Precisamos desesperadamente ampliar nossas fileiras, se ainda
pretendermos forjar a sociedade igualitária e livre pela qual então
lutamos.
Por Celso Lungaretti
Ultimamente,
alguns personagens acolhidos com tapete vermelho pela mídia têm
manifestado pontos de vistas semelhantes aos que venho sustentando desde
2008, sobre a punição dos carrascos de 1964/85,
Ou seja, se a grande imprensa ciosamente me mantém fora de suas páginas,
não é por eu escrever besteiras, mas pelo motivo diametralmente oposto:
o de que minhas consistentes análises não convêm aos interesses
dominantes. Exatamente o que ocorria nos EUA, durante os tempos nefandos
do macartismo.
Quase cinco anos depois de haver redigido meu polêmico artigo Uma proposta para o acerto das contas do passado (acesse aqui),
as minhas avaliações e prognósticos se confirmaram praticamente em sua
totalidade. Quem se der ao trabalho de ler e refletir, constatará
facilmente isto.
Quero deixar registrado que, p. ex., o ex-ministro dos Direitos Humanos
Paulo Vannuchi acaba de declarar à imprensa ser "inegociável" a punição
dos carrascos da ditadura militar, mas a prisão dos que ainda estão
vivos "é dispensável", podendo ser substituída por outras possibilidades
de sanção na área civil.
Foi exatamente o que propus quando ficou claro que nem o Executivo nem o Legislativo estavam dispostos a encaminhar a revogação da ridícula anistia de 1979, uma verdadeira aberração à luz do Direito, pois ditadores não podem conceder um habeas corpus preventivo a si próprios e a seus esbirros.
Como a revogação era condição sine qua non para
que os responsáveis pelos crimes hediondos fossem merecidamente
remetidos às prisões, o jeito seria curvarmo-nos à evidência dos fatos e
procurarmos alternativa.
Muitos companheiros preferiram continuar batalhando pelo inviável,
ao invés de assegurarem o viável. Agora, a ficha finalmente caiu para o
Vannuchi: é importante que os Ustras e Curiós passem à História como condenados,
mesmo que não cumpram pena. Assim, aqueles que no futuro sentirem-se
tentados a seguir seu infame exemplo, terão motivos para temer que um
Estado menos omisso os despache em tempo hábil para o cárcere. A
impunidade total lega aos pósteros um precedente muito pior.
Também o filósofo Hélio Schwartsman veio, alguns dias atrás, ao encontro das minhas posições:
"...a anistia de 1979 não resultou de uma negociação entre militares e oposição, mas foi imposta pelos poderosos da época. Pior, mesmo depois de se terem posto fora do alcance de punições, os militares continuaram sonegando informações sobre a estrutura de comando dos subterrâneos da ditadura e o paradeiro dos desaparecidos.
Um julgamento de verdade, que mobilizasse investigadores, promotores e advogados, seria uma ótima oportunidade para esclarecer tudo. Mesmo assim, penso que eventuais condenados nesse processo deveriam ser poupados da cadeia. Punições que chegam 40 anos depois dos fatos já não atingem os autores dos delitos, mas encontram pessoas totalmente distintas, tanto em suas células como em suas ideias..."
Como qualquer dos antigos torturados, é-me impossível sentir a mais
remota compaixão pelos "autores dos delitos". Mas, em termos gerais,
sempre acreditei que a prescrição dos crimes é uma prática indissociável
da civilização. Então, entre minhas convicções e minhas dores, prefiro
transcender as dores e manter as convicções.
E há um aspecto pragmático que os companheiros nunca levaram em conta: o
povo brasileiro não veria com bons olhos o encarceramento de tais
anciães, que a rede direitista exploraria ad nauseam
em sua propaganda odiosa. Seria darmos um tiro no pé, em relação ao
objetivo que deveríamos priorizar, qual seja o de conquistarmos as novas
gerações para os ideais em nome dos quais fomos torturados (e muitos
dos nossos, covardemente executados).
Precisamos desesperadamente ampliar nossas fileiras, se ainda
pretendermos forjar a sociedade igualitária e livre pela qual então
lutamos. Nossa tarefa ficou inconclusa, e isto é muito mais importante
do que o acerto das contas do passado.
Finalmente, neste domingo (02) foi a vez do escritor Carlos Heitor Cony destacar o óbvio:
"Não se trata de punir o sargento Azambuja, o comissário Peçanha, o policial Noronha. Todos os criminosos, de agora e de outros regimes de força, alegam que cumpriram ordens. O trabalho da Comissão da Verdade está pecando pela horizontalidade das culpas, quando o importante é exibir para a história a verticalidade dos crimes".
É uma tecla na qual tenho batido insistentemente: toda a cadeia de
comando das Forças Armadas, começando pelos generais ditadores, tem de
ser responsabilizada pelo arbítrio; e, quanto ao poder que os
personagens tinham para influenciar as ações da ditadura, muito mais
culpado pelos assassinatos e torturas foi o Delfim Netto, ao dar sinal
verde para todas as atrocidades como signatário do AI-5, do que os paus
mandados como o Ustra, o Curió e o delegado Fleury.
Quase ninguém mais atira na cara do Delfim Netto o seu pecado capital de
haver retirado a coleira dos pitbulls, deixando-os livres para atacarem
quem, como e quando quisessem. Eu consideraria uma paródia de justiça
se o Ustra fosse processado e o Delfim escapasse incólume.
E não me conformo em ver o Ustra tão execrado e o Delfim tão prestigiado, a ponto de haver sido uma espécie de ghoster minister durante o Governo Lula.
E não me conformo em ver o Ustra tão execrado e o Delfim tão prestigiado, a ponto de haver sido uma espécie de ghoster minister durante o Governo Lula.
Fonte Náufrago da Utopia
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