sábado, 25 de janeiro de 2014

Os rolezinhos nos acusam: somos uma sociedade injusta e segregacionista


Esse tipo de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é uma forma travestida de barbárie? Esta última lhe convém mais






Por Leonardo Boff*

O fenômeno dos centenas de rolezinhos que ocuparam shoppings centers no Rio e em  São Paulo suscitaram as mais disparatadas interpretações. Algumas, dos acólitos da sociedade neoliberal do consumo que identificam cidadania com capacidade de consumir, geralmente nos jornalões da mídia comercial, nem merecem consideração. São de uma indigência analítica de fazer vergonha.

Mas houve outras análises que foram ao cerne da questão como a do jornalista Mauro Santayana do JB on-line e as de três  especialistas que avaliaram a irrupção dos rolês na visibilidade pública e o elemento explosivo que contém. Refiro-me à Valquíria Padilha, professora de sociologia na USP de Ribeirão Preto:”Shopping Center: a catedral das mercadorias”(Boitempo 2006), ao sociólogo da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jessé Souza,”Ralé brasileira: quem é e como vive (UFMG 2009) e  de Rosa Pinheiro Machado, cientista social com um artigo”Etnografia do Rolezinho”no Zero Hora de 18/1/2014. Os três deram entrevistas esclarecedoras.

Eu por minha parte interpreto da seguinte forma tal irrupção:

Em primeiro lugar, são jovens pobres, das grandes periferias,  sem espaços de lazer e de cultura, penalizados por serviços públicos ausentes ou muito ruins como saúde, escola, infra-estrutura sanitária, transporte, lazer e segurança. Veem televisão cujas propagandas os seduzem para um consumo que nunca vão poder realizar. E sabem manejar computadores e entrar nas redes sociais para articular encontros. Seria ridículo exigir deles que teoricamente tematizem sua insatisfação.

Mas sentem na pele o quanto nossa sociedade é malvada porque exclui, despreza e mantém os filhos e filhas da pobreza na invisibilidade forçada. O que se esconde por trás de sua irrupção? O fato de não serem incluidos no contrato social. Não adianta termos uma “constituição cidadã” que neste aspecto é apenas retórica, pois  implementou muito pouco do que prometeu em vista da inclusão social. Eles estão fora, não contam, nem sequer servem de carvão  para o consumo de nossa fábrica social (Darcy Ribeiro). Estar incluido no contrato social significa ter garantidos os serviços básicos: saúde, educação, moradia, transporte, cultura, lazer e segurança. Quase nada disso funciona nas periferias. O que eles estão dizendo com suas penetrações nos bunkers do consumo? “Oia nóis na fita”; “nois não tamo parado”;”nóis tamo aqui para zoar”(incomodar). Eles estão com seu comportamento rompendo as barreiras do aparheid social.

É uma denúncia de um país altamente injusto (eticamente), dos mais desiguais do mundo (socialmente), organizado sobre um grave pecado social pois contradiz o  projeto de Deus (teologicamente). Nossa sociedade é conservadora e nossas elites altamente insensíveis  à paixão de seus semelhantes e por isso cínicas.

Continuamos uma Brasilíndia: uma Bélgica rica dentro de uma India pobre. Tudo isso os rolezinhos denunciam, por atos e menos por palavras.

Em segundo lugar,  eles denunciam a nossa maior chaga: a desigualdade social cujo verdadeiro nome é injustiça histórica e social. Releva constatar que com as políticas sociais do governo do PT a desigualdade diminiui, pois segundo o IPEA os 10% mais pobres tiveram entre 2001-2011 um crescimento de renda acumulado de 91,2% enquanto a parte mais rica cresceu 16,6%. Mas esta diferença não atingiu a raíz do problema pois o que supera a desigualdade é uma infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura e lazer que funcione e acessível a todos. Não é suficiente transferir renda; tem que criar oportunidades e oferecer serviços, coisa que não foi o foco principal no Ministério de Desenvolvimento Social.

O “Atlas da Exclusão Social” de Márcio Poschmann (Cortez 2004) nos mostra que há cerca de 60 milhões de famílias,  das quais cinco mil famílias extensas detém 45% da riqueza nacional. Democracia sem igualdade, que é seu pressupsto, é farsa e retórica. Os rolezinhos denunciam essa contradição. Eles entram no “paraíso das mercadorias” vistas virtualmente na TV para ve-las realmente e senti-las nas mãos. Eis o sacrilégio insuportável pelos donos do shoppings. Eles não sabem dialogar, chamam logo a polícia para bater e fecham as portas a esses bárbaros. Sim, bem o viu T.Todorov em seu livro “Os novos bárbaros”: os marginalizados do mundo inteiro estão saindo da margem e indo rumo ao centro para suscitar a má consciência dos “consumidores felizes” e lhes dizer: esta ordem é ordem na desordem. Ela os faz frustrados e infelizes, tomados de medo, medo dos próprios semelhantes que somos nós.

