"SOMENTE O POVO ORGANIZADO PODE LEVAR O BRASIL À FELICIDADE. O RESTO É CHARLATANISMO POLÍTICO". (Antonio Cavalcante Filho)
OS GOLPISTAS QUEREM O CAOS. NÓS QUEREMOS MAIS DEMOCRACIA.
Legitimidade e oportunismo
Que querem? Passeatas de doutores, filósofos ou apenas militantes ativos? Um novo ator subiu ao palco e quer papel relevante
Celso Vicenzi,
Apesar
das tentativas de captura pela mídia, e das ações de grupos sectários e
extremistas, o que se viu nas ruas, além da luta pelo passe livre ou
pela diminuição do preço das passagens urbanas, foram reivindicações por
melhores serviços públicos. Saúde e educação, especialmente. E críticas
aos gastos com a Copa e brados contra a corrupção. Havia muitas outras,
no entanto, mais difusas. Todas legítimas – à exceção de uma ou outra
de cunho fascista.
Há quem tente desqualificar o
que aconteceu, com teorias conspiratórias. Não faz sentido menosprezar a
explosão de demandas reprimidas só porque não havia organicidade nas
pautas ou porque a classe média aderiu em peso ou, ainda, porque os
jovens não tinham suficiente consciência crítica. O que querem? Uma
passeata de doutores, filósofos, só de intelectuais? Só pode se for
militante ativo? O que se viu pertence àqueles raros fenômenos sociais,
resultado quase de uma catarse, com motivações que podem ser listadas
eventualmente, mas difícil explicar porque eclodiu num dado momento se
os fatores intrínsecos sempre estiveram ali presentes.
A
repressão ao movimento dos jovens pela redução da tarifa urbana, em São
Paulo, pode ter sido a gota d’água, mas permanece o enigma de como, em
questão de dias, 50 mil, 100 mil, 300 mil pessoas em uma única cidade –
mais de 1 milhão no país – sentiram-se motivadas a ir às ruas protestar,
antes que qualquer das tradicionais organizações políticas viesse
propor uma mobilização. As redes sociais são um dado novo, mas se já
houve convocações semelhantes para ir às ruas, por que só agora, assim,
de repente tudo toma um rumo surpreendente?
Apesar
da criticada despolitização do movimento e das ameaças de manipulação e
retrocesso político que vieram em seguida, o protesto serviu para
oxigenar a democracia brasileira ao exigir, principalmente dos governos e
parlamentos – sem esquecer do Judiciário – maior atenção às demandas
populares. Não havia um alvo único na crítica à deterioração dos
serviços públicos ou à corrupção no país. A queixa mirava todos os
partidos e todos os governos (seria exigir demais que a massa fizesse a
conexão também com Wall Street e descobrisse que o sistema econômico
global é o principal responsável por sugar os recursos que deveriam ser
desfrutados pela população).
Em todas as
passeatas, fez-se presente algo preocupante, mas compreensível: a
descrença na representação política, que ficou clara na recusa às
bandeiras de agremiações partidárias. Um gesto de alienação e de
incompreensão sobre o que é e como funciona uma democracia. Vulnerável,
portanto, ao assédio de uma direita raivosa que tem saudades da
ditadura. Mas é preciso ir com calma, para separar ingênuos de
militantes fascistas. Como não entender que há um enorme desencanto com a
política e com os políticos? Se até entre alguns militantes politizados
havia essa desilusão, por que não haveria também entre os mais
alienados? Mais do que impor rótulos, é preciso compreender e dialogar
com esse público. Porque, além de ir às ruas, irão às cabines de
votação, escolher o destino político do país.
À
medida que as manifestações aumentavam em tamanho, o que começou como
uma festa democrática transformou-se rapidamente em pesadelo político,
pela truculência de alguns setores e pelas tentativas de manipulação. Um
grande teste para saber se o país amadureceu, para descobrir se suas
instâncias democráticas, a despeito das divergências políticas, saberão
se unir para enfrentar aqueles que tentam agir contra os legítimos
interesses do povo brasileiro, e se, finalmente, haverá poder de pressão
suficiente para levar adiante reformas substanciais. O maior risco é o
de a juventude e a classe média que foram às ruas se transformarem numa
versão mais moderna, repaginada tecnologicamente, daquela que em 1964
marchou com Deus e a família pela liberdade e apoiou um golpe de estado.
As
variáveis, no entanto, são outras. Se a Igreja Católica já não é a
mesma e, politicamente, tem feito a defesa das instituições
democráticas, é certo que a mídia, que em 1964 apoiou o golpe, hoje tem
ainda mais poder. Passado mais de meio século, não parece haver, pelo
menos até o momento, nenhuma intenção de que o país volte a esse
extremo. Os setores mais esclarecidos não têm dúvida do quanto isso
custou à sociedade no passado, inclusive a própria mídia.
O
que parece mais provável é que boa parte dos meios de comunicação e
setores mais conservadores procurem canalizar os protestos em direção
apenas ao Palácio do Planalto, na tentativa de causar o maior desgaste
possível, com vistas às eleições de 2014. É uma aposta arriscada.
Principalmente para a mídia, que perde cada vez mais credibilidade
quando se comporta como partido político.
O
resultado dessa intrincada equação dependerá muito de como irão agir as
mais importantes organizações sociais do país e de como os membros do
Judiciário, do Parlamento e do Executivo – municipal, estadual, federal –
pretendem dar respostas consistentes ao que se viu e ouviu nas
manifestações.
No cenário de dramas cotidianos, um novo ator subiu ao palco. E quer um papel de destaque no desfecho dessa trama.
Fonte: Brasil de Fato
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