seja o
juízo que se faça sobre o destino de Hollerbach e Paz, é preciso
reconhecer que se trata de uma situação que não pode ser resolvida em
ambiente de Fla-Flu. Envolve denúncias e provas aceitas pela mais alta
corte de Justiça do País, mas também inspira um debate sempre bem vindo
sobre direitos e garantias individuais, que será feito nos próximos
meses, quando o STF examinar os recursos dos condenados.
Sócios e parceiros na SMP&B, a mais bem-sucedida agência de
publicidade do País fora do eixo Rio-São Paulo, os dois não são
personagens secundários da sociedade mineira. Paz é um publicitário
respeitado pelo arrojo criativo que lhe permitiu colecionar prêmios
internacionais e uma grande carteira de clientes. Em 2002, Hollerbach
fez parte da coordenação da campanha que levou Aécio Neves ao governo de
Minas Gerais. No fim daquele ano, Marcos Valério, sócio mais recente,
que tivera a capacidade de retirar a SMP&B do fundo de um poço
financeiro, apareceu acompanhado de um personagem que mudou a vida dos
três: Delúbio Soares, tesoureiro da campanha petista.
A motivação que levou dois profissionais bem-sucedidos a se aproximar
do esquema de finanças do Partido dos Trabalhadores em 2002 envolve a
ambição de ganhar muito dinheiro e conquistar posições no mercado – em
troca de favores prestados aos aliados do governo Luiz Inácio Lula da
Silva. Assegurando que os dois apenas seguiram a estratégia de
crescimento de outras grandes agências do País, Paz afirma: “Com a ajuda
do governo federal nós poderíamos ganhar uma estatura que jamais seria
obtida no mercado. O governo abre portas, ajuda a obter contratos e
clientes.” Para Hollerbach, a aproximação representava a chance de
participar de campanhas eleitorais. “O que se ganha em quatro meses de
campanha pode ser mais do que quatro anos de atividade no mercado,”
afirma. “Numa campanha você começa a discussão sobre seu ganho líquido,
que está garantido. Coloca dinheiro no bolso e, depois, cobra os
custos.”
Nem a vontade de enriquecer nem a troca de favores, mesmo enunciada
com franqueza tão rara e explícita, explicam as condenações de 25 ou 29
anos. Os dois foram condenados por crimes graves: corrupção ativa,
peculato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ao pedir a
condenação de Paz, Joaquim Barbosa denunciou “toda uma parafernália, um
mecanismo bem azeitado de desvio de recursos públicos.” Ressalvando que
os antecedentes de Paz são “absolutamente impecáveis, recomendáveis”, o
revisor Ricardo Lewandovski, que se opôs a Joaquim Barbosa em vários
momentos do julgamento, considerou que o réu “cometeu crimes
gravíssimos” e decidiu condená-lo, mesmo aplicando penas mais leves.
FIM DA GÊNESE DO ESQUEMA Filial de Brasília da SMP&B Comunicações foi fechada em 2005 no rastro do escândalo do mensalão
Parece difícil negar que havia fundamento para condenar Hollerbach e
Paz por lavagem de dinheiro, responsável por cinco anos de prisão e dez
meses para cada um. Os dois emprestaram ao PT um dinheiro que não era
deles nem de suas agências, mas do Banco Rural, um dos potentados
financeiros de Minas na época. Interessado, ele também, em aproximar-se
do PT, José Antonio Drummond, executivo da instituição que iria morrer
num desatre de automóvel, chamou Paz e Rollerbach para uma conversa onde
sugeriu uma triangulação. Os publicitários pediriam o empréstimo de R$
10 milhões para repassar o dinheiro para o PT, enquanto o banco ficaria
nos bastidores, pronto para prestar socorro em qualquer eventualidade.
Quando foi necessário, o Rural renovou o empréstimo.
Mesmo sem ter um papel executivo na DNA, matriz do esquema de
distribuição de dinheiro clandestino para os deputados do PT, Hollerbach
e Paz tinham participação acionária naquela agência. Mas faziam aquilo
que era fundamental para alimentar o esquema: assinavam cheques ao
portador. Além da SMP&B, possuíam partipação numa holding, a
Grafitte, que era dona de metade da DNA, onde ingressaram por indicação
de Valério. No dia a dia, a agência era comandada por Marcos Valério e
dois publicitários, presidente e vice, que nem sequer foram chamados a
prestar depoimento. Quando, por uma razão ou outra, os diretores estavam
ausentes, Paz e Hollerbach faziam o serviço. Talvez tenham sido duas
dezenas, num universo que pode chegar a milhares.
Se é sempre difícil fingir que nada há de muito esquisito em
universos de operações pouco claras, no dia em que lhe pediram para
assinar um cheque ao portador no valor de R$ 500 mil, Paz resolveu cair
fora. Já lhe coubera, um pouco antes, assinar um cheque igualmente
volumoso, de R$ 326 mil. Deixando evidente que havia um submundo naquele
negócio que não conhecia – nem pretendia conhecer –, Paz alega: “Eu não
sabia o que estava acontecendo, não sabia para onde aquilo estava me
levando e resolvi parar”.
