domingo, 23 de março de 2014

A ditadura e seus psicopatas de ontem e de hoje


Quem marcha em defesa do golpe é gente que esbofeteia cada um dos milhões de brasileiros que foram privados da liberdade por mais de duas décadas neste país.




 Por Antonio Lassance

A ditadura valeu-se de psicopatas. Assim manifestou-se a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, para expressar o impacto do depoimento prestado por um coronel do Exército à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro.

O coronel é Paulo Malhães, especialista em tortura e desaparecimento de corpos durante a ditadura instaurada em 1964.

Em seu depoimento, esse guardião dos infernos mostrou como todo o sistema repressivo montado tinha autorização dos ministros das Forças Armadas, que davam as ordens no país - de forma mais absurda e terrorista entre 1968 e 1974.

Os generais, brigadeiros e comandantes não só  tomaram conhecimento como ordenaram que os procedimentos ganhassem escala.

Mandaram construir e custear os aparelhos, como a Casa da Morte, em Petrópolis, e comprar os instrumentos de tortura. Trouxeram torturadores de outros países para treinar seus subordinados a usar requintes de crueldade.

Ao fim e ao cabo, condecoraram uma legião de psicopatas com medalhas e outras honrarias que já deveriam ter sido cassadas.

Onde quer que estejam, e a dúvida é apenas que parte do inferno lhes foi reservada, as mãos e os nomes dos chefes de todos os sádicos permanecerão eternamente tão sujos quanto os dos que decapitaram, arrancaram as arcadas dentárias, deceparam as falanges dos dedos e praticaram tantas outras atrocidades mórbidas com o intuito de desaparecer com corpos de militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura.

Cada ministro das Forças Armadas era sempre rigorosamente informado. Todos eles sabiam quem era preso, qual o método empregado e o resultado dos interrogatórios, por meio de relatórios – onde estarão esses relatórios? Quem os terá queimado ou escondido?

Trechos desse depoimento foram publicados pelo jornal O Globo – um veículo que certamente tem muito a dizer sobre aquele período.

O depoimento dado pelo coronel à Comissão Estadual da Verdade do Rio foi, por sua vez, “dado” com exclusividade por alguém dessa Comissão ao referido jornal. Seria bom que a Comissão depois explicasse seu critério de “doação” de informações públicas para o uso exclusivo por uma empresa privada.

De todo modo, diz o coronel:

"Levamos a ideia do CIE para o Burnier (brigadeiro João Paulo Burnier). Ele mostrou para o ministro (da Aeronáutica, Márcio de Souza Melo), que disse: ‘Poxa, que troço! Então funciona’. Aí, fundou o Cisa (Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica. Tanto é que recebi a medalha de Mérito da Aeronáutica. Eu até me senti muito orgulhoso, foi o dia em que eu fiquei mais vaidoso” -  disse o coronel.

Os detalhes contados são preciosos:

“O DOI (Destacamento de Informações de Operações) é o primeiro degrau. Você entra ali, voando. Aí, se brutaliza, passa a ser igual aos outros, mas depois vai raciocinando e se estruturando”.

“Houve uma mudança da porrada para o choque. Você pode dizer: foi uma mudança ruim - foi não. Não deixava trauma, não deixava marca, não deixava nada. Já foi uma evolução. Aí, você vai caminhando, aprende de outros lugares, também de outros países, como é feita a coisa. Então, você se torna um outro personagem, um outro cara e, por causa disto, você é guindado a um órgão superior por ser um cara diferente e agir diferente. Tem muito mais amplitude, tem um universo muito maior, aí você se torna um expert em informações.”

"Aprendi que um homem que apanha na cara não fala mais nada. Você dá uma bofetada e ele se tranca. Você passa a ser o maior ofensor dele e o maior inimigo dele. A rigidez é o volume de voz, apertar ele psicologicamente, sobre o que ele é, quais são as consequências. Isto sim. Tudo isto é psicológico. Principalmente quando houve outros casos, né? Fulano foi preso e sumiu. Ele não é preso em uma unidade militar, ele vai para um lugar completamente estranho, civil, vamos dizer assim, uma casa. Ninguém sabe que ele está lá. Não há registro.”