Por fim, os rolezinhos não querem apenas consumir. Não são animaizinhos famintos. Eles tem fome sim, mas fome de reconhecimento, de acolhida na sociedade, de lazer, de cultura e de mostrar o que sabem: cantar, dançar, criar poemas críticos, celebrar a convivência humana. E querem trabalhar para ganhar sua vida. Tudo isso lhes é negado, porque, por serem pobres, negros, mestiços sem olhos azuis e cabelos loiros, são desperezados e mantidos longe, na margem.

Esse tipo de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é uma forma travestida de barbárie? Esta última lhe convem mais. Os rolezinhos mexeram numa pedra que começou a rolar. Só parará se houver mudanças.

*Leonardo Boff (*1938) doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Fonte Vi o Mundo


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Exclusiva: Dona Zelite abre o verbo contra os rolezinhos 


Entrevistamos Dona Zelite, a socialaite mais afamada de Higienópolis. O assunto não poderia ser outro: os rolezinhos que estão tirando a Zelite do sério. 



Por Estanislau Castelo

Entrevistei, com exclusividade, Dona Zelite, a socialaite mais afamada de Higienópolis. O assunto não poderia ser outro: os rolezinhos que estão tirando a Zelite do sério.

Estanislau: Dona Zelite, tudo bem?

Zelite: Essa já é a primeira pergunta, ou você está só me cumprimentando?

Estanislau: Já é a primeira pergunta.

Zelite: Então quero logo dizer que só estou dando essa entrevista, quer dizer, dando não porque rico não dá nada, vende, oferece ou aluga; mas, enfim, só estou oferecendo essa entrevista por uma causa pedagógica. Temos que superar este momento antes que seja tarde. Antes que as pessoas de bem, aquelas que são as cabeças pensantes e reinantes do PIB, prefiram mudar de país. Voltando à sua pergunta, não, meu caro, não está nada bem. As pessoas de bem estão com medo. Eu estou com medo.

O país vai de mal a pior, pois se uma pessoa não tem garantido o seu direito constitucional de ir ao Shopping tranquilamente com uma Louis Vuitton sem sentir medo, sem ser incomodada, sem correr o risco de esbarrar em um rolezento vestindo um boné escrito “Funk You”... não, definitivamente, nada vai bem. Me dá aí seu caderninho pra ver se você escreveu Louis Vuitton direitinho, se não pega mal pra mim... tá ok.


Estanislau: a senhora viveu a experiência de participar de um rolezinho?


Zelite: sim, infelizmente, eu vi, com esses olhos que o cirurgião plástico remodelou. Vi aquela horda de bárbaros invadindo o meu sossego e atropelando o aroma do meu Chanel. Eu me senti vítima de um tsunami de testosterona e progesterona que me assustou muito. Eram jovens tão mal vestidos que fariam Glória Kalil ter um enfarte. Por sorte eu desconhecia a maior parte dos palavrões que eles falavam. Uma em cada três vezes que eles abrem a boca é para dizer um palavrão. Um horror.


Estanislau: Qual foi sua reação?


Zelite: Eu me refugiei em uma loja, que fechou as portas, e aguardei pacientemente sentada em um provador, com as cortinas bem fechadas.

 
Estanislau: a senhora pensou em tomar alguma atitude por conta própria?


Zelite: Pensei e tomei. Imediatamente liguei para um ministro amigo meu, do Supremo, para pedir providências realmente supremas, pois o assunto é grave. É caso de segurança nacional. Descobri que esse meu amigo está em férias – eles vivem em férias. Tive que me contentar em travar um debate com o gerente do shopping. Cobrei providências urgentes e lembrei que sou sócia-proprietária do shopping. Mandei que ele impedisse aquela bagunça imediatamente. Que ponham portas com senhas individualizadas; detectores de aromas, para impedir gente com desodorante; portas giratórias com câmeras que identifiquem se a pessoa tem um padrão mais caucasiano, o que seja. A tecnologia está aí é pra nos ajudar a separar o joio do trigo.


EC: Então a senhora foi quem deu a ideia de barrar pessoas na entrada dos shoppings?


Zelite: Eu ofereci minha contribuição. Se for pra ajudar o Brasil, pode contar comigo, sempre. Meu amigo do Supremo retornou minha ligação ontem e disse que falaria com o pessoal dos tribunais de justiça. Parece que eles entenderam a gravidade da situação.


EC: Em sua opinião, essa questão não tem um fundo sociológico que...


Zelite: Ah, não me venha com sociologias. Esse pessoal que faz rolezinho nem sabe o que é isso. Eu, que sou vizinha de FHC, sei bem que tipo de sociologia esse pessoal merece. É o seguinte: mais uma vez, estamos vendo que a raiz do problema é a educação. Essa turba faltou à aula de Inglês que ensina que “shopping” é uma palavra que quer dizer “comprar”, “ir às compras”. Ou seja, os seguranças têm que perguntar aos rolezentos: vai comprar alguma coisa? Onde? Quanto custa o que você vai comprar? Deixa eu ver o dinheiro ou o seu cartão de crédito. Se não tiver, não entra. Simples. Não tem nada a ver com limpeza étnica. É o que eu chamo de limpeza ética, faz parte do espírito do capitalismo. País desenvolvido é país limpinho e cheiroso, qual o problema?


EC: a senhora acha que o fenômeno reflete a situação do país, ou é uma nova tendência?

Zelite: O que eu acho mesmo é que é muito triste ver as manchetes de jornal tomadas por esse assunto, quando, em pleno verão, poderíamos estar discutindo temas mais elevados, como a importância da combinação do uso de terno e gravata com bermudas chiquérrimas em escritórios, a atualidade das mechas californianas e questões de utilidade pública, como dicas de produtos básicos para se colocar na “nécessaire”. Deixa eu ver no seu caderninho como você escreveu “nécessaire”... não se esqueça do acento no primeiro “e”. Obrigada.
Fonte Carta maior
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A indigência jurídica do veto aos rolezinhos 



Os vetos de juízes aos rolezinhos parecem expressar um problema que merece atenção: a indigência de nossas instituições para lidar com os conflitos atuais. 
  


PorFábio de Sá e Silva (*) 

Não tardou para que os rolezinhos transpusessem as páginas de jornal, as postagens das redes sociais e os debates das mesas de almoço em família ou entre colegas de trabalho e viessem a ocupar a agenda dos Tribunais. Temerosas pela propagação dessas práticas – nas quais jovens de periferia ocupam Shoppings Centers, um pouco para afirmar hábitos e estilos de vida próprios, um pouco para partilhar dos hábitos e estilos de vida de classes médias e médias alta –, várias administrações desses empreendimentos tomaram a iniciativa de acionar “preventivamente” a justiça. Aqui e ali, assim, começam a aparecer notícias de que juízes “vetaram” a realização de mais um rolezinho ou, ainda, de que determinaram a redes sociais que excluam os “eventos” pelos quais eles vinham sendo convocados. Uma atitude que, na prática, pode ajudar a arrefecê-los, mas também pode alimentá-los e/ou torná-los mais acirrados, como, de resto, também tende a ocorrer com outras tentativas de controle, especialmente o uso da força policial.

Como em toda mudança de chave analítica, a juridificação dos rolezinhos desloca sensivelmente o plano de debate e compreensão dessas práticas sociais. Trata-se de expressão de conflito de classe – ainda que se entenda classe não apenas a partir da tradicional clivagem entre burgueses e proletários, mas também a partir da criação de distinções e do estabelecimento de hierarquias sociais variadas? Ou trata-se apenas de uma brincadeira, que deveria ter sido mais bem assimilada pelo status quo? Há na reação aos rolezinhos algum tipo de segregação, seja quanto aos hábitos e estilos de vida, seja quanto à cor ou raça dos seus participantes? Nos Tribunais, essas se tornam questões secundárias em favor do debate sobre se há ou não algum direito em jogo.

Isso não quer dizer que a conversão para o direito necessariamente empobreça os termos dos debates sobre o rolezinho e/ou os seus participantes. Ao contrário, trazidos para esse terreno, tais debates poderiam (ou mesmo deveriam) conduzir ao exame de questões fundamentais para um projeto de sociabilidade democrática como o que foi trazido pela Constituição Federal de 1988. Até que ponto, sob a égide desta Carta dita “cidadã”, é legítimo a particulares (as administrações e os frequentadores de Shoppings Centers) e especialmente ao Estado (por meio das polícias) hostilizarem manifestações como os rolezinhos? Não caberia ao Estado, ao invés disso, proteger ativamente essas formas de manifestação (cultural, política, identitária ou o que quer que sejam)?

A maneira pela qual as Cortes têm reagido, no entanto, tem passado longe de permitir discussões assim ricas e pedagógicas. De sete casos documentados até agora no Estado de São Paulo, cinco receberam liminares “vetando” os rolezinhos. Tais liminares apresentam teores variados, mas em geral: (i) determinam que pretensos participantes dos rolezinhos se abstenham de comparecer ou de se manifestar coletivamente no interior ou até mesmo nas imediações dos Shoppings Centers autores das demandas; (ii)  fixam multas que variam entre R$ 5.000,00 e R$ 10.000,00 a cada participante que descumprir a ordem; e (iii) determinam a expedição de ofício às Polícias Militares ou Secretarias de Segurança Pública para que atuem na segurança dos estabelecimentos.

Três sérios problemas, no entanto, podem ser verificados nessas decisões.

O primeiro está na delimitação dos termos e das partes de um conflito que é bem mais difuso e cheio de nuances. Tudo se passa, nas decisões dos juízes, como se fosse possível enxergar nos rolezinhos um conflito entre a administração do Shopping Center, de um lado, e um “movimento”, de outro.

Os próprios dados sobre as partes do processo, porém, escancaram a inviabilidade dessa empreitada. O caso do Shopping Metrô Itaquera dá um bom exemplo. A ação foi proposta pela administradora do empreendimento contra: 1) o Movimento Rolezinho no Shopping, Especial de Nataaaaaaal $$(Encontro dos solteiros[as]) e 2) o Encontro de fãs de Evandro Farias e Talitinha Neves (Famosa Dona Benta).

Ora, como é possível identificar quem faça parte do Movimento Rolezinho no Shopping, Especial de Nataaaaaaal $$(Encontro dos solteiros[as])? O que seria isso, aliás? Uma dissidência ou edição especial de um possível “movimento geral” intitulado Rolezinho no Shopping? Algo distinto, por sua vez, de um eventual Rolezinho no Shopping, Especial de Ano Novo $ (Encontro dos casados[as])? E quantos fãs os mencionados Evandro Farias e Talitinha Neves têm em São Paulo?

Todos eles passariam a ser “parte” desse processo? E se na véspera da manifestação os mesmos participantes subscrevessem a um evento com outro nome em uma rede social? Estariam fora do alcance dessa ação?

Concretamente, ademais, é muito provável que os indivíduos se vinculem das maneiras mais diferentes possíveis aos tais rolezinhos. Quem atende à convocação pela rede social e comparece aos eventos, mas não sabe cantar nenhuma das canções de funk que os animam seriam parte do “movimento”? Alguém que não atendeu à convocação das redes sociais, mas, estando presente no Shopping, resolve dançar ao “som em alto volume” produzido por líderes dos eventos passaria a integrá-los “por adesão”?

O segundo problema está na tentativa de se justificar a concessão das liminares, ou seja, de se indicar lesão ou ameaça de lesão a direitos dos Shoppings pelos rolezinhos que justifiquem a intervenção justiça.

“A imprensa tem noticiado reiteradamente os abusos cometidos por alguns manifestantes,” diz o Juiz da 14ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, para deferir a liminar pleiteada pelo Shopping JK Iguatemi. “O autor logrou demonstrar a ocorrência de enorme afluxo de pessoas, cerca de seis mil, em protestos nas dependências do Shopping Center em data recente, os quais acarretaram prejuízos de naturezas diversas, além da apuração de ilícitos criminais,” registrou o Juiz da 4ª Vara Cível do Foro de Itaquera para deferir a liminar pleiteada pelo Shopping Metrô Itaquera.

“Como é público, diversos estabelecimentos comerciais do ramo Shopping Center vem (sic) sofrendo enorme afluxo de pessoas, em eventos intitulados ‘rolezinhos’ – agendados pelas redes sociais – causando grande insegurança para lojistas e público consumidor,” resumiu o Juiz auxiliar da 5ª Vara Cível do Foro de Santo Amaro, para conceder liminar pleiteada pelo Shopping Campo Limpo. Em todos esses casos, verifica-se o uso de alusões a “riscos” inerentes a qualquer aglomeração, a partir das quais, todavia, os Juízes pretendem configurar os rolezinhos como uma ameaça inequívoca à segurança pública, ao livre trânsito de pessoas e funcionários e aos direitos de propriedade dos lojistas e dos Shoppings.

Falácia, para dizer o mínimo.

Tudo isso, obviamente, se traduz na dificuldade dos juízes para definirem o alcance das liminares. Que a polícia militar compareça ao Shopping para “identificar e qualificar os réus descritos na inicial... para posterior procedimentalização do processo,” dispõe o Juiz da 3ª Vara Cível de São José dos Campos. Ora, mas a identificação e qualificação de réus não é um pressuposto de validade de qualquer processo?

“Que os réus (sic)... se abstenham de praticar atos... como tumultos, algazarras, correrias, delitos, brigas, rixas...,” dispõe o Juiz do “caso Shopping Campo Limpo”.

Mas desde quando é preciso uma liminar ordenando que pessoas não “briguem” ou não cometam “delitos” em qualquer lugar? E como definir o que é um “tumulto” ou uma “correria”? Um grupo de amigos que esteja atrasado para a sessão de cinema e resolva acelerar o passo agride, de alguma maneira, a posse que a administradora tem sobre o Shopping ou coloca em risco os outros bens jurídicos como segurança e livre trânsito de pessoas, bens esses, aliás, que sequer pertencem aos Shoppings?

O terceiro problema, por fim, está na pobreza interpretativa das decisões. Uma vez que, não sem boa dose de ficção, os personagens do conflito foram determinados (as administrações de Shoppings contra os rolezeiros) e uma vez que um deles passou a representar potencial ameaça a bens jurídicos do outro, fica fácil para os juízes determinarem quais os direitos que devem “sucumbir” em favor dos direitos do outro.

Uma das subordinações preferidas é do direito à livre manifestação ou mesmo de reunião aos direitos de propriedade. “O Estado não pode garantir o direito de manifestações e olvidar-se do direito de propriedade...” diz o Juiz do “caso JK Iguatemi”. “É fato que a parte postulante, por força da concepção de Estado Democrático de Direito ora vigente, merece obter a salvaguarda do pleno exercício da respectiva atividade econômica, face à indícios (sic) de práticas contrárias ao direito...” diz o Juiz de São José dos Campos. O argumento, em suma, é de que o Shopping é um local privado e que, portanto, pode reivindicar “proteção” contra manifestantes ou, neste caso, participantes de rolezinhos.

Definir o que é público ou privado, porém, é tão difícil quanto definir quem faz ou não parte de um suposto “movimento” Rolezinho no Shopping, Especial de Nataaaaaaal $$(Encontro dos solteiros[as]). A administradora tem propriedade sobre o imóvel em que está instalado o Shopping? Sem dúvida. Mas poderia tê-lo construído lá se não houvesse, por exemplo, autorização da lei de zoneamento de cada município? As lojas poderiam operar sem o respectivo alvará concedido pela prefeitura? Tudo isso deixa evidente que o exercício do tal direito de propriedade pertencente às administradoras frequentemente se subordina ao regime de direito público e, como diz, ademais, a Constituição, deve obedecer a uma função social (art. 5º, XXIII; art. 170, III e art. 182 § 2º).

As decisões, portanto, são inconsistentes, potencialmente inócuas, e que só fazem atribuir alto grau de discricionariedade aos oficiais de justiça e policiais. Pois são estes, afinal, que estarão a cargo de definir quais jovens integram o “movimento” e violam direitos do Shopping ou da comunidade, não apenas em casos como furto ou vandalismo, mas também em “correrias”, “tumultos” ou ações “que fujam dos parâmetros razoáveis de urbanidade e civilidade”: descrições abertas e imprecisas que, nesse caso, podem sim servir para o controle seletivo de grupos em função de seus hábitos ou estilos de vida.

Há hoje no Brasil, como se registrou, uma série de discussões sobre o que os rolezinhos revelam em relação ao país; discussões essas cujos níveis, termos e controvérsias escapam aos propósitos deste artigo. Os vetos dos juízes a esses eventos, no entanto, parecem expressar mais um problema a merecer a atenção: a indigência de nossas instituições, especialmente as jurídicas, para lidar com os conflitos do seu tempo.

 (*) PhD em Direito, Política e Sociedade pela Northeastern University (EUA) e Professor substituto de Teoria Geral do Direito da Universidade de Brasília. As opiniões deste artigo são de caráter estritamente pessoal.