Quando informou a Marcos Valério que não iria mais assinar cheques,
ouviu uma resposta imediata. Se era assim, teria de se desligar da
agência. Concordou, vendendo sua parte para Romilda, a mulher de
Valério. Foi o início de uma ruptura, consolidada pelo escândalo. A
última vez em que os dois conversaram foi em 2007, o ano em que foram
aceitos como réus pelo Supremo. A primeira conversa tinha sido uma
década e meia antes, quando Valério apresentou-se à sede da SMP&B
com uma proposta para reestruturar uma agência que acumulava prêmios e
dívidas na mesma velocidade. “O Marcos tem um talento que precisa ser
reconhecido,” diz Paz. Tem visão de negócio, sabe identificar um
problema e encontrar uma solução.”
Algumas condenações que atingiram Hollerbach e Paz dizem respeito a
um ponto anterior a tudo. Consiste em saber a natureza daquele esquema
financeiro que Delúbio e Valério colocaram em movimento, com a
participação de Paz e Hollerbach. Na verdade, é a mais delicada
discussão em torno do mensalão.
DEPOIS DA BONANÇA, A BRIGA Sócios romperam com Marcos Valério por causa de cheque mal explicado
Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e para a
maioria dos ministros do Supremo, trata-se de um sistema de corrupção de
parlamentares e compra de votos na Câmara dos Deputados. Desse ponto de
vista, aquele dinheiro que os parlamentares recebiam era propina –
ainda que muitos o usassem para pagar compromissos eleitorais. Por causa
dessa visão, majoritória no STF, os cheques da DNA que os dois
assinaram em crime de corrupção ativa de parlamentares (quatro anos e
dez meses de prisão), além de corrupção ativa e peculato na Câmara
(cinco anos e seis meses de prisão). Conforme este raciocínio, um cheque
de R$ 326 mil – assinado por Paz – sacado a pedido de Henrique
Pizzolato, diretor de marketing do Banco do Brasil, foi visto como prova
num caso de corrupção ativa e peculato na instituição (penas somadas de
seis anos e seis meses). Os condenados, naturalmente, defendem outro
ponto de vista. Para eles, os recursos manipulados pela agência faziam
parte da distribuição de verbas de campanha, segundo as regras de caixa 2
do sistema eleitoral brasileiro. O tesoureiro Delúbio Soares chegou a
defender esse ponto de vista, no início do escândalo, mas a versão logo
perdeu força. Com base no testemunho de uma publicitária que atuava
na área de marketing do Banco do Brasil, os ministros respaldaram a
denúncia de que o esquema desviou R$ 73 milhões da instituição para
garantir a festa petista. O esquema do mensalão, em síntese, seria isso.
O Supremo chegou a esse montante durante o próprio julgamento, que teve
início a partir de estimativas ainda mais altas.
Num esforço para demonstrar a inocência dos clientes, seus advogados
realizam, desde o julgamento, um exercício de engenharia reversa para
demonstrar que o dinheiro desviado foi gasto, efetivamente. Percorrem
escritórios de fornecedores e parceiros – e mesmo repartições policiais
onde o material foi apreendido – à procura de notas fiscais e material
que possa demonstrar os gastos. Numa estimativa preliminar, transmitida à
ISTOÉ na sexta-feira 24, eles se diziam capazes de demonstrar 90% dos
gastos realizados, ou R$ 69.384.146,19. Dada a importância dessa
revelação, que poderia representar uma mudança espetacular na visão de
muitas pessoas sobre o julgamento, ela necessita de exames independentes
para merecer o crédito devido.
Num dado que chamou pouca atenção durante o julgamento, os autos da
ação penal 470 incluem um trabalho de investigação realizado por 24
auditores do Banco do Brasil, em que se concluiu que os recursos que a
empresa Visanet enviou à DNA não podem ser definidos como “dinheiro
público.” Segundo a página 21 do documento, intitulado “Síntese de
trabalho de auditoria”, a Visanet, criada pela empresa multinacional que
é proprietária do cartão Visa, com gestão e direção autônomas, aplicava
recursos próprios na DNA, “não pertencendo os mesmos ao Banco do
Brasil”.
Uma informação surgida no acórdão de Joaquim Barbosa, o ministro que
liderou a votação no Supremo, pode trazer conforto direto a Hollerbach.
Numa denúncia que contribuiu para reforçar a pena dele, Barbosa afirmou
que uma perícia criminal havia encontrado um depósito de R$ 400 mil na
conta de uma empresa da qual seria proprietário encoberto. O problema é
que, sabe-se hoje, tratava-se de uma acusação com base falsa. O laudo
em que o presidente do STF se baseou para fazer a acusação não
estabelece nenhuma ligação direta entre Hollerbach e aquele depósito. O
nome do publicitário nem sequer é mencionado naquele trecho e a empresa,
que seria propriedade do publicitário, é uma tradicional produtora de
marketing do Rio de Janeiro, a RSC, abreviatura de Rio, Samba e
Carnaval, com anos de atuação na cidade, e recebeu o dinheiro por um
serviço prestado. No acórdão, em que trouxe por escrito o voto que havia
lido no tribunal, Joaquim Barbosa deixou claro que reconhecia o erro:
suprimiu as linhas em que se referia ao episódio.
Fonte Pagina do Enock Cavalcanti
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