segunda-feira, 3 de junho de 2013

A PUNIÇÃO DOS TORTURADORES, PARA ALÉM DO SIMPLISMO E DO PANFLETARISMO


Precisamos desesperadamente ampliar nossas fileiras, se ainda pretendermos forjar a sociedade igualitária e livre pela qual então lutamos.



Por Celso Lungaretti

Ultimamente, alguns personagens acolhidos com tapete vermelho pela mídia têm manifestado pontos de vistas semelhantes aos que venho sustentando desde 2008, sobre a punição dos carrascos de 1964/85,

Ou seja, se a grande imprensa ciosamente me mantém fora de suas páginas, não é por eu escrever besteiras, mas pelo motivo diametralmente oposto: o de que minhas consistentes análises não convêm aos interesses dominantes. Exatamente o que ocorria nos EUA, durante os tempos nefandos do macartismo.

Quase cinco anos depois de haver redigido meu polêmico artigo Uma proposta para o acerto das contas do passado (acesse aqui), as minhas avaliações e prognósticos se confirmaram praticamente em sua totalidade. Quem se der ao trabalho de ler e refletir, constatará facilmente isto.

Quero deixar registrado que, p. ex., o ex-ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi acaba de declarar à imprensa ser "inegociável" a punição dos carrascos da ditadura militar, mas a prisão dos que ainda estão vivos "é dispensável", podendo ser substituída por outras possibilidades de sanção na área civil.


Foi exatamente o que propus quando ficou claro que nem o Executivo nem o Legislativo estavam dispostos a encaminhar a revogação da ridícula anistia de 1979, uma verdadeira aberração à luz do Direito, pois ditadores não podem conceder um habeas corpus preventivo a si próprios e a seus esbirros. 

Como a revogação era condição  sine qua non  para que os responsáveis pelos crimes hediondos fossem merecidamente remetidos às prisões, o jeito seria curvarmo-nos à evidência dos fatos e procurarmos alternativa.


Muitos companheiros preferiram continuar batalhando pelo inviável, ao invés de assegurarem o viável. Agora, a ficha finalmente caiu para o Vannuchi: é importante que os Ustras e Curiós passem à História como condenados, mesmo que não cumpram pena. Assim, aqueles que no futuro sentirem-se tentados a seguir seu infame exemplo, terão motivos para temer que um Estado menos omisso os despache em tempo hábil para o cárcere. A impunidade total lega aos pósteros um precedente muito pior.

Também o filósofo Hélio Schwartsman veio, alguns dias atrás, ao encontro das minhas posições:
"...a anistia de 1979 não resultou de uma negociação entre militares e oposição, mas foi imposta pelos poderosos da época. Pior, mesmo depois de se terem posto fora do alcance de punições, os militares continuaram sonegando informações sobre a estrutura de comando dos subterrâneos da ditadura e o paradeiro dos desaparecidos.
Um julgamento de verdade, que mobilizasse investigadores, promotores e advogados, seria uma ótima oportunidade para esclarecer tudo. Mesmo assim, penso que eventuais condenados nesse processo deveriam ser poupados da cadeia. Punições que chegam 40 anos depois dos fatos já não atingem os autores dos delitos, mas encontram pessoas totalmente distintas, tanto em suas células como em suas ideias..."
Como qualquer dos antigos torturados, é-me impossível sentir a mais remota compaixão pelos "autores dos delitos". Mas, em termos gerais, sempre acreditei que a prescrição dos crimes é uma prática indissociável da civilização. Então, entre minhas convicções e minhas dores, prefiro transcender as dores e manter as convicções.

E há um aspecto pragmático que os companheiros nunca levaram em conta: o povo brasileiro não veria com bons olhos o encarceramento de tais anciães, que a rede direitista exploraria  ad nauseam  em sua propaganda odiosa. Seria darmos um tiro no pé, em relação ao objetivo que deveríamos priorizar, qual seja o de conquistarmos as novas gerações para os ideais em nome dos quais fomos torturados (e muitos dos nossos, covardemente executados).

Precisamos desesperadamente ampliar nossas fileiras, se ainda pretendermos forjar a sociedade igualitária e livre pela qual então lutamos. Nossa tarefa ficou inconclusa, e isto é muito mais importante do que o acerto das contas do passado. 

Finalmente, neste domingo (02) foi a vez do escritor Carlos Heitor Cony destacar o óbvio:
"Não se trata de punir o sargento Azambuja, o comissário Peçanha, o policial Noronha. Todos os criminosos, de agora e de outros regimes de força, alegam que cumpriram ordens. O trabalho da Comissão da Verdade está pecando pela horizontalidade das culpas, quando o importante é exibir para a história a verticalidade dos crimes".
É uma tecla na qual tenho batido insistentemente: toda a cadeia de comando das Forças Armadas, começando pelos generais ditadores, tem de ser responsabilizada pelo arbítrio; e, quanto ao poder que os personagens tinham para influenciar as ações da ditadura, muito mais culpado pelos assassinatos e torturas foi o Delfim Netto, ao dar sinal verde para todas as atrocidades como signatário do AI-5, do que os paus mandados como o Ustra, o Curió e o delegado Fleury.

Quase ninguém mais atira na cara do Delfim Netto o seu pecado capital de haver retirado a coleira dos pitbulls, deixando-os livres para atacarem quem, como e quando quisessem. Eu consideraria uma paródia de justiça se o Ustra fosse processado e o Delfim escapasse incólume.
E não me conformo em ver o Ustra tão execrado e o Delfim tão prestigiado, a ponto de haver sido uma espécie de  ghoster minister  durante o Governo Lula.
 
Fonte Náufrago da Utopia
 
 
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