domingo, 23 de março de 2014

"O Golpe é a corrupção", diz juiz Marcelo Semer


"Uma das grandes sandices dos saudosistas da ditadura, ou daqueles que evocam a nostalgia do que jamais conheceram, é pregar por “um golpe militar contra a corrupção”. (...) Mas um golpe militar jamais será contra a corrupção. O golpe é a própria corrupção."





 Por Marcelo Semer*

Uma das grandes sandices dos saudosistas da ditadura, ou daqueles que evocam a nostalgia do que jamais conheceram, é pregar por “um golpe militar contra a corrupção”.
 

Nessas toscas, porém não ingênuas, chamadas para uma marcha com Deus, família, liberdade e canhões, a ideia se repete com uma irritante constância.
 

Mas um golpe militar jamais será contra a corrupção. O golpe é a própria corrupção.
 

Não bastasse o fato de corromper a ideia em si do estado de direito (que cede ao estágio da força bruta), e ser, portanto, uma violência contra a democracia, a ditadura por essência se opõe aos princípios mais básicos do combate a qualquer corrupção: transparência e igualdade.


Nada disso existe quando o poder é absoluto. 
 
Não passa de um mito, construído pelo marketing da mentira e pela estratégia da ocultação, a ideia de que não houve corrupção na ditadura.
 

Pequenas notícias, grandes fortunas. 
 
Quantos não foram os empreendedores pró-militares que enriqueceram, enquanto o país se endividava brutalmente?
 
O que não havia na ditadura era liberdade da imprensa para divulgar, nem a de órgãos de controle para averiguar ilícitos.
 
A ideia de república pressupõe o controle do poder; a ditadura, ao revés, se baseia no uso do poder como controle.
 
Reportagem recente do jornal O Globo - insuspeito no assunto, porque foi um dos mais persistentes no apoio aos militares - aponta que a Comissão Geral de Investigação criada pela ditadura arquivou inúmeras denúncias contra amigos do regime ao mesmo tempo em que se detinha em vasculhar a vida de seus opositores.
 
Enquanto arquivos pessoais de Leonel Brizola e João Goulart eram devassados (sem sucesso) pelos investigadores atrelados ao governo, denúncias contra José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, foram simplesmente arquivadas sem qualquer tipo de apuração.
 
Os amigos do poder tinham mais que direitos; os inimigos, bem menos do que a lei.
 
Pode-se encontrar violência, privilégios e obediência pelo medo nos desvãos da nossa ditadura. 
 
Mas não uma polícia isenta, um Ministério Público com autonomia ou a plena independência judicial.
 
A promiscuidade entre empresários e membros do regime militar é, aliás, um dos pontos que tem chamado a atenção da Comissão Nacional da Verdade recentemente. Já foram levantados vários apontamentos de visitas de representantes de entidades de industriais a locais de repressão. 
 
O documentário Cidadão Boilesen (2009, direção Chaim Litewsky) aborda o tema com farto material histórico, relatando o subsídio empresarial para a manutenção de centros de tortura – uma espécie de parceria público privada para uma operação ilegal, ao mesmo tempo no coração e à margem do sistema.
 
Alguns aderiram à promiscuidade como forma de não serem alijados de licitações ou grandes contratos; outros justamente para poder se aproveitar das oportunidades que se abriam com essas ligações escusas - o documentário avoluma dados sobre as conexões entre o grupo do executivo e a Petrobrás.
 
Com a aproximação do aniversário de cinquenta anos do golpe militar, que mergulhou o país em mais de duas décadas de sombras, proliferam-se manifestações nostálgicas, estimuladas pelo negacionismo de historiadores reacionários.


A ditadura, de fato, tinha menos paciência com rebeliões de políticos aliados. E nenhuma tolerância contra os inimigos do regime. 


Mas daí não resulta qualquer mérito. Ao revés, a intolerância do poder foi devastadora. 


Muitas famílias acabaram destroçadas. E as marchas que vieram a partir do golpe não desaguaram nem em Deus nem nas liberdades. Apenas espalharam violência.


Há quem esteja predestinado a repetir a história como farsa. Mas há muita gente ainda de olho na tragédia.
*Marcelo Semer é juiz de direito em SP e escritor. Ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. Autor do romance Certas Canções (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo
 

Terra Magazine


Leia mais

Marcha da Família e os blocos da morte 




Por Mauro Santayana, em seu blog:

O Carnaval acabou há alguns dias, mas tem gente convocando novos blocos para sair às ruas.

Esses últimos blocos tardios, tem o nome de "Marcha das Famílias com Deus pela Liberdade".

Os seus raivosos passistas dizem que estão com as famílias.

Mas se esquecem de outras famílias, que há cinquenta anos desfilaram em marchas semelhantes, e que – apesar disso - tiveram irmãos e filhos torturados e “desaparecidos” pelos agentes do mesmo regime que ajudaram a colocar no poder, no dia primeiro de abril de 1964.

Os raivosos passistas desses blocos dizem que estão com Deus.

Mas se olvidam que Deus não está com aqueles que defendem os que usaram porretes, choques elétricos e pau-de-arara. Que espancaram e assassinaram homens e mulheres indefesas, nos porões, como fizeram com seu único filho, um dia, chicoteando-o, rindo e cuspindo em seu rosto antes de cravar em sua cabeça uma coroa de espinhos, para que a usasse, sob a sombra da Cruz, a caminho do Calvário.

Eles pedem a prisão e o massacre de comunistas, como antes o faziam os nazistas, com os judeus, os ciganos, e os homossexuais.


Mas se esquecem do Papa Francisco – que defende o direito à opinião e à diversidade - que disse que não era comunista, mas que nada tinha contra os marxistas, porque ao longo da vida havia conhecido vários, que eram homens honestos e boas pessoas.

Eles dizem que estão com a Liberdade, mas defendem o assassinato e a tortura; a cassação de todos os partidos; o fechamento do Congresso e do Judiciário; o fim do direito de expressão, opinião e reunião; o desrespeito à vontade do eleitor, expressa diretamente na urna, e a derrubada de um governo eleito, em segundo turno, pela maioria dos votos de dezenas de milhões de brasileiros.

Eles dizem que estão com os militares. Mas os militares brasileiros não estão com eles.

Os militares brasileiros estão em nossas fronteiras, na Selva!, nos rios amazônicos, no horizonte amplo da caatinga, testando os novos rifles da INBEL, os Radares Saber, os blindados Guarani, o novo Sistema ASTROS 2020. Estão na proa das novas fragatas da Marinha; na torre de nossos submarinos; na Suécia, aprendendo a conhecer os caças que darão origem aos Grippen NG BR, que serão fabricados e montados em território brasileiro. 

Os Blocos da Morte são blocos tristes, que não cantam o amor nem a alegria, que marca e contagia o coração brasileiro.

Eles usam nossas cores como fantasia, mas a mágoa é seu adereço, a frustração, sua alegoria, o ódio, seu imutável enredo. Seus passos e seus gritos são duros e o coração tão pesado quanto sua mente. Uma mente que mente, mente, mente, até para eles mesmos, e se esconde nas sombras do passado, porque teme as luzes do futuro.


 
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