Remorso? Nenhum:

“Poxa, não. Só perdi noite de sono estudando [as organizações de esquerda]. Até hoje, estudo.”

Até hoje? Bem, talvez hoje o coronel esteja então na reedição da Marcha da Família pela Liberdade, um nome hipócrita para uma reunião pública de defensores de um regime de psicopatas.

Enquanto permanecer existindo um único desaparecido político no país, qualquer um que apoie esse tipo de marcha golpista, seja lá que nome de fantasia ostentar,  patrocina um desfile em desrespeito a qualquer família, não só as que choram seus parentes sem lápide.

Os que marcham em defesa do golpe são gente que fede a religião, mas não acredita em Deus – como diria Mário de Andrade.

É gente que esbofeteia cada um dos milhões de brasileiros que foram privados da liberdade por mais de duas décadas neste país.

Que marchem, mas não ousem tocar suas mãos sujas em nossa democracia, nem pisar sobre nossas consciências.


(*)  Antonio Lassance é cientista político.

Fonte Carta Maior

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Marcha pela Família fracassa em Brasília e outras cidades 


Na capital federal, meia-hora após o horário marcado, 12 manifestantes disputavam abrigo da chuva no ponto de ônibus em frente ao local da concentração. 

Carta Maior


Brasília - A forte chuva que caiu sobre a capital federal no início da tarde deste sábado (22) foi suficiente para por fim à tentativa de reedição local da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, marcada para ter início às 15 horas, em frente ao 32º Grupo de Artilharia de Campanha, no Setor Militar Urbano de Brasília.

Meia hora após o horário marcado, doze pessoas disputavam abrigo contra a chuva no ponto de ônibus em frente ao local da concentração, enquanto algumas outras aguardavam em seis carros estacionados na área. Eram jovens, brancos e usavam roupas com motivos militares ou portavam bandeiras do Brasil. O carro de som ficou estacionado do outro lado da pista, inutilizado. Nenhum dos participantes chegou exibir faixas ou cartazes.

A baixa adesão se repetiu na maioria das 200 cidades do país que também tentaram reeditar a marcha que ajudou os militares a tomarem o poder em 1964, dando início a mais longa ditadura da história recente do país. Em Belo Horizonte, cerca de 50 pessoas participaram do ato que pede a volta da ditadura militar. No Recife, uma média de 30. Em Natal, foram nove os manifestantes.

No Rio de Janeiro, a Polícia estimou em 150 os presentes: entre eles, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que irá discursar a favor da ditadura na sessão solene que será realizada pela Câmara dos Deputados para marcar os 50 anos do golpe.

Em São Paulo, o maior ato do país agregou aproximadamente mil pessoas no que Roberto Brilhante classificou, na Carta Maior, como um carnaval fora de época. Mas um outro protesto, batizado de Marcha Antifascista, reuniu número equivalente de participantes que se contrapunham à primeira.

Nas redes sociais, o fracasso da reedição da Marcha pela Família virou motivo de chacota. Foram inúmeros os memes criados pelos internautas para criticar o ato. “Marcha com Deus e o Diabo na Terra do Sol”, satirizava um. “Marcha pela Família Adams”, “Marcha pela Família Flintstones, pela volta à Idade da Pedra”, “Marcha pela Família Caymmi, rumo à Maracangalha”, ironizavam outros.

Na página oficial do evento no Facebook, os organizadores ainda não fizeram um balanço da reedição nacional. As últimas postagens ainda se referem aos detalhes do protesto que, segundo os organizadores, era uma homenagem ao grande evento de 1964 e uma forma da sociedade pedir “intervenção militar constitucional” no país, seja lá o que for que isso signifique.

Em vídeo postado no último dia 20 para rebater as críticas ao evento, os organizadores Celso Brasil e Cristina Peviani convidavam os manifestantes contrários a aparecerem com um jargão muito comum entre policiais militares, em especial os das chamadas tropas de elite. “Sejam bem-vindos os mascaradinhos que quiserem bagunçar: é ‘faca na caveira’ pra vocês”.


Fonte Carta Maior